Autonomia universitária permitiu avanços e impôs desafios, destaca livro

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Em fevereiro de 1989, um modelo inédito de autonomia universitária foi criado no Estado de São Paulo por meio de um decreto do governador Orestes Quércia. Desde então, USP, Unicamp e Unesp seriam autorizadas a criar suas próprias normas de organização didático-científica, administrativa e de gestão financeira, de recursos humanos e patrimonial. A medida abria muitas possibilidades de aprimoramento para as instituições de ensino superior paulistas ao mesmo tempo em que ampliava suas responsabilidades e suscitava novos obstáculos. Os físicos Paulo Muzy e José Roberto Drugowich, que acompanharam de perto esse processo, se debruçaram sobre o tema para escrever o livro Os Desafios da Autonomia Universitária: História recente da USP (Paco Editorial), lançado no dia 4 de outubro com um debate no Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp.

O evento contou com a participação do reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, do ex-reitor Carlos Vogt (1990-1994), presidente do Conselho Científico e Cultural do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp, e do sociólogo Geraldo di Giovanni, professor aposentado do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Trinta anos após ser instituída, a autonomia universitária tem gerado debates nos meios acadêmicos pela ameaça de que uma reforma tributária possa colocar em risco a regra de repasse de 9,57% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para as três universidades paulistas. Em um cenário de comprometimento do orçamento, essa perspectiva se apresentaria como um agravante da atual crise financeira.

Di Giovanni declarou que o livro é a obra mais completa sobre a história das universidades paulistas, com importantes detalhes históricos e farta fundamentação teórica na sociologia, antropologia e administração. Apresentando uma visão que ele classificou como “pessimista”, o sociólogo defendeu que a institucionalidade externa das universidades é muito frágil. “É real o perigo que nós corremos, mesmo se não houver uma mudança no sistema tributário”, afirmou o professor do IE. “Caso haja, essa luta que desencadearemos daqui para frente teria necessariamente que ter um respaldo, uma caixa de ressonância, da opinião pública que não temos.”

Para Di Giovanni, essa desconfiança da opinião pública está relacionada à necessidade de discutir a institucionalidade interna das universidades. “Nesse aspecto, o livro é perfeito, ao mostrar as grandes oportunidades que perdemos de construir a autonomia com uma vigilância orçamentária constante, que nós não praticamos todos esses anos.” Ele destacou ainda que a obra de Muzy e Drugowich adverte para as “tentações da autonomia”, como considerar que os recursos estão eternamente assegurados e que podem ser usados da maneira que convier. Nesse contexto, o docente do IE apontou como o maior “vilão” o corporativismo, que ele identifica como a defesa de interesses legítimos de determinado grupo ou organização sem considerar os interesses da coletividade.

Para o reitor da Unicamp, o momento é de “perigo iminente”, requerendo um debate organizado pela defesa da universidade pública. Percorrer a história desse processo de constituição da autonomia, no ponto de vista de Knobel, é essencial para entender os mecanismos que levaram à situação atual. “Precisamos conhecer o que levou à nossa autonomia, considerado um dos melhores modelos do mundo, mas que também tem seus problemas, como acabamos vendo e ainda estamos sofremos na Unicamp, na USP e na Unesp.”

Paulo Muzy explicou que a obra foi concebida com uma questão central a partir da crise que se apresentou para as universidades desde 2014. “Do ponto de vista da crise, era preciso verificar se o sistema universitário paulista havia se aproveitado do decreto. A nossa pergunta era: houve uma modificação da gestão?” Segundo ele, que foi secretário-adjunto de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (1991-1994), as três universidades paulistas estavam em estágios diferentes de desenvolvimento em 1989: enquanto a USP somava quase seis décadas de história, a Unicamp vivia um processo de institucionalização e a Unesp, ainda de organização. Por esse motivo, o livro foi pensado com foco no caso da Universidade de São Paulo, cuja estrutura de gestão já era “qualificada” e “organizada”.

O autor concordou com os demais palestrantes que um dos desafios é a emergência de uma reforma tributária que pode modificar a nomenclatura do ICMS, colocando em risco a manutenção dos atuais percentuais de repasse para o sistema universitário de São Paulo. “Esses recursos estão na mira dos políticos, e eu me perguntaria: quais argumentos a universidade usaria hoje para enfrentar o debate legislativo? Esse me parece o desafio mais premente.”

Para escrever a obra, os autores entrevistaram personagens que acompanharam o processo de criação do decreto, analisaram reportagens e artigos publicados na imprensa, e se debruçaram sobre a bibliografia.  Drugowich lembrou que o primeiro risco para a autonomia universitária foi colocado em 1991, quando se discutiu o aumento do percentual de repasse do imposto e uma redistribuição entre as três instituições. O segundo momento de ameaça, afirma, ocorreu em 2007, quando da criação da Secretaria de Estado de Ensino Superior e sua possível influência no Conselho de Reitores (Cruesp).

O linguista Carlos Vogt, que acompanhou de perto o processo de implantação do decreto de 1989 – primeiro como vice-reitor (1986-1990) e depois reitor da Unicamp (1990-1994) – é autor do prefácio de “Os Desafios da Autonomia Universitária”. Em seu texto, ele afirma que o fato de ter vivido os dois momentos de gestão permitiu avaliar com clareza o aprimoramento da governança no ambiente universitário paulista. Para o linguista, a publicação do livro é oportuna, pois coloca em evidência a premência de se renovar e inovar as ações práticas em defesa do conceito da autonomia. “A autonomia está na cultura das universidades públicas estaduais e da Fapesp. Por isso que é difícil para os governos colocarem um fim nisso e voltar à situação do ‘chapéu na mão’.”

Segundo o ex-reitor, “a autonomia permitiu que o Estado de São Paulo tivesse as condições estruturais para o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural que nós conhecemos”. Vogt lembrou que a autonomia foi pensada desde 1947, na Constituição do Estado, e consagrada na criação da Fapesp, em 1962.

O seminário e lançamento do livro foi organizado pelo Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp, com apoio da Editora da Unicamp e Paco Editorial.

 

Linguista Carlos Vogt e físico José Roberto Drugowich
Físico Anderson Fauth, coordenador adjunto do IdEA
Marcelo Knobel, reitor da Unicamp
Físico Paulo Muzy
Físico José Roberto Drugowich, professor da USP
Sociólogo Geraldo di Giovanni, professor do IE
Carlos Vogt, presidente do Conselho do IdEA

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004