A próxima grande empreitada da NASA para aprofundar o conhecimento sobre o Planeta Vermelho está em fase final: a Missão Mars 2020, que tive o privilégio de acompanhar durante minha estadia como pesquisador visitante no Jet Propulsion Laboratory.
Para melhor compreender a importância da missão Mars 2020, é fundamental fazer um breve resumo das missões anteriores da Agência a Marte. Elas tinham por objetivo iniciar a exploração robótica (como alternativa menos custosa ao envio de missões tripuladas por astronautas) e avançar o conhecimento das características geológicas e geoquímicas daquele planeta. O pequeno Sojourner foi o primeiro jipe robô em Marte e operou por alguns meses em 1997 como parte da missão Mars Pathfinder. A missão seguinte, Mars Exploration Rover, levou os robôs gêmeos, Spirit e Opportunity, a explorar diferentes regiões do planeta, em busca de informações mais detalhadas sobre a geologia e a geoquímica. Esta missão foi assunto do artigo anterior.
Na sequência, a missão Mars Science Laboratory levou a Marte em agosto de 2012 outro jipe robô, o Curiosity, de porte maior do que seus antecessores. Ele continua ativo e, até hoje, já percorreu mais de 20 quilômetros, coletando grande quantidade de informações que estão revolucionando o conhecimento sobre aquele planeta. O Curiosity conta com vários instrumentos analíticos a bordo, que permitem determinar as composições mineralógica e química de maneira bem mais avançadas do que o Spirit e o Opportunity. Conta também com equipamento de sondagem que extrai amostras e analisa a composição interna das rochas e não apenas de sua superfície. O principal objetivo é buscar evidências de ambientes habitáveis que possam ter existido no passado de Marte.
Os excelentes resultados já obtidos por essas missões levaram a agência espacial norte-americana ao desenvolvimento da missão Mars 2020, cuja estrela principal será um novo jipe robô. A espaçonave que levará esse jipe a Marte encontra-se em estágio avançado de montagem, como pude registrar ao visitar o Laboratório de Montagem de Espaçonaves do JPL.
Nesse laboratório, em uma enorme sala limpa, à prova de impurezas ou contaminação, avança rapidamente a montagem do módulo principal da missão. Nas últimas semanas, alguns dos componentes de maiores dimensões foram integrados ao corpo principal, que já está tomando assim sua forma final. Começa agora a última etapa de testes, preparando-o para o lançamento previsto para julho de 2020.
O principal objetivo científico da Mars 2020 é buscar sinais da existência de vida microbiana. Essa vida pode ter existido no passado geológico, tendo provavelmente sido extinta pelas mudanças das condições físicas que ocorreram em Marte há bilhões de anos. Caso tenham existido, essas formas de vida devem ter deixado sinais nas camadas geológicas, principalmente em depósitos sedimentares formados em ambientes com água.
Como a água é essencial ao desenvolvimento da vida, a meta da Mars 2020 é “seguir os sinais de água” para então “buscar os sinais de vida”. As missões anteriores, tanto envolvendo sensores remotos como jipes robôs, mostraram muitas evidências da ação da água que, em momentos passados da história geológica, parece ter sido muito abundante naquele planeta. Os objetivos secundários da missão envolvem a caracterização do clima e o detalhamento da geologia de Marte, assim como a preparação para uma futura ida do homem à Marte (a NASA tem planos de enviar uma missão tripulada a Marte até 2040).
O conjunto de equipamentos instalados no jipe da Mars 2020 é composto pelos seguintes instrumentos: (i)câmera com visão panorâmica e estereoscópica (visão 3D); (ii)espectrômetro de imageamento para análise da composição mineralógica e química de minerais e também de compostos orgânicos; (iii)espectrômetro de fluorescência de raios-X para determinar a composição geoquímica dos materiais superficiais em grande detalhe; (iv) espectrômetro Raman operando em ultra-violeta para análise mineralógica e orgânica de precisão; (v) radar de penetração no solo (GPR) de alta resolução; (vi) conjunto de sensores climáticos para medir temperatura, direção e velocidade do vento, pressão atmosférica, umidade relativa do ar e tamanho/forma das partículas de poeira; (vii) equipamento experimental para produzir oxigênio a partir do gás carbônico presente na atmosfera de Marte.
O jipe robô da Mars 2020 é semelhante em dimensões e peso ao Curiosity. Além disso, ele também contará com um equipamento de sondagem operado por braço robótico com capacidade para retirar amostras cilíndricas de rocha com até 5 cm de comprimento. Essas amostras serão coletadas em 30 locais distintos ao longo do seu trajeto pela superfície de Marte e armazenadas em tubos metálicos. Esses tubos serão transportados pelo jipe e posteriormente depositados em um local pré-selecionado para serem recolhidos por uma futura missão e retornados à Terra para análises ainda mais detalhadas e complementares às que serão feitas pelos instrumentos do jipe.
O local para o pouso da Mars 2020 foi selecionado em novembro de 2018, após uma análise detalhada de várias alternativas. O ponto escolhido foi a Cratera Jezero, localizada na extremidade oeste da Planície Isidis, uma enorme bacia formada por impacto situada próxima ao equador de Marte. Jezero é uma cratera meteorítica com 45 quilômetros de diâmetro (um pouco maior do que o Domo de Araguainha, a maior cratera de impacto do Brasil e da América do Sul), tendo em seu interior um delta fluvial. Acredita-se que os sedimentos que formaram esse delta possam conter sinais de moléculas orgânicas, bem como outras evidências de vida microbiana. Esse delta será o alvo prioritário das coletas e análises a serem feitas pelo jipe da Mars 2020.
O número de cientistas e engenheiros do JPL envolvidos na preparação da Mars 2020 é bem grande, assim como os parceiros internacionais dessa missão que certamente definirá os futuros passos da exploração planetária. Por esse motivo, a expectativa é também muito elevada em relação às etapas que ainda faltam para finalizar os preparativos para o lançamento em meados do ano que vem.
Da minha parte, encerro a minha estada no JPL com muita satisfação em ter convivido com os colegas daqui, entre os quais mais de duas dezenas de brasileiros (alguns formados pela Unicamp), todos eles atuando na fronteira do conhecimento das ciências planetárias, e ter compartilhado momentos importantes dessa jornada em busca do conhecimento sobre o nosso planeta Terra e sobre o Universo em que ele se insere.
* O autor é professor titular de Geologia do Instituto de Geociências da Unicamp e se encontra atuando como pesquisador visitante junto ao Jet Propulsion Laboratory, CalTech/NASA, na Califórnia, EUA.