Chegou ao fim nesta semana a programação do cineasta Ugo Giorgetti como convidado do Programa “Hilda Hilst” do Artista Residente, do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp. Entre agosto e novembro, o diretor, produtor e roteirista paulistano desenvolveu atividades em duas frentes: “São Paulo segundo Ugo Giorgetti”, mostra reunindo toda sua filmografia na Casa do Lago, e “O Cinema e a Criação de Ugo Giorgetti”, curso livre abordando tópicos da prática cinematográfica.
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Nas 13 semanas foram exibidos 19 longas, médias e curtas-metragens, documentários e filmes para televisão, sempre seguidos de debates em que o público pôde fazer perguntas e interagir com o diretor, dissecando os bastidores e a forma de pensar o cinema de Giorgetti. Estruturada de maneira a percorrer em ordem cronológica a história da cidade de São Paulo, a programação foi do final do século XIX até a década de 2010.
O curso foi montado com uma série de 13 palestras baseadas na experiência de Giorgetti de mais de quatro décadas de direção, roteiro e produção de cinema. Entre os temas abordados estavam o trabalho do diretor, a equipe de filmagem, o papel do Estado no fomento do cinema brasileiro, o humor frio presente em seus filmes e como construir um roteiro. Professores, alunos e funcionários de universidades, profissionais da comunidade cinematográfica e diletantes de formações diversas compuseram a turma de 40 alunos que completou o curso, realizado nas manhãs de quartas-feiras.
Giorgetti se disse surpreso com o interesse e a participação frequente dos alunos, elogiando a organização e a proposta de interação na universidade. Apesar de nunca ter lecionado, o cineasta se sentiu muito à vontade durante as aulas, cativando o público com sua desenvoltura e humor. “Eu encontrei aqui um ambiente muito aberto e propício. Eu mesmo fui aluno de universidade, mas minha cabeça não é de um acadêmico. Eu sou um profissional, quase um técnico de roteiro e direção, algo desse tipo. Mas acho fundamental que haja o acadêmico.” Depois de cursar os anos iniciais de Filosofia na USP na década de 1960, Giorgetti se consolidou profissionalmente na publicidade, estreando no documentário com “Campos Elíseos”, de 1973, e na ficção com “Jogo Duro”, de 1985.
“São Paulo segundo Ugo Giorgetti” foi a primeira mostra a reunir toda a cinematografia de Giorgetti. Rever seus filmes, afirma o cineasta, foi uma experiência dúbia. Segundo ele, apesar de a mostra ter permitido perceber que suas obras, em geral, resistiam ao passar do tempo, ela também significava revisitar erros ou escolhas que hoje considera equivocadas no argumento e na direção. “Cinema não é um livro, em que se publica uma segunda edição revista e aumentada.”
Esse olhar crítico sobre sua própria obra e a oportunidade de assistir a filmes raros e fora do circuito comercial foram alguns dos atrativos para o público das sessões noturnas de terças-feiras na Casa do Lago. A estudante Bruna Dias, mestranda em história econômica na Unicamp, assistiu a vários dos filmes. “Foi incrível a oportunidade de ouvir e participar das discussões na mostra, sabendo detalhes dos bastidores. Às vezes, nós pensamos que há grandes coisas por trás da produção, mas fomos percebendo que muitas vezes são coisas mais de ordem prática, então, foi muito bacana.”
Exercício prático
Para discutir a importância do argumento e seus desdobramentos para a produção de um filme, Giorgetti abriu para os alunos um roteiro inédito que está escrevendo para seu próximo longa-metragem de ficção, intitulado “Dora e Gabriel”. Na história, um casal de desconhecidos é preso por criminosos no porta-malas de um carro, cenário da maior parte da ação. A chance de contribuir coletivamente para o texto motivou os alunos durante os três meses, com a garantia de que as melhores ideias poderiam ser aproveitadas.
José Augusto Mannis, professor dos cursos de Música e Midialogia do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, se propôs a contribuir, além do roteiro, com a construção desse ambiente do porta-malas, pois realiza pesquisas com imersão sonora. A ideia de Mannis é usar o sistema multicanal, com a tecnologia surround, para que a plateia se sinta enclausurada com os protagonistas. “É um grande desafio construir uma narrativa sonora que acompanhe todo o filme dentro desse ambiente fechado de um porta-malas”, explicou Mannis. Durante as últimas semanas, o professor do IA fez simulações de situações no interior de um carro e registrou os áudios para servir como piloto de “Dora e Gabriel”.
Perceber a evolução do diretor ao longo dos anos na concepção de seus filmes chamou a atenção dos alunos Kevin Damásio, pós-graduando em História, e Simone Boró, que cursa graduação em Ciências Sociais na Unicamp. Acompanhando quase todas as sessões na Casa do Lago, eles elogiaram a chance oferecida pelo IdEA. “Foi um privilégio muito grande podermos participar, porque nunca tivemos essa oportunidade de interagir com um diretor como ele. Foi a primeira vez que pudemos fazer um curso completo como esse, e a possibilidade de diálogo foi muito boa”, declarou Damásio.
Para o linguista e poeta Carlos Vogt, presidente do Conselho Científico e Cultural do IdEA, a presença de Giorgetti foi uma ótima retomada do Programa do Artista Residente, agora vinculado ao IdEA e homenageando a poeta Hilda Hilst, primeira convidada para residência artística na Unicamp em meados do anos 1980. “Ter reinaugurado o programa com um artista da qualidade do Ugo foi muito bom por todos os atributos que ele reúne, como a inteligência e a espontaneidade, além do fato de ser um criador completo, roteirista, produtor, diretor e cronista de futebol da envergadura de um Nelson Rodrigues.”
O professor e crítico literário Alcir Pécora, coordenador do IdEA, destacou a simpatia, a paciência e a disponibilidade do cineasta em todos os debates. “Acho que a residência foi muito feliz nos dois objetivos básicos que esperávamos: primeiro, a qualidade da intervenção artística, com a mostra inédita de 19 filmes, que nos permitiu uma nova percepção do conjunto de sua produção; segundo, a discussão crítica levada a cabo em torno de aspectos técnicos da produção cinematográfica brasileira e internacional em aulas que reuniram estudantes, funcionários e professores de várias áreas.”
O curso “O Cinema e a Criação de Ugo Giorgetti” foi filmado pela TV Unicamp e em breve estará disponível nas redes sociais e canais de comunicação do Instituto de Estudos Avançados. Além disso, os filmes de Giorgetti estão sendo exibidos na programação da TV Unicamp no canal 10 da NET Campinas.