“Unicamp e Direitos Humanos: pesquisas e ações” é o primeiro simpósio promovido pelo Comitê Gestor do “Pacto Universitário pela Promoção da Valorização do Respeito à Diversidade, Cultura da Paz e Direitos Humanos”, com o objetivo de apoiar ações e pesquisas referentes aos direitos humanos realizadas em todas as áreas do conhecimento dentro da Unicamp. “Estamos reunindo as pessoas que trabalham com o tema para que se conheçam e estabeleçam uma interlocução, a fim de fortalecer a pesquisa. Precisamos valorizar esses trabalhos porque vivemos um claro momento de ataques aos direitos humanos em várias partes do mundo e a sociedade precisa ser esclarecida sobre o quanto já é ou pode ser beneficiada por esses direitos”, afirma a professora Néri de Barros Almeida, coordenadora do Comitê Gestor.
O evento realizado na quinta e na sexta-feira, no Centro de Convenções, incluiu comunicações de pesquisa de alunos, pós-graduandos, pesquisadores, professores e também de funcionários apresentando novas propostas para a gestão da Universidade.
“Esta valorização do trabalho dos funcionários, que investem energias intelectuais na resolução de problemas de gestão, também ajuda a valorizar o ambiente de trabalho acadêmico promovendo maior confiança na delegação de autonomia nas tarefas, o que tem efeito importante na diminuição de hierarquias e, assim, na humanização do cotidiano”, observa Néri de Barros.
O professor Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, considera que a Universidade, em seus mais de 50 anos, talvez não tenha sinalizado adequadamente para uma série de assuntos relacionados com cidadania e direitos humanos. “Precisamos mover a Universidade para o debate e ações efetivas. Estamos articulando uma Diretoria Executiva de Cidadania e Direitos Humanos em torno de cinco ações: criando o Observatório de Direitos Humanos dentro do Pacto Universitário proposto pelo governo federal; estruturando a Coordenadoria de Diversidade e Equidade, já aprovada pelo Conselho Universitário por ocasião da implantação das cotas étnico-raciais; implantando a Comissão Permanente de Acessibilidade, juntando as graduações da Cátedra Sérgio Vieira de Mello; e uma coordenadoria de combate à discriminação por gênero e sexualidade e à violência sexual.”
Marcelo Knobel atentou ainda para a situação preocupante que enfrentamos hoje no país, agravada pelo clima das eleições para presidente, governadores e deputados federais e estaduais. “Diria até que é uma situação um pouco assustadora. A perspectiva é de um futuro bastante incerto, difícil do ponto de vista, o que tem influência na Universidade. Mas, nesse momento, acho mais importante a questão da preservação dos direitos do cidadão, da democracia como bem maior da nossa sociedade. Temos 30 anos de Constituição, ou seja, é bem recente a democratização do país e a estabilidade dessa democracia ainda é muito frágil. Quero lembrar a todos que façam uma escolha consciente, pensando em candidatos que tenham o respeito a esses valores, que são fundamentais para a universidade pública e o país como um todo.”
Como ensinar direitos humanos?
A conferência de abertura do seminário foi proferida pelo professor Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, que falou sobre a educação para os direitos humanos. “Uma das questões é como ensinar direitos humanos. Nossos docentes universitários estão habituados a certo modo de difusão de princípios, valores, resultados de investigações, e nem sempre os nossos hábitos acadêmicos são os melhores para educação em direitos humanos. Como chegar, por exemplo, aos grupos sociais mais vulneráveis a violações e fazê-los compreender que direitos humanos são uma forma de proteção e não de agressão. É muito comum, em diferentes plateias, sempre alguém dizer que direitos humanos são para defesa de bandidos – esse assunto que parecia superado é trazido de volta ao debate.”
A propósito, Adorno respondeu ao questionando de um espectador sobre o porquê do retrocesso nos direitos humanos nestes 30 anos de Constituição. “Não sou daqueles que acham que não houve avanços nos direitos humanos, a gente teve momentos de grandes avanços. Estudei a questão nos governos de Fernando Henrique e de Lula. Tanto um como outro acolheram a recomendação da Declaração de Viena [1993] de produzir programas nacionais de direitos humanos e monitorá-los – isso deveria ter continuidade. Numa estratégia em minha opinião equivocada, o governo Dilma fragmentou a iniciativa em diferentes políticas, como de mulheres e de racismo, o que poderia ter dado certo se houvesse um substrato de reconhecimento dos direitos humanos bastante sólido na sociedade brasileira. Mas esta fragmentação permitiu que forças reativas do passado retornassem, houve uma desconstrução da ação governamental.”
Sérgio Adorno, ao sair do Centro de Convenções, também comentou um dado preocupante das pesquisas para as eleições presidenciais, que mostram forte apoio ao candidato contrário aos direitos humanos entre universitários e alunos do ensino médio. “Provavelmente, estamos falhando na formação desses estudantes, não provendo um aprendizado de direitos humanos como deveria ser feito. Mas não esqueçamos, também, que durante o nazismo, muitos dos oficiais que cometeram graves violações de direitos humanos eram portadores de títulos de doutor. Então, não é um fenômeno desconhecido: há uma espécie de desencontro entre a formação e a moralidade. É um fenômeno que estou querendo estudar, porque é realmente preocupante. A hipótese é de que estamos fazendo uma educação que não problematizou suficientemente o autoritarismo socialmente enraizado e de alguma maneira permitiu que todas essas coisas acontecessem.”