A taxa de mortalidade infantil na Venezuela voltou aos mesmos patamares do final da década de 1990, quando havia 21.1 mortes para cada mil crianças nascidas vivas. O estudo detalhado realizado por um grupo de demógrafos, entre eles Brenda Yépez Martínez, da Universidade Central da Venezuela, foi publicado na revista científica The Lancet, uma das principais sobre medicina editadas no mundo (veja aqui). A pesquisa em demografia levou à constatação de que o futuro das crianças daquele país está, de fato, ameaçado e que a Venezuela, atravessando uma crise humanitária, necessita de ajuda.
A professora Brenda apresentou os dados da pesquisa na mesa de abertura do 3º Seminário Demografia da Infância e Juventude, realizado na última segunda-feira, (6), no Auditório da Biblioteca Central César Lattes, na Unicamp. O evento organizado pelo Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo) está na terceira edição e tem o objetivo de aproximar pesquisadores em atividades colaborativas, destacando uma área emergente da demografia, segundo a professora Joice Vieira, uma das organizadoras do seminário.
A mortalidade infantil é um dos marcadores que evidenciam os problemas de um país. A redução dos índices é um dos objetivos globais que precisam ser alcançados para o desenvolvimento, conforme a Organização das Nações Unidas (ONU). “A taxa de mortalidade infantil expressa as condições de higiene, saneamento, avanços médicos e sanitários, cobertura de vacinação e da atenção materno infantil, em geral expressa como vai o país”, define a docente venezuelana.
O estudo defendido por Brenda informa que desde 2013 não há taxas oficias de mortalidade infantil na Venezuela e que instituições internacionais, pela falta de dados oficiais, seguiam os padrões do que vinha até então acontecendo com o país. “Desde 1950 até final de 2000 o índice havia sido reduzido em 82%, expressando melhoras nas condições de vida do país. Entretanto, a diminuição não obedecia mais ao mesmo ritmo até 2009, quando ficou estacionado entre 16 ou 17 mortes para cada mil nascidos vivos”.
Utilizando variáveis do censo populacional, publicações interrompidas de um boletim epidemiológico na internet entre 2014 e 2015, entre outras ferramentas da demografia e da estatística, os pesquisadores chegaram à estimativa de que em 2016 houve, pelo menos, 21.1 crianças mortas para cada mil nascimentos. Uma série de fatores está levando ao aumento.“Nós vimos em estudos que o índice estava estacionado e observamos que as coisas não estão bem. Doenças erradicadas voltaram, profissionais de atenção à saúde materna deixaram o país, falta de vacinas. Se há uma guerra política ou econômica, se há muita corrupção, seja o que for, esta é uma discussão de outro plano. Nós somos demógrafos e nossa responsabilidade, como pesquisadores, é alertar para o que estamos passando. Nossa intenção é dizer ao mundo que estamos diante de um direito humano básico e fundamental. Há milhares de crianças morrendo por causas evitáveis. Há uma geração morrendo na Venezuela”. A demógrafa ressalta que os dados do estudo são robustos e que podem ser refeitos de acordo inclusive com uma espécie de tutorial que há anexo ao estudo.
A vulnerabilidade das crianças e adolescentes, sobretudo diante de crises, tem convocado os demógrafos e outros pesquisadores às análises de políticas públicas. O Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp), representado no seminário por seu coordenador Carlos Etulain, criou recentemente o projeto de um Observatório da Criança e do Adolescente. Etulain participou da mesa de abertura do seminário juntamente com o coordenador do Nepo, Alberto Jakob e a responsável pela Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen), Ana Carolina Maciel.
Na primeira mesa de debates, além da demógrafa venezuelana, o gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo, Américo Sampaio, contou sobre a experiência do Observatório da Primeira Infância em São Paulo. A socióloga Irene Rizzini, do CentroInternacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi), foi convidada para abordar o tema “Proteção, assistência e direitos: referenciais e práticas em contestação”.
Sujeito de direitos
Do conceito “menor em situação irregular” para “crianças e adolescentes como sujeitos de direitos” houve um longo caminho percorrido na fala de Irene Rizzini. A socióloga recuperou as primeiras décadas do século vinte no Brasil, quando o discurso da assistência social era o de salvar uma geração de crianças toda destinada à criminalidade. “A infância nesse momento é vista como um problema e ao mesmo tempo como a chave para a salvação do país”.
Docente da PUC-Rio, Irene enfatizou a aliança desde sempre firmada entre justiça e assistência social. O sistema de tutela e a cultura de institucionalização “do menor” obrigava à retirada das crianças de seus contextos para os asilos, reconhecendo as famílias como incapazes. A socióloga observou o avanço que foi a superação desse modelo até outras questões, como a diminuição da mortalidade infantil no Brasil, o desuso do termo “prostituição infantil” para se pensar em violência e abuso sexual, até o estabelecimento dos marcos de proteção, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990.
“A atual década é de avanços e retrocessos. Estamos engatinhando nos processos democráticos e esta é a nossa história”, afirmou Irene. Atualmente a socióloga está interessada em estudar o avanço da participação do jovem na sociedade ou “os jovens em ação no espaço público”. No seminário ela também lançou o livro Crianças e Adolescentes em Conexão com a Rua.