Ora pelo excesso, ora pela escassez, a água é peça chave na vida das grandes metrópoles. Entendida muitas vezes como recurso natural a ser explorado ou preservado e reconhecida como direito humano fundamental pela Organização das Nações Unidas (ONU), a gestão das águas foi tema do Colóquio Internacional Crise Mundial das Águas Urbanas e Cidades Resilientes, realizado entre os dias 21 e 22 de novembro, no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O evento foi organizado pelo Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (Nepo), em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
“As águas urbanas são um problema prioritário hoje na agenda pública. Cidades como São Paulo, Cidade do México e algumas cidades da Europa começam a ter sérios problemas de falta abastecimento e de excesso de água. Acreditamos ser importante trazer essa discussão para os espaços acadêmicos”, pontuou Miguel Hernandez, um dos idealizadores do Colóquio, que desenvolve pesquisa de pós-doutorado no Nepo.
De acordo com Hernandez, um dos principais objetivos do evento foi juntar os pesquisadores de diversas áreas envolvidos com o assunto e ampliar o entendimento do tema a partir da pluralidade de olhares. “Conseguimos envolver pessoas fundamentais na história da gestão da água no Brasil como Francisco Lahóz. Também Ricardo Toledo Silva, que trabalha atualmente no Governo do Estado de São Paulo e esteve envolvido em muitas decisões importantes na última crise hídrica, entre 2013 e 2015. Além da participação de pessoas mais envolvidas em questões de riscos e da construção social dos riscos”, relatou. Segundo ele, a próxima etapa será aproximar também os atores da sociedade civil organizada. “É importante considerarmos esses olhares para ter uma nova perspectiva e encaminhar os esforços de soluções numa perspectiva mais integradora, considerando conhecimentos técnicos, tanto quanto conhecimentos do âmbito social e de comunicação”.
Na mesa de abertura, ao lado de Norma Felicidade Valencio (UFSCar), Roberto Luiz do Carmo (IFCH) e Ana Paula Fracalanza (USP), Hernandez falou sobre a crise hídrica na Cidade do México, traçando paralelos com a capital paulista. Fracalanza, por sua vez, abordou os conflitos na gestão da água na região metropolitana de São Paulo.
Norma Valencio, pelo prisma da sociologia dos desastres, ressaltou a importância da distinção entre as categorias de “evento”, “emergência” e “desastre”, bem como as estruturas de poder, atores e tempos envolvidos em cada uma delas. Segundo ela, enquanto os eventos são fenômenos físicos, oriundos da natureza ou tecnologia, e tem um recorte temporal restrito; a emergência tem caráter institucional e é caracterizada pelo tempo de tomada de providências do Estado. Os desastres, por sua vez, estão relacionados ao sofrimento social consequente e é estendido no tempo e no espaço. “Quem tem competência para falar dos eventos são geólogos, climatólogos, engenheiros. Os desastres estão no campo de estudos das ciências sociais”, explicou.
Norma destacou ainda a complexidade das relações envolvidas em situações extremas, ressaltando a ordem autoritária e militarizada construída na relação com as vítimas. Apontou também evidências do mal uso dos mecanismos legais dos estados de emergência. “Quando a excepcionalidade se repete muito, não é mais exceção. 30% dos municípios brasileiros sofrem perturbação na ordem democrática mais de uma vez ao ano”, destacou.