O docente do Instituto de Geociências da Unicamp, Jefferson Picanço, retornou às suas atividades na Universidade nessa sexta-feira, 1, após passar 4 dias numa missão em Brumadinho, MG, para estudar alguns aspectos do rompimento da barragem. O docente é membro do Centro de Apoio Científico em Desastres (CENACID), da Universidade Federal do Paraná, e esteve na cidade mineira para obter dados gerais do desastre e analisar o processo do fluxo da lama, suas características e seus efeitos destrutivos. A equipe foi a convite do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e da Casa Civil da Presidência da República.
O docente do IG havia passado por um treinamento do CENACID em novembro que ensinou como fazer uma visita técnica, discutindo aspectos de resposta de um desastre e de como articular uma equipe - desde conversar no radio de forma objetiva até analisar dados de um escorregamento, dando uma reposta rápida de como o evento está evoluindo. Isso ajudou na sua participação nessa missão. Jefferson Picanço publicou suas impressões no Diário de Brumadinho. Leia entrevista concedida ao Portal da Unicamp:
- Que dados foram coletados nos dois dias que passou em campo?
Nós fizemos observações in loco ao longo de toda a bacia do Córrego do Feijão, desde o rompimento da barragem até a foz dele no rio Paraopebas. Seguimos um pouco no próprio Paraopebas. Esse trabalho mais qualitativo nesse primeiro momento teve o objetivo de qualificar a magnitude do impacto. Houve um trecho em que a lama causou um alto impacto – ela arrebentou com as coisas, fazendo um grande estrago. No segundo momento, a lama teve um outro tipo de energia em que ela se espraiou, se dispersou. Fizemos um mapa, mostrando esses impactos ao longo da bacia do Córrego do Feijão e os fluxos que a corrente de lama seguiu. Essa corrente teve muita força e seguiu para o ambiente mais baixo – a lama segue fluxos preferenciais. Nós fizemos um mapa preliminar desses cursos e esperamos que esses dois mapas (da força e do fluxo) possam servir para os Bombeiros nos trabalhos de busca por helicóptero. Além disso, fizemos coleta de material da lama ao longo do trecho impactado. Pretendemos fazer análises químicas para saber a composição desse material e quais elementos serão disponibilizados para o meio-ambiente. Assim, podemos ter uma ideia de como a resposta do meio-ambiente vai funcionar a médio prazo. As amostras serão analisadas na Universidade Federal do Paraná, onde fica o Centro de Apoio Científico em Desastres.
- Que recomendações foram feitas pelo CENACID?
No relatório que está em fase elaboração, vamos apresentar esses dois mapas e vamos contribuir no sentido de controlar o fluxo de sedimentos na foz no Paraopebas. Devemos indicar algumas ações para que o pessoal que atua lá na área de engenharia faça projetos para operar ali, para diminuir a quantidade de sedimentos no rio. Tragar o trecho assoreado para liberar o fluxo do rio e realizar obras no Córrego do Feijão para minimizar a entrada de sedimentos no Paraopebas seriam boas opções.
- Foi possível identificar os mecanismos e as consequências do fluxo lama-rejeito?
Houve zonas muitos distintas de atuação do fluxo em termos de energia. A região mais próxima à barragem tem muita energia e um grande poder erosivo e destrutivo que levou todas as estruturas que havia ali - as pontes, as instalações, solo. Houve um momento em que o fluxo foi derivando e perdendo a força e começou a erodir um pouco menos. Ao chegar à foz, ele perdeu totalmente a força e ocorreu a deposição do material no Paraopebas. Há uma estrada que barrou o fluxo da lama e evitou que muito mais material chegasse ao rio.
- Há possibilidade de retornar à cidade mineira?
Há uma missão aberta para a semana que vem. Eu já me disponibilizei e estou aguardando a resposta do CENACID. Para participar desse tipo de ação, é preciso ter treinamento. O objetivo será o de continuar os trabalhos e aprofundar esses resultados preliminares que tivemos e continuar nossa conversa com os organismos que estão lá atuando de forma direta. O que fizemos foi em paralelo com o que os outros órgãos estão fazendo lá. O serviço geológico, por exemplo, está medindo a qualidade das águas, coletando amostras ao longo do rio. Nosso trabalho tem uma característica complementar ao que estão fazendo. Há diferenças entre órgãos públicos técnicos e a academia - cada um tem sua responsabilidade e sua maneira de atuar.
- Como a academia pode contribuir para que situações como a de Brumadinho não se repitam?
Temos muita gente capacitada para intervir mesmo em situações mais emergenciais, como foi o caso de Brumadinho. Acho que a chegada de um conhecimento um pouco mais especializado pode ajudar na tomada de decisões. A academia tem essa capacidade de conhecimento, mas está pecando ao não fazer essa participação de maneira mais assertiva. No caso do Instituo de Geociências da Unicamp, fazemos isso de forma fantástica. No ano passado, por exemplo, houve o treinamento da Defesa Civil de São Paulo, graças à intermediação entre a academia o órgão público. Podemos fazer então de forma que a sociedade enxergue isso. Numa situação aguda como a de Brumadinho há destaque, mas numa situação de menor potencial o trabalho da academia não é tão visível assim.
- Como o conhecimento científico pode minorar o sofrimento num evento desse porte?
À medida que podemos sugerir coisas a partir do conhecimento dos fenômenos naturais e sociais, temos condições de alertar as autoridades no sentido de atuar na mitigação desses problemas, minorando o sofrimento da população que está em processo de luto agudíssimo. A governança da Defesa Civil e demais órgãos públicos nessas situações é fantástico, mas sempre pode melhorar.
- Que lições tirou dessa experiência?
Há condições de colaborar, podemos colaborar. Precisamos ser mais assertivos para falar para o governo e para a sociedade. Podemos e devemos atuar nessas situações. É óbvio que a ciência tem que ajudar a sociedade. Quando chegamos, falamos e alguém escuta, a situação muda. Mas até chegar e ser ouvido, demora um pouco. Essa relação não é simples, não é fácil, não é direta. No caso de Brumadinho, como fomos a convite do GSI, não tivemos problemas. Inicialmente as pessoas ficaram desconfiadas, mas à medida que começamos a interagir, isso foi se tornando mais tranquilo e conseguimos ter um diálogo muito bom.
- Há algo mais que deseja mencionar?
A tragédia é algo tão brutal que paradoxalmente nos humaniza. As pessoas procuram fazer o que elas têm de melhor. Eu senti isso de maneira muito positiva. As pessoas se tornam mais solidárias, como jamais seriam. As pessoas querem salvar vidas, querem fazer diferença. Paradoxalmente, a tragédia nos ensina. Infelizmente!
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