Em vídeo enviado ontem, 31, Jefferson Picanço faz um balanço de sua estadia em Brumadinho.
Cheguei ontem aqui em Campinas. Voltar de uma missão deste tipo não é fácil. A gente volta num grau de pressa acima da pressa do cotidiano, faz as coisas com uma adrenalina que não usamos para as coisas do dia a dia. Por isso, muitas vezes, parecemos ora apáticos ora superativos. Esquecer o que se viu não é tarefa simples nem rápida.
Vi muita coisa que me emocionou, como a motivação - para nós heroica – dos bombeiros nestas situações. Ao mesmo tempo que eles nos contam com simplicidade as dificuldades de um resgate difícil, eles contam isso com uma rudeza que as vezes impressiona. Como um médico de pronto socorro contando seu cotidiano, aliás.
Existem muitos voluntários na área. São entidades surgidas de onde menos se espera. Alguns são clubes de motoqueiros, grupos de igrejas de diferentes denominações, outras são associações mais especificas. Vêm das imediações e de locais mais distantes. Eles são muito importantes e úteis nestas situações.
Entretanto, o caráter espontâneo e à margem da organização faz com que eles muitas vezes realizem ações que não surtam o efeito desejado. Vi às margens do córrego do Feijão um grupo distribuindo marmitas aleatoriamente para as pessoas. Alguns comeram, outros não, pois estavam trabalhando, e outros já tinham comido. No final, acabou sobrando marmita, o que foi uma pena.
Outra coisa que observei foi o que chamamos de “turismo de desastres”. As pessoas vêm de outros lugares, muitas vezes em vans e ônibus, simplesmente para ver o córrego inundado pela lama dos rejeitos. A Polícia Militar tem que intervir nestes casos, para evitar que alguém se machuque ou mesmo sofra um acidente nestes locais.
Não dá para culpar estas pessoas. A curiosidade é o que nos trouxe à civilização. E, por mais paradoxal que seja, as tragédias despertam em nós essa humanidade e esse pertencimento. Ajudar faz bem até para a saúde, como já mostraram muitas pesquisas cientificas.
Lá na região, agora, o trabalho continua. Os bombeiros devem seguir alinda muito tempo na procura dos corpos. Os legistas devem seguir trabalhando em sua identificação, cada vez mais difícil e dependente de técnicas mais sofisticadas. Mas seguir com a busca é preciso.
Também é preciso entender as causas e consequências deste desastre. Existem muitas perguntas que podem ser feitas. No caso ambiental, queremos saber os efeitos desta lama toda no meio ambiente. Em quinze minutos, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão despejou mais sedimentos na calha do rio que os diligentes trabalhos da natureza nos últimos quinze mil anos.
Qual sua toxicidade? Quais seus efeitos a curto e longo prazos para as pessoas e o meio ambiente? Sabemos que o rejeito de minério de ferro é um minério menos tóxico e reativo que um rejeito de ouro, por exemplo. Mas para entender de verdade é necessário ciência.
Como poderemos voltar a ocupar as áreas? Que atividades poderão ser desenvolvidas? Qual a capacitação das pessoas para estas atividades?
O rio Paraopeba está parcialmente barrado pelo material dos rejeitos. Este leque aluvionar, como chamamos em geologia, está jogando particulados finos para o rio, aumentando a turbidez das águas e prejudicando a vida aquática, assim como o abastecimento de água a jusante. Neste caso, a pluma de finos estará contida num trecho de pelo menos cinquenta a (tomara que não) cem quilômetros de distância. Diferente de Mariana, o volume do rejeito aqui foi bem menor.
Mas o que fazer com este material? Como reduzir sua presença nas águas do Paraopeba?
Existem também as demandas sociais, talvez mais importantes que estas de que falo. É necessário que antropólogos, cientistas sociais, psicólogos, assistentes sociais e muitos outros profissionais trabalhem com o luto desta população. E no entendimento mais profundo das causas humanas deste desastre.
Tudo isso demanda ciência. Passado o momento dos bombeiros, tão importantes neste momento de luto e dor, é hora da ciência entrar de verdade. Ainda não está certo, mas o CENACID, juntamente com as Entidades como o IBAMA, o ICMBIO e outras entidades de meio ambiente devem continuar realizando novas missões na área. Precisamos responder todas estas perguntas.
Precisamos fazer com que esta tragédia seja superada pelo Meio Ambiente e pela população afetada. E que novas tragédias deste tipo sejam evitadas e banidas de nosso cotidiano, por si só já tão difícil.
É para isso serve que a ciência de qualidade feita nas universidades públicas brasileiras.
*Jefferson Picanço é docente do Instituto de Geociências da Unicamp e integra uma missão que busca estudar as causas do rompimento da barragem em Brumadinho, fornecendo recomendações às autoridades que estão à frente das operações. Ele é membro do Centro de Apoio Científico em Desastres (CENACID), da Universidade Federal do Paraná. Uma equipe do Centro irá estudar o caso, em especial os mecanismos e consequências do fluxo da lama-rejeito.
Leia também:
2º Dia – “Uma enorme onda varreu tudo”