Desde 1º de janeiro, passados 70 anos da morte do autor, a obra de Monteiro Lobato caiu em domínio público. Para o Centro de Documentação Alexandre Eulalio (Cedae), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, que abriga o maior acervo existente sobre Monteiro Lobato, a notícia trouxe ao mesmo tempo alegria e preocupação. Por um lado, o domínio público facilitará tramites para consulta e utilização de materiais do acervo, que anteriormente envolviam os herdeiros de Lobato. Mas por outro, o Centro se organiza para responder a demandas inusitadas, como de disponibilização do acervo na internet. É o que explicou Roberta de Moura Botelho, diretora técnica do Cedae, ao Portal da Unicamp.
“É um marco muito importante para um artista ter sua obra em domínio público. Ela poderá ser divulgada no mundo todo, por diferentes editoras, sem pagamento de direitos autorias. Há um barateamento no custo, que torna a obra mais acessível”, explicou. Mas, segundo ela, é importante distinguir obra e acervo. “O que está em domínio público é a obra de Monteiro Lobato, não o acervo do Ceade. O acervo é composto por coisas que são de autoria dele e coisas que não são”, pontuou.
Doado em 2002, pela família do autor, o fundo de Monteiro Lobato, que constitui o acervo, é composto por manuscritos, datiloscritos, impressos, fotografias, desenhos e aquarelas, além de alguns objetos de uso pessoal. “Arquivisticamente, o fundo da pessoa é tudo que ela produziu ou acumulou ao longo de sua vida", explicou Roberta. Entre os itens que compõem o acervo disponível no Cedae, há, por exemplo, cartas e fotos de autorias diversas e que, portanto, não estão em domínio público.
Conforme explicou Roberta, até o ano passado, toda utilização do material era formalmente comunicada à família, sendo sua reprodução permitida apenas para uso estritamente acadêmico. A publicação da obra, por sua vez, era concedida a uma única editora, e os direitos autorais devidamente cobrados.
De acordo com a diretora, Monteiro Lobato é um dos acervos mais consultados do Ceade, ficando atrás apenas de Hilda Hislt e Flavio de Carvalho. “É esperado, agora, um volume ainda maior de pesquisa, pois a publicação de obras ou trechos da obra poderão ser feitas sem autorização”, contou.
Além da obra literária, Roberta chamou atenção para a riqueza das aquarelas e desenhos que compõem o acervo. “Na verdade, Monteiro Lobato conta, em uma entrevista, que gostaria de ter sido artista plástico. Mas como não era bem visto na época e sua família também não gostou muito da ideia, ele investira mais no lado do escritor. Mas ele nunca deixou de desenhar e pintar”, contou. Estão disponíveis no Cedae, 165 desenhos e aquarelas que mostram essa face pouco explorada do artista.
O acervo de Monteiro Lobato, assim como toda documentação do Cedae, pode ser consultada gratuitamente. O que pode ser restringida é a reprodução de alguns itens ou aquisição de material produzido pelo Cedae, como as digitalizações em alta resolução. A digitalização realizada pelo Cedae possui algumas especificidades, que a tornam mais demorada e custosa do que uma digitalização comum. "É uma digitalização arquivística", explicou Roberta, isso é, cumpre determinações para que o documento não perca sua integridade e possa ser considerado um “substituto digital” do documento original.
De acordo com ela, a digitalização arquivística dá atenção não apenas ao conteúdo, mas também a forma e estado de conservação do material. Assim, por exemplo, uma página deve manter, além do texto, a coloração, as imperfeições e a distribuição do original. Esses cuidados visam tornar a versão digital o mais próximo possível do original, podendo ser utilizada para pesquisa, de forma a preservar o documento do desgaste da consulta. “É uma forma de preservar o acervo, mas é um trabalho de formiguinha que despende tempo e dinheiro da Universidade”, relatou.
Segundo ela, a realização desse trabalho pelo Centro é viabilizada por uma parceria com Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), que oferece bolsas aos alunos que tenham interesse em participar do projeto, e ao apoio financeiro da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Paulo (Fapesp), que possibilitou a compra dos equipamentos necessários. Sob orientação de um pesquisador, os estudantes aprendem cada passo do processo de conservação. “O fundo Monteiro Lobato é nosso piloto. É o único que já foi totalmente organizado, conservado, condicionado e colocado na área de guarda. Ele também já está totalmente acessível na base de dados e quase que integralmente digitalizado”, contou Roberta.