Nhãã ngūnēiwa rü wüi nguenēi mēētchi'i nīī nãca' nhure i mãiyugü numa ngugü nãwa ya da'a ngu'epatãü ya UNICAMP, erü nüü ta ya ngaugü i nhãã nhu'gü i mūū i ngunēigu nãgu rü īnüēi, yiema wüitchigü rü ye'eracü taya ngegüta rü nhū'matchi nhū'mã rü nã'ca ta ya wanã i nhãã o,ã rü nãtchica nã'ca e tamücügü i tawe'ama nē īī rü nhēmãcü yii. Nhūmãütchi tama nã wü'cu i 60 rü e'na 70 mãiyugü i Amazonaswa nē īī rü nhūmatchi toomatchigü i nãtchicawa i tagucü'agü arü.
O texto acima, escrito na língua Tikuna, é um trecho da declaração feita nesta quarta-feira (20) ao Portal da Unicamp por Osias Tikuna, sobre a recepção aos calouros aprovados no primeiro vestibular indígena da Unicamp, realizado em dezembro do ano passado. Traduzido pelo próprio Osias, o texto diz: "Este dia é um dia maravilhoso e de realização para todo os indígenas que chegaram aqui a UNICAMP e realizaram a sua matricula, pois estamos aqui por um objetivo, o objetivo que na maioria das vezes tão pensado ou sonhado pelos nossos pais. No entanto, hoje começa a nova etapa da nossa vida acadêmica e chegamos aqui abrir um caminho para os nossos amigos indígenas que estão vindo atrás de nós tentando entrar na universidade. Então , hoje pela manhã se matricularam 60 ou 70 alunos indígenas que vieram do interior do estado do Amazonas e demais aldeias ou comunidades de vários estados. Portanto, neste momento, a Universidade Estadual de Campinas está com uma nova característica no sentido de ter diversidades raciais e étnicas."
Os novos estudantes representam 23 etnias diferentes. No mutirão de recepção realizado nesta quarta-feira (20), os indígenas efetuaram suas matrículas e deram entrada na documentação para concessão de auxílios para moradia, transporte e alimentação. As tintas do jenipapo e do urucum se misturaram às cores dos veteranos, que esperavam para marcar os calouros com as siglas dos novos cursos. Nos rituais misturados, entrelaçaram-se sorrisos e lágrimas, reconhecimentos, esperanças e a certeza de ser parte de um momento histórico. “Esse momento é uma conquista para todos. É muito importante. É resultado de uma luta de muitos, aqui e em todas as regiões do Brasil. Estar aqui é um sonho realizado”, afirmou Daniela Patrícia Villegas Barbosa, da etnia Tukano, que veio de São Gabriel da Cachoeira, para cursar Estudos Literários.
O reitor Marcelo Knobel, na cerimônia de boas-vindas ao lado da coordenadora gral da Unicamp, Teresa Atvars, e da pró-reitora de graduação Eliana Amaral, pediu que cada ingressante se apresentasse e se emocionou com a diversidade de etnias e trajetórias presentes no auditório do Ciclo Básico. “Todos aqui sabem que estão vivendo um momento histórico. São poucos os dias na nossa vida que têm um significado com esse peso. É um dia que todos aqui vão lembrar para sempre”, afirmou Knobel.
Para ele, a celebração marcou o início de uma jornada de novos desafios e conquistas para os povos indígenas e para a Universidade. “Vocês são os pioneiros. São vocês que abrirão os caminhos para os próximos. Precisamos construir esse caminho de maneira harmônica e trazer cada vez mais indígenas para a Universidade, com todo esse conhecimento e essa diversidade. São caminhos importantes para que a gente consiga absorver o conhecimento que vocês trazem e também levar para as aldeias de vocês o conhecimento que vieram buscar aqui”, ressaltou.
A valorização do conhecimento tradicional trazido pelos novos estudantes foi destacado também por Marinaldo Almeida Costa, ou Naldo Tukano, como é conhecido. “A carga que eu trouxe na minha bolsa é de sabedoria. Todo o conceito de família, aprendizagem e estudo está dentro dela. É a epistemologia indígena que será passada para vocês. Eu não vim só aprender aqui. Vim também ensinar vocês o que é ser indígena”, afirmou frente ao auditório lotado.
A esperança de poder voltar para suas regiões e ajudar a melhorar a qualidade de vida do seu povo foi, também, comum na fala dos ingressantes. “Minha cidade necessita de muita coisa. Eu quero voltar para ajudar. Quero também explorar as plantas medicinais que temos por lá, sentar com os mais velhos, conversar com eles, aprender e, quem sabe, produzir medicamentos para o nosso próprio povo”, contou Jussimara Cordeiro, de etnia Piratapuia, que cursará Ciências Farmacêuticas.
Distâncias difíceis
São Gabriel da Cachoeira, município do Estado do Amazonas de onde vêm a maior parte dos estudantes, fica a três dias de barco de Manaus e a mais de 3.000 quilômetros de Campinas. Muitos dos indígenas que chegaram à Unicamp nunca haviam saído de suas aldeias. Alguns trouxeram a família à tira colo, como é o caso de Arlindo Alemão Gregório, de nome indígena Curumim, que veio cursar Engenharia Elétrica. O acompanham na aventura a esposa Niceias Angélica Maues e os filhos Cauã e Cauê. O mais velho já conseguiu matricula no 8º ano do Ensino Médio. O mais novo ficará mais esse semestre com a mãe e tentará, no próximo, uma vaga na Divisão de Educação Infantil e Complementar, que recebe os filhos de estudantes, funcionários e professores da Unicamp.
“Foi um susto”, contou Niceias, quando soube que o marido havia passado no Vestibular. “Quando ele falou que iríamos para outro Estado, nem sabíamos direito aonde seria. Quando ele falou que seria para Campinas, em São Paulo, fiquei um pouco assustada. Sabia que seria uma mudança radical. Mas falei para ele, vamos em frente. Não temos nada a perder aqui”, relatou.
Para Quirino Lucas, da etnia Ticuna, o desafio é diferente. Deixou a filhinha de quatro anos município de Benjamin Constant, na tríplice fronteira de Peru, Colômbia e Brasil. “É muito complicado, é duro. Tenho que equilibrar as coisas aqui, moradia, bolsa, para ela poder vir ano que vem”, afirmou.
Pertencimento à luta
Às tristezas, o escritor e professor doutor, Daniel Munduruku respondeu com um chamado de responsabilidade. “Vocês estão aqui como fruto de uma caminhada que vem sendo feita há muito tempo pelos nossos parentes, pelos nossos ancestrais, pelos nossos antepassados. Vocês estão aqui porque são seres do presente, do agora. Vocês não tem o direito de desistir. Esse direito não os pertence. Vocês estão aqui para honrar a jornada e para fazer que a coisa siga adiante”, afirmou.
Munduruku lembrou os estudantes que os desafios estão apenas começando e que seu objetivo deve ser terminar o curso. “O que vocês estão iniciando é também para que outros tantos parentes possam refletir em vocês o desejo deles e possam dar um passo adiante. Possam perceber que é possível. É possível ser um brasileiro pleno, um cidadão pleno, sem deixar de ser quem somos. Nós podemos fazer da sociedade brasileira uma sociedade múltipla, uma sociedade diversa, uma sociedade efetivamente democrática porque nós fazemos parte dela e nós não vamos deixar que o Brasil esqueça disso”, concluiu.
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