O dia 26 de novembro de 2018 registrou um feito histórico na história da exploração planetária, com o pouso da Missão InSight da NASA em Marte. A jornada da InSight começou no dia 05 de maio deste ano e, após quase sete meses de viagem interplanetária e 458 milhões de quilômetros percorridos, ela pousou com êxito um pouco antes das 18 hs (horário de Brasília). O evento teve transmissão direta pela NASA e tive a oportunidade de assisti-lo em companhia de pesquisadores do JPL/NASA e do CalTech (CaliforniaInstituteof Technology) no Auditório Beckman, localizado no campus desta universidade na cidade de Pasadena, Califórnia. Estavam presentes no auditóriovários pesquisadores que participaram diretamente do desenvolvimento da InSight. Osdemais membros da equipe da NASA acompanhavam a partir do centro de operações da missão, localizado no JPL, a poucos quilômetros do CalTech. O evento foi transmitido pela internet para o público em geral.
A missão tem objetivo bastante ambicioso, de investigar o interior profundo Planeta Vermelho e sua estrutura (crosta, manto e núcleo). Trata-seda primeira vez que uma investigação dessa natureza é feita em outro planeta além da Terra e os resultados serão fundamentais para a compreensão dos processos de formação de corpos planetários rochosos.
Por meio da comparação do interior da Terra com o de Marte a ciência busca entender melhor o processo de formação de planetas rochosos. Essas informações serão de grande utilidade não apenas para a compreensão dos planetas desse tipo do nosso Sistema Solar (Terra, Marte, Vênus e Mercúrio), mas também no estudo futuro de exo-planetas (planetas de composição rochosaque vêm sendo descobertos em outros sistemas solares) semelhantes à Terra, auxiliando na identificação daqueles que têm condições de suportar vida.
A InSight carrega instrumentos de coleta de dados que começarão a operar na superfície de Marte dentro de algumas semanas. Um dos mais interessantes é um sismômetro ultra-sensível (denominado SEIS), que irá medir todo os tipos de vibração causadas por atividades internas (de natureza tectônica ou ígnea, por exemplo), atmosféricas (tempestades de poeira) e também externas (impactos de meteoritos), gerando informações inéditas sobre as propriedades da crosta, manto e núcleo de Marte. O SEIS será usado como um “estetoscópio”, para auscultar o “pulso de Marte”, por meio das ondas sísmicas que atravessam o interior do planeta e trazem informações sobre suas características. Desse modo, espera-se obter informações sobre a existência de água líquida no sub-solo de Marte, plumas relacionadas a processos vulcânicos, entre muitas outras.
Outro instrumento importante da missão é uma espécie de “termômetro” que irá medir o fluxo de calor gerado no interior profundo do planeta e que chega até sua superfície. Esse instrumento é o HP3, sigla em inglês para Sonda de Fluxo de Temperatura e Propriedades Físicas. Consta de uma sonda que irá penetrar cerca de 5 metros no sub-solo marciano (evitando assim interferências térmicas externas, decorrente do aquecimento pelo Sol) e medir o fluxo de energia térmica. Os cientistas pretendem analisar esse fluxo para obter informações sobre as possíveis fontes geradoras e para determinar se Marte se formou a partir da mesma matéria do que a Terra e a Lua, bem como ter uma ideia de como evoluiu esse planeta. Trata-se de um tipo de informação que servirá para analisar a formação e a evolução não somente de Marte, mas de todos os planetas rochosos do nosso Sistema Solar e, quiçá, também dosexo-planetas.
A expectativa de todos os cientistas participantes era enorme, principalmente em função do histórico de sucesso das missões anteriores enviadas à superfície de Marte. Devido às características gravitacionais, atmosféricas e da superfície do planeta, apenas cerca de 40% de todas as missões anteriores pousaram com sucesso e puderam operar seus instrumentos. As demais tiveram algum tipo de problema, principalmente nas fases mais críticas da missão, conhecida como EDL (do inglês para entrada, descida e pouso). Ao entrar na atmosfera o módulo contendo a sonda sofre uma intensa desaceleração. Em seguida, ao passar pela atmosfera, ele é submetido a temperaturas de mais de 1.000o C em função do atrito, com a sonda sendo protegida pelo escudo anti-térmico do módulo. Na sequência, ocorre a abertura do paraquedas, que reduz ainda mais a velocidade, seguida da separação entre o módulo e a sonda. Esta última segue então sua trajetória em direção à superfície, reduzindo ainda mais sua velocidade por meio de pequenos foguetes retro-propulsores, até pousar com uma velocidade super-reduzida de poucos km/h. E tudo isso acontece num intervalo de poucos minutos, quando muitos fatores podem levar ao insucesso da missão.
Foi por esse motivo que, ao receberem os primeiros sinais da sonda já pousada no local escolhido pela NASA (uma das regiões mais planas de Marta, denominada ElysiumPlanitia), a equipe da NASA no centro de operações, bem como os presentes no Auditório Beckman, irromperam em aplausos e muitos se abraçaram efusivamente. Um dos cientistas da missão presentes no CalTech, visivelmente emocionado, levou as mãos ao rosto para controlar as lágrimas!
Logo em seguida, surgiu a primeira imagem gerada por uma das câmaras da InSight. Devido à poeira levantada pela ação dos foguetes retro-propulsores no pouso, e que por ser extremamente fina demora bastante a se depositar, pouco pôde ser visto nessa imagem pioneira, mas o objetivo foi apenas o de comprovar que o pouso havia sido um sucesso e que a missão está agora operacional. Após a poeira baixar, o que pode demorar até alguns dias, serão abertos os painéis solares que passarão a gerar a energia necessária ao funcionamento da Insight e de todo os seus instrumentos. Em seguida, passa-se a uma longa fase de teste que demorará algumas semanas, seguida da colocação dos dois sensores, SEIS e HP3, pelo braço robótico que integra a InSight. Só então começarão a ser geradas as informações que certamente irão resultar em dados científicos inéditos e nos ensinar muito sobre o interior de Marte e de outros planetas rochosos.
Da minha parte, foi um privilégio poder acompanhar desse evento e compartilhar da emoção da equipe de cientistas que dedicaram muitos anos de suas carreiras científicas para o êxito de mais esta etapa no avanço das ciências planetárias.
* O autor é professor titular de Geologia da Unicamp e se encontra atuando como pesquisador visitante junto ao Jet PropulsionLaboratory, CalTech/NASA, em Pasadena, Califórnia, EUA.