Por que a escola? A pergunta ainda atormenta e norteia os debates de educadores. Após um mês do massacre que vitimou alunos, funcionários e gestores da escola Raul Brasil, em Suzano, professores da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp promoveram um evento aberto para discutir juventude, escola e violência.
Em dois turnos, tarde e noite, pesquisadores da área apresentaram dados, reflexões e questões sobre o significado da escola para os jovens brasileiros, sobretudo aqueles que utilizam o ensino público. Além disso, promoveram um debate sobre civilidade, solidariedade, perspectivas de vida e disciplina.
Telma Vinha, professora da FE, abriu a primeira mesa-redonda com considerações sobre a falta ou ineficiência de políticas para uma boa convivência nas escolas. Ela destacou que muitas escolas não são o que deveriam ser: um espaço de acolhimento e educação de jovens, hoje bombardeados por uma série de dificuldades.
Muitas vezes, ressaltou, a escola é a única instituição pública que esses jovens frequentam e encontram condições muito precárias que estimulam o clima negativo como banheiros quebrados, salas muito quentes, falta de espaços de convivência e expressão. Os professores não receberam formação para lidar com conflitos e as regras impostas não tem muito significado para os estudantes. O processo de ensino e aprendizagem é mecanicista e desconectado com a realidade do aluno, considerou a palestrante.
A este modelo de escola soma-se a mais recente "ruptura do pacto civilizatório" na sociedade brasileira, com a legitimação do uso da violência para a resolução de conflitos. Telma Vinha refletiu ainda sobre o clamor de determinada ala da sociedade pela militarização das escolas. Disse que a polícia é necessária para a proteção das pessoas em zonas mais vulneráveis, mas não disciplina alunos.
“Temos que atuar em busca de um significado positivo para a escola. A escola tem que ser mais receptiva, agregadora e conectada com a realidade. Ela pode sim ser um espaço privilegiado de convivência positiva onde jovens vão aprender o diálogo e valores socialmente importantes”, afirmou. Diferenciar conflitos, não terceirizar os problemas, lidar com a incivilidade são papeis da escola, dos educadores e não dos pais ou da polícia, conforme frisou a docente.
Vítimas e suspeitos
A socióloga Helena Abramo também participou da mesa-redonda e se aprofundou em questões da juventude para além do ambiente escolar. Ela salientou que os jovens hoje, sobretudo negros e pobres, são as principais vítimas de homicídios e acidentes. “Eles têm uma experiência de vida atravessada por diversos níveis de violência”. Ao mesmo tempo são os principais suspeitos.
Ela reiterou que a escola é um dos poucos espaços de relação com o estado que o jovem conhece. “A juventude brasileira ainda não se tornou sujeito das políticas públicas”, afirmou. A socióloga chamou a atenção para o problema do sofrimento mental, da depressão e para os dados sobre suicídio dessa população.
Outra questão salientada foi o aumento do isolamento dos jovens que passam muio mais tempo no ambiente virtual que o recomendado. De todo modo, Helena destacou que as soluções não estão sendo dadas e não só pela escola. “Não há possibilidade de resoluções locais para o problema da violência. A sociedade precisa ser capaz de pensar em soluções para além do controle dos jovens”.
Espaço público
O evento foi coordenado pela professora Nora Krawczyk, do Grupo de Pesquisa em Política Educacional, Educação e Sociedade (GPPES) da FE. Para a docente a juventude brasileira, como toda a sociedade, está inserida em um processo de muita competição e incertezas. “A violência está sendo colocada como uma bandeira de honra. Uma pessoa de bem passa a ser uma pessoa violenta que não busca a solidariedade e o diálogo”.
A escola pública tem problemas, mas, de acordo com a pesquisadora, do ponto de vista institucional, o sistema de ensino foi democratizado há um tempo consideravelmente pequeno se comparado a outros países. “A escola pública, antes dos anos de 1980, era acessível apenas para uma elite. Começou a se democratizar na década de 1980 e não podemos nos comparar com países que democratizaram o ensino a muito mais tempo. O que foi feito de lá para cá foi enorme. Temos o ensino fundamental universalizado e quase 70% de jovens dentro da escola. A evasão e a repetência diminuíram”, pontuou.
Nora Krawczyk afirma que a escola pública está ameaçada por um mercado da educação que se beneficia com sua fragilidade e está ameaçada também como espaço público. “O que está sendo atacado atualmente é o espeço público que está a serviço do conjunto da sociedade. Ninguém pode proibir alguém de frequentá-lo seja uma praça ou uma escola”.