Realidade virtual, robótica e neurorreabilitação; interface cérebro-computador; processamento de imagens e sinais para auxilio no diagnóstico e no tratamento de doenças cerebrais debilitantes são alguns dos temas que serão abordados esta semana na Unicamp, durante o 6º Congresso BRAINN. Promovido pelo Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN, na sigla em inglês), que é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o evento teve sua abertura oficial nesta segunda-feira (1) e acontece até quarta-feira (3), no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
“Este evento foi concebido para dar oportunidade aos pesquisadores, principalmente aos alunos de pós-graduação e pós-doutorandos, de apresentarem seus trabalhos e, ao mesmo tempo, trazer convidados estrangeiros, que vem com diferentes perspectivas, novidades e possibilidades de colaboração”, afirmou Fernando Cendes, docente da FCM e pesquisador responsável pelo BRAINN.
Na mesa de abertura, o reitor Marcelo Knobel destacou a multidisciplinariedade característica do centro, que congrega pesquisas nas áreas de genética, neurobiologia, farmacologia, neuroimagem, ciência da computação, robótica, física e engenharia, como aspecto fundamental para a expansão do conhecimento e os rápidos avanços que têm sido alcançados pelo grupo. Estiveram presentes também o pró-reitor de pesquisa, Munir Skaf; o diretor da FCM, Luiz Carlos Zeferino; e o coordenador de educação e difusão do conhecimento do BRAINN e docente da FCM, Li Li Min.
Fernando Cendes destacou, ainda, o crescimento de participantes externos aos BRAINN nesta edição do Congresso, que contará com apresentação de trabalhos de pesquisadores de diversos centros brasileiros. “Isso gera uma atmosfera bem salutar e interessante, em que os alunos podem trocar ideias, iniciar novas colaborações e encontrar, eventualmente, novas oportunidades para continuar seus trabalhos”, pontuou.
O Instituto, que completou cinco anos, passa para sua segunda fase de existência como Cepid, tendo seu financiamento aprovado para os próximos seis anos, conforme destacou Gabriela Castellano, docente do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) e organizadora do evento.
Medicina de Precisão
Como parte da programação preliminar do Congresso, a Unicamp sediou, no sábado (30), o VII Workshop da Iniciativa Brasileira de Medicina de Precisão (BIPMed, na sigla em inglês). De acordo com Iscia Lopes Cendes, diretora do BIPMed, a iniciativa, que começou em 2015, tem como objetivo facilitar a implantação da medicina genômica e da medicina de precisão no Brasil.
Segundo a diretora, o principal avanço anunciado no workshop foi a publicação da portaria do Ministério da Saúde, que incorpora, pela primeira vez, um teste genômico como parte dos exames cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Exoma. “Essa portaria aconteceu porque foi apresentado um trabalho de custo-efetividade mostrando que vale a pena incluir esse teste na investigação de pacientes com deficiência intelectual. Esse estudo foi feito por uma aluna minha de doutorado, Joana Prota, que foi a Brasília, escreveu toda a recomendação técnica baseada nos resultados e finalmente convenceu que seria importante a incorporação desse teste”, relatou Iscia Cendes.
De acordo com ela, a deficiência intelectual não é uma coisa rara em crianças e, muitas vezes, vem associada à epilepsia. A realização do exame proporcionará confirmação diagnóstica e esclarecimento para os profissionais da saúde envolvidos no cuidado dessas crianças. “É a demonstração de que o investimento em pesquisa pode retornar, às vezes até rapidamente, para o público em geral, em termos de definição de novas políticas públicas”, afirmou a diretora do BIPMed.
Robótica
Utilizar a tecnologia para melhorar a qualidade de vida das pessoas é o objetivo do Grupo de Engenharia Neural e Cognitiva, que integra o Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha, coordenado por Eduardo Rocon, responsável pela primeira palestra do Congresso. “No grupo, somos todos Engenheiros, físicos ou informáticos, mas todos os nossos projetos são com hospitais. São os médicos clínicos que entender melhor os problemas envolvidos nas patologias que queremos trabalhar”, contou.
De acordo com Rocon, a tecnologia tem muito a contribuir com soluções para diminuir as limitações causadas por algumas doenças. “A medicina química ajudou a prolongar o tempo de vida das pessoas. Muitos viverem hoje 80, 90 anos. Só que, nesses últimos anos da nossa vida, nós temos uma série de limitações, devido a algumas síndromes que, não matam, mas impedem uma vida independente. A tecnologia, com avanço dos algoritmos de inteligência artificial e dos processadores, que permitem fazer coisas muito mais complexas em aparelhos muito menores, cada vez mais, pode propor soluções para ajudar a melhorar a vida dessas pessoas”, afirmou Rocon.
Uma das linhas de pesquisa desenvolvidas pelo grupo procurou compreender o tremor dos membros superiores, presente em pacientes com Parkinson e outras patologias que atingem o cérebro. Na primeira fase do estudo, o grupo procurou distinguir tremor e movimentos voluntários. Assim, produziu-se um exoesqueleto que aplicava forças no membro superior para cancelar o tremor. “Era um robô que tinha uma série de motores e conseguia controlar a flexo-extensão do pulso, a prono-supinação do antebraço e a flexão extensão do cotovelo”, explicou.
Apesar de bem sucedido, o exoesqueleto não atendia as necessidades da vida cotidiana dos pacientes, que não pretendiam “levar um robô no braço para ir a um restaurante, por exemplo”, relatou o pesquisador.
Mas, segundo Rodon, o conhecimento gerado permitiu a continuidade da pesquisae o desenvolvimento de uma espécie de luva, que utilizava os próprios músculos humanos para cancelar o tremor. “Era o mesmo conceito: medir, separar o tremor em tempo real e estimular os músculos para cancelar esse tremor”, explicou.
Na fase seguinte da pesquisa, o grupo buscou uma solução que pudesse ser implantada dentro do corpo e conseguisse cancelar o tremor através da estimulação de áreas referentes do cérebro. “Passamos de uma solução que não era aceitável pelos usuários, a soluções muito mais aceitáveis e comercializáveis, que as pessoas podem usar no dia a dia”, afirmou Rocon.
A pesquisa foi agora transferida para uma empresa norte-americana, que possui os recursos necessários para desenvolvimento do produto. De acordo com Rocon, a perspectiva é que em 5 ou 10 anos o produto chegue ao mercado. “Atualmente, eles estão fazendo a validação clínica nos Estados Unidos. A ideia é que chegue ao mercado uma solução totalmente implantável debaixo da pele”, relatou.