Promover um balanço da produção brasileira de estudos sobre história da África é o objeto do seminário que vai de 13 a 15 março no auditório “Fausto Castilho” do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O evento “África, Margens e Oceanos: Perspectivas de História Social”, organizado pelos professores Lucilene Reginaldo (IFCH) e Roquinaldo Ferreira (Universidade da Pensilvânia) e promovido pelo Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult), traz historiadores de várias universidades do país e também dos Estados Unidos, Angola e Portugal.
“A produção sobre a história da África ganhou força recentemente, a partir de 2003, com a lei [10.639] que tornou obrigatório o ensino de cultura da África e de cultura afro-brasileira em escolas de nível fundamental e médio, o que acabou afetando também as universidades”, afirma a professora Lucilene Reginaldo. “Com a lei, a história da África entrou como disciplina, muitas vezes optativa, mas passando a ser obrigatória nos cursos de graduação em história e dando uma alavancada impressionante na pesquisa desde então.”
A docente da Unicamp observa que a Lei 10.639/03 se embasa em uma posição política do governo brasileiro, naquele momento, de reconhecer as reivindicações do movimento negro e as origens africanas desta parcela importante da população. “Ao mesmo tempo, foi um movimento de aproximação com o continente africano, o que significou, por exemplo, o financiamento de pesquisas, algo fundamental para alavancá-las. É um movimento muito interessante, pois hoje, em 2019, podemos dizer que a produção brasileira já ocupa uma posição importante no cenário da produção internacional. Trabalhos feitos no Brasil ou por pesquisadores brasileiros no exterior têm oferecido uma contribuição singular para a história da África.”
Segundo Lucilene, os historiadores brasileiros sempre se concentraram, mesmo antes de 2003, em duas regiões da África que têm conexões com o Brasil: a costa ocidental, principalmente no golfo do Benim (que hoje corresponde à Nigéria), e de Angola e Congo – estados que se tornaram importantes para a configuração do tráfico de escravos. “Os pesquisadores continuam interessados nessas duas regiões, mas a partir de 2003 o interesse se amplia para além das conexões com o Brasil, havendo agora estudiosos como do Sudão e da África do Sul. É um esforço de se voltar para a África, a fim de entender melhor a própria dinâmica da escravidão no Brasil, tanto que muitos pesquisadores migraram para aquele continente.”
Em relação ao futuro das pesquisas conduzidas por historiadores da África, a professora do IFCH vê com apreensão os ataques dirigidos às ciências humanas neste novo governo, com jargões como da “esquerdização da academia”. “A história é particularmente atacada por esses grupos: há um interesse muito grande em estabelecer diretrizes para a sociedade a partir de novas interpretações da história, de que a interpretação dos nossos historiadores não é verdadeira. E a história da África é atacada ainda mais, acho que por duas razões: primeiro, porque ela tem vínculos com os debates sobre ações afirmativas reivindicadas pelo movimento negro, como a presença na universidade e no cenário político; a outra está no rompimento ou desqualificação das relações Sul-Sul, com o governo privilegiando os diálogos com os países do norte e não com os nossos parceiros latino-americanos ou africanos.
Espaço privilegiado
O professor Roquinaldo Ferreira, que ajudou a pensar a programação do seminário no IFCH, conta que suas pesquisas na Universidade da Pensilvânia dizem respeito, sobretudo, às relações da África Central (Angola e Congo) com o chamado Mundo Atlântico. “As pesquisas entram muito nas relações com o Brasil e, mais recentemente, nas relações com Cuba. Cronologicamente, elas abordam o período que vai do fim do século 17 até o século 19, com foco na questão do tráfico ou nos contatos que derivam da conjuntura mais ampla deste tráfico de escravos. A Unicamp, com sua proeminência e um Departamento de Histórica que traz um histórico de produção na área, se constitui em espaço privilegiado para organizar um evento como este.”
Fernando Teixeira da Silva, diretor do Cecult, disse que o seminário “África, Margens e Oceanos: Perspectivas de História Social”, seguindo uma tradição, terá seus resultados publicados na coleção “Várias Histórias” (Editora da Unicamp), organizada pelo professor Rodrigo Camargo de Godoi. Na quinta-feira (14) serão comemorados os 20 anos da coleção, com o lançamento do 46º livro: “Médicas-sacerdotisas: religiosidades ancestrais e contestação ao sul de Moçambique (c. 1927-1988)”, de Jacimara Souza Santana.
Mais informações e programação:
O seminário teve financiamento da Capes e da Fapesp.