Pesquisa de mestrado da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp apontou que os distúrbios psicológicos observados em mulheres com insuficiência ovariana prematura (popularmente chamada menopausa precoce), antes dos 40 anos, foram exatamente os mesmos de mulheres da mesma idade e com ovários funcionantes. “Os resultados foram comparáveis graças ao tratamento com terapia hormonal com estrógeno e progesterona”, informou Cristina Laguna, docente da FCM, ginecologista no Hospital da Mulher - Caism e orientadora do trabalho.
O estudo, realizado entre 2016 e 2017, avaliou o reflexo desse tratamento anos após o diagnóstico e apontou que ele conseguiu diminuir as conotações psicológicas negativas do período. Mas, apesar desse tratamento ter sido um aliado das mulheres com menopausa precoce, os distúrbios ainda se mostraram elevados. A depressão ocorreu em cerca de 30% das mulheres avaliadas, foi de diferentes graus e nem sempre as mulheres com depressão moderada e grave conseguiram receber esse diagnóstico.
A psicóloga Camila Menezes, autora do trabalho, entrevistou 61 mulheres atendidas no Caism com diagnóstico de insuficiência ovariana prematura e 61 mulheres consideradas saudáveis, do ponto de vista da produção hormonal. As mulheres responderam a questionários que mensuravam distúrbios como depressão, ansiedade e estresse. Foi indagado a elas como se sentiam em relação a esses aspectos e ao diagnóstico da insuficiência ovariana prematura anos após o tratamento.
As avaliadas já tinham um diagnóstico de menopausa precoce há um tempo médio de sete anos, e pelo menos há um ano já estavam se tratando com hormônios. Também estavam recebendo orientações fundamentais para a sua vida quanto à alimentação, à atividade física e a alguns hábitos saudáveis.
Camila Menezes notou que muitas mulheres se diziam deprimidas e desanimadas assim que receberam a informação de que tinham menopausa precoce, por esse diagnóstico ter sido feito numa idade inesperada para elas. Essas mulheres demonstraram grande resistência em aceitar o diagnóstico de menopausa precoce, mencionando o impacto que isso criou nas suas relações. Com o tempo e com orientações da equipe multidisciplinar (médico, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista) do hospital, a aceitação foi maior e o controle das alterações psicológicas foi melhor.
O estudo sinalizou que as mulheres com insuficiência ovariana demonstravam mais depressão quando tinham mais filhos e quando tinham jornada dupla de trabalho, por mais que contassem com a ajuda dos seus parceiros.
“Segundo a Organização Mundial da Saúde, o tratamento a essas mulheres deve ser adequado e individualizado, e deve levar em conta os aspectos psicológicos, pois há previsões de que a depressão será a doença mais prevalente do mundo, mais até do que as doenças cardiovasculares, com grandes impactos à população como um todo”, ressaltou Cristina Laguna.
O Brasil já detém o título de país com o maior número de pessoas com depressão da América Latina. Mundialmente, a patologia já afeta 322 milhões de pessoas e deve aumentar ainda mais, já com estimativas de que se tornará uma das maiores preocupações da saúde pública globalmente.
Distúrbios
Cristina Laguna revelou que 1% a 2% das mulheres no mundo podem ter perda da função ovariana precocemente. Isso significa que, em cada 100 mulheres, em uma ou duas o ovário poderá deixar de funcionar antes do tempo (1% antes dos 40 anos e 0,1% antes dos 30 anos).
Ela esclareceu, no entanto, que, para as mulheres que entram na menopausa mais cedo, este diagnóstico não representa necessariamente que terão um envelhecimento prematuro e nem a impossibilidade de engravidar. Significa, antes, que os seus ovários não estarão mais funcionantes, que isso poderá ter algumas implicações e que ela poderá precisar de tratamento.
A médica contou que, quando as mulheres recebem esse diagnóstico, são encaminhadas ao Ambulatório de Ginecologia Endócrina do Caism, em geral porque nunca menstruaram ou porque menstruaram e pararam de menstruar antes dos 40 anos ou ainda porque a menstruação está irregular, ocorrendo a cada três a quatro meses.
Quando o diagnóstico de perda ovariana é feito antes dos 40 anos, explica-se às pacientes alguns reflexos dessa perda. Um deles é que poderão, em alguns casos, perder a capacidade reprodutiva e ter problemas orgânicos pela falta de hormônios. Assim, elas recebem orientações quanto ao tratamento preventivo para que se mantenham bem ao longo dos anos.
Elas recebem explicações sobre os possíveis reflexos psicológicos que terão, podendo ser acompanhadas no hospital, caso desejem. Também, devido a um peso inadequado ou a hábitos inadequados de saúde, elas poderão optar por um acompanhamento nutricional e, quando as queixas forem dor ou relacionadas à mobilidade, poderão optar ainda por acompanhamento fisioterápico.
Após a avaliação pela equipe multidisciplinar, a terapia hormonal será prescrita, ao lado de uma avaliação periódica da sua saúde óssea, cardiovascular, de outros hormônios e, caso precisem, será feito um pedido para que as pacientes sejam atendidas por outros especialistas.
Tratamento
Cristina Laguna ensina que o termo “menopausa precoce” é muito empregado, mas que na verdade a expressão mais adequada seria insuficiência ovariana prematura, porque o que o que essa mulher se ressente é da falta da função do ovário antes da hora, isso porque, quando acontece a perda da função ovariana, pode haver comprometimento da função reprodutiva. Então as mulheres apresentam mais dificuldade ou incapacidade de engravidar espontaneamente.
A ginecologista, entretanto, pondera que hoje em dia as mulheres têm múltiplos papéis para exercer na sociedade, como o papel produtivo, por exemplo, contribuindo financeiramente para o seu contexto familiar. Talvez alguns desses aspectos sejam até mais relevantes para ela do que a função reprodutiva. Muitas mulheres hoje se preocupam com a realização acadêmica e a construção da sua carreira.
Outro aspecto que deve ser repensado, conforme a orientadora, é que se desvincule a conotação de que a disfunção ovariana prematura é a mesma que ocorre com a mulher na menopausa perto dos 50 anos. “Se a mulher tem um distúrbio menstrual ou porque nunca menstruou ou porque a menstruação está irregular, precisa procurar o médico para um diagnóstico adequado, e não vá simplesmente tomando hormônios”, realçou ela. “Essas mulheres são jovens e precisam de uma terapia hormonal para prevenir ou reduzir as consequências da falta da função ovariana. E devem encarar esse problema de saúde como outros problemas da vida. Também os médicos devem buscar uma atitude mais proativa para fazer o diagnóstico dessas mulheres e para encaminhá-las a um tratamento mais específico.”
A irregularidade menstrual deve ser muito bem-compreendida, disse a médica, visto que muitas mulheres, por serem ainda jovens, não pensam em reprodução. “É importante que, aos primeiros sinais e sintomas, essas mulheres consigam um diagnóstico ágil porque ele pode mudar a abordagem do problema”, sublinhou. “A falência ovariana prematura provoca consequências indesejadas devido ao estado prolongado de hipoestrogenismo (declínio na produção ovariana de estrógeno), havendo indicação contundente de terapia hormonal para minimizar tais alterações.”
Este estudo faz um alerta para que se ofereça um tratamento multidisciplinar e destaca que os problemas psicológicos estão sendo subdiagnosticados. “Os resultados obtidos servem para acautelar outros serviços que atendem mulheres com esse diagnóstico sobre as alterações psicológicas, fortalecendo a ideia da adesão a um tratamento mais completo”, informou Cristina Laguna.