Valor Econômico
Hugo Passarelli, 3 maio 2019
Os questionamentos recentes sobre a atuação das universidades públicas estão baseados, em grande medida, em achismos e posições ideológicas que não devem ser usados como norteadores de políticas, diz Marcelo Knobel, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo ele, é falso o entendimento de que a universidade pública é um “celeiro” da esquerda, retórica usada pelo governo de Jair Bolsonaro e, mais frequentemente, pela base do governador de São Paulo, João Doria.
“Quem frequenta o meio acadêmico sabe que há muita gente de esquerda e também de direita. O que é preciso é respeito às opiniões divergentes e privilegiar a liberdade de expressão”, afirma Knobel, que também assumiu neste ano a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp). Além da Unicamp, integram a entidade a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Há duas semanas, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar supostas irregularidades na gestão das universidades públicas paulistas.
Unesp, Unicamp e USP recebem hoje, conjuntamente, 9,57% da arrecadação do ICMS no Estado, o equivalente a R$ 9 bilhões. Esse repasse foi estabelecido há exatos 30 anos por decreto do então governador Orestes Quércia, que também garantiu total liberdade para as três instituições gerirem os recursos.
“Não temos nenhum medo em relação à CPI. Prestamos conta a todos os órgãos de controle. Me parece que há uma falta de conhecimento sobre o funcionamento das universidades públicas e, às vezes, certas declarações midiáticas que não correspondem à realidade”, afirma.
Apesar de ainda incipientes, ele diz que essas críticas trazem receios à comunidade acadêmica, sobretudo em relação à continuidade do investimento em pesquisa de ciência e tecnologia. “Infelizmente, os primeiros movimentos desse governo não permitem otimismo. Sem investimento em pesquisa, não há futuro para esse país”, afirma.
Segundo ele, existe hoje uma preocupação e até certa angústia para melhorar a comunicação com a sociedade, incluindo os políticos, e mostrar as contribuições da universidade pública para o desenvolvimento do país.
Knobel também critica as afirmações do Ministério da Educação (MEC) comandado por Abraham Weintraub de que há um estudo para diminuir os recursos para os cursos de filosofia e sociologia em detrimento de faculdades que supostamente gerem mais retorno, como engenharia. “Todos países que fizeram isso voltaram atrás”, afirma.
Desde a campanha, o governo de Bolsonaro tem colocado a educação básica como prioridade, e Weintraub, em vídeo recente, comparou o gasto com alunos em universidades e em creches. “São dois mundos diferentes. Conseguimos e devemos ter recursos para os dois”, afirma.
Nesta semana, o MEC bloqueou 30% no orçamento das universidades federais no segundo semestre. Inicialmente, a medida afetava só três instituições a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) — o que foi visto como perseguição ideológica. Por contarem com receitas do Estado de São Paulo, Unesp, Unicamp e USP não são afetadas pelo contingenciamento.
O reitor da Unicamp destaca que a cobrança de mensalidade em universidades públicas, medida que volta à discussão de tempos em tempos e também será debatida na CPI da Alesp, é uma falsa solução para sanar o déficit nas instituições de ensino. “No MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts], apenas 10% do orçamento é bancado por mensalidades, o resto é dinheiro público”, afirma.
Em 2019, a Unicamp prevê déficit de R$ 169 milhões, que pelo terceiro ano seguido será coberto pelas reservas estratégicas da instituição. Apesar do rombo, Knobel destaca que o déficit vem sendo reduzido nos últimos anos, a despeito da queda de arrecadação, que afeta as receitas da Unicamp. “Temos hoje o mesmo nível de repasses de 2009 para uma universidade que cresceu e tem outro tamanho”, diz.
Outro desafio é o peso maior no gasto com aposentados, que hoje representam cerca de 35% no orçamento da Unicamp, contra 18% há dez anos. Segundo ele, houve 2 mil aposentadorias nos últimos dois anos, sendo 350 só em 2019 até o mês de abril.