Contra a crise, trabalho e resiliência

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Marcelo Knobel completou em meados de abril dois anos à frente da Reitoria da Unicamp. Foi um período difícil, como ele admite, principalmente por causa da crise orçamentária imposta pela baixa atividade econômica do Brasil. As dificuldades financeiras levaram a Administração Central da Universidade a dotar medidas nada populares, como o corte linear de 30% no pagamento das gratificações e a restrição a novas contratações. “A Unicamp precisou acionar ‘o freio de arrumação’”, justifica o dirigente. Apesar dos obstáculos, assevera Knobel, a Universidade não ficou paralisada e promoveu uma série de realizações, como a adoção do sistema de cotas étnico-raciais e o lançamento do Vestibular Indígena, duas novas formas de ingresso nos cursos de graduação da instituição.

Questionado sobre as perspectivas para a Universidade ao longo dos próximos dois anos, o reitor se diz pessimista sob o ponto de vista financeiro, mas acredita que ocorrerão avanços importantes nas esferas acadêmica e administrativa. Além do desafio de fazer mais com recursos reduzidos, Knobel, que assumiu recentemente a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), terá a missão de ajudar a liderar o movimento em defesa das universidades públicas, que ele considera que estão sob perigo.

Foto: Scarpa
O reitor Marcelo Knobel: “Nós nos acostumamos a viver numa redoma de cristal. Hoje, precisamos nos envolver mais. É uma questão de sobrevivência da universidade pública a prática de uma comunicação mais efetiva”

De acordo com ele, a autonomia das universidades está sendo contestada. “As liberdades de cátedra e de expressão também estão sendo questionadas. Estes são os pilares que sustentam uma instituição pública de ensino superior. Aí está o perigo. Vamos tentar reverter essa situação mostrando a importância da universidade pública. Vamos esclarecer como a universidade é importante para a formação das futuras gerações, que serão responsáveis pelo desenvolvimento do Brasil”, adianta.

Na entrevista que segue, Knobel fala sobre os cortes promovidos pelo governo federal nos recursos destinados à educação, de outros obstáculos impostos às universidades públicas e da complexidade do cargo que exerce. “Não imaginava que esses dois anos seriam tão difíceis”, reconhece o físico, que procura afastar o estresse preparando, sempre que possível, o jantar da família.


O senhor completou no último mês de abril dois anos à frente da Reitoria da Unicamp. Como é que o senhor classifica este período?

ReproduçãoMarcelo Knobel - Um período de muitos desafios e de aprendizado. Também foi um período de organização. Foram dois anos marcados, infelizmente, por situações políticas e econômicas adversas no país. A despeito disso, penso que obtivemos muitos avanços. Mesmo com as dificuldades financeiras, conseguimos construir perspectivas para a saída da crise. Criamos projetos e programas novos e mantivemos a marca de inovação da Unicamp firme e ativa.


O enfrentamento da crise orçamentária vivida pela Universidade, causada principalmente pela baixa atividade da economia brasileira, exigiu a adoção de algumas medidas consideradas duras por parte da Administração Central. Que avaliação o senhor faz dos impactos dessas iniciativas?

Marcelo Knobel - De fato, muitas medidas foram consideradas duras e impopulares, principalmente porque elas atingem o bolso ou a rotina de trabalho das pessoas. Nós promovemos um corte linear de 30% nas gratificações, algo que foi absolutamente necessário. Também tivemos que restringir novas contratações, o que naturalmente gera situações de dificuldade em alguns setores. Entretanto, a Unicamp precisou acionar ‘o freio de arrumação’ para fazer frente às dificuldades financeiras. É papel do gestor fazer isso. Estamos colhendo resultados concretos dessas e de outras iniciativas, mas ainda não alcançamos o equilíbrio orçamentário. Infelizmente, a economia do país não está ajudando no esforço para zerarmos nosso déficit.


Apesar das dificuldades financeiras, a Universidade não ficou paralisada. Quais as principais realizações da sua gestão nos últimos dois anos?

Marcelo Knobel - Realmente, a Universidade não parou, e esse foi o nosso grande diferencial. Nós conseguimos enfrentar a crise sem a necessidade, por exemplo, de lançar um plano de demissão voluntária e sem atrasar salários ou o pagamento do décimo terceiro salário. Além disso, implementamos projetos e programas importantes. Em relação ao ingresso nos nossos cursos de graduação, por exemplo, executamos políticas novas, como a adoção do sistema de cotas étnico-raciais e a realização do vestibular indígena. Mesmo na crise, o investimento em permanência estudantil foi ampliado. Fizemos um esforço para criar a Diretoria Executiva de Direitos Humanos, que ainda está sendo organizada, mas que trará contribuições importantes para a nossa vivência no dia a dia.

Cada Pró-Reitoria seguiu com a sua programação, trabalhando na implementação de programas, como nas áreas de inovação curricular, de equipamentos multiusuários e de ética e transparência de dados. Nós criamos o Portal da Transparência, através do qual abrimos totalmente as contas da Universidade. São várias iniciativas que podem não ser tão visíveis, mas que contribuem para qualificar as atividades da Unicamp. Do ponto de vista da gestão, uma medida fundamental foi transformar em prática a ideia de que todo gasto permanente deve ser aprovado pelo Conselho Universitário. A caneta do reitor perdeu força. Tudo deve ser aprovado coletivamente, após ampla discussão.


Olhando em perspectiva, o senhor traçaria um prognóstico para a Unicamp para os próximos dois anos?

ReproduçãoMarcelo Knobel - Do ponto de vista financeiro, eu estou bastante pessimista. Temos muitas incertezas em relação ao comportamento da economia e da política. Temos uma situação bastante instável. O momento exige cautela. Do ponto de vista acadêmico, nós podemos ter boas perspectivas. Estamos trabalhando em diversos programas na graduação, na pós-graduação, na pesquisa e na extensão. Esses programas certamente terão continuidade, visto que estamos fazendo uma gestão comprometida com a sequência dessas ações. No nosso entendimento, para defender a universidade pública neste momento tão complexo, nós precisamos mais e mais mostrar o vigor das nossas atividades.


A propósito do “momento complexo” citado pelo senhor, algumas declarações suas chamaram a atenção para o fato de as universidades públicas estarem sob perigo. De que perigo o senhor está falando?  

Marcelo Knobel - Bem, no caso das universidades públicas paulistas, estamos enfrentando uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada, sem a devida clareza, pela Assembleia Legislativa. Os primeiros depoimentos que ouvimos no contexto da CPI demonstram o enorme desconhecimento acerca do funcionamento das universidades. A autonomia das universidades está sendo contestada. As liberdades de cátedra e de expressão também estão sendo questionadas. Estes são os pilares que sustentam uma instituição pública de ensino superior. Aí está o perigo. Vamos tentar reverter essa situação mostrando a importância da universidade pública. Vamos esclarecer como a universidade é importante para a formação das futuras gerações, que serão responsáveis pelo desenvolvimento do Brasil.


A quem interessa esse movimento de ataque às universidades públicas?

Marcelo Knobel - Sinceramente, não consigo entender. Qualquer país do mundo que passou por uma grave crise, somente conseguiu dar a volta por cima investindo em educação, em ciência e em tecnologia. Não tem outra saída. Retirar recursos da educação e das universidades equivale a dar um tiro no pé. Isso afeta o desenvolvimento do país. Veja o que está acontecendo com as universidades federais. Um corte de 30% no custeio inviabiliza o funcionamento adequado das instituições. Isso certamente trará consequências negativas para o futuro. Formar gerações de cientistas e de lideranças nas diversas áreas do conhecimento não é algo trivial ou que possa ser realizado de um dia para o outro.


O senhor também tem afirmado que as universidades, as públicas em particular, ainda têm dificuldade em se comunicar adequadamente com a sociedade, de modo a mostrar a importância dessas instituições para o país. O que está faltando dizer para o cidadão brasileiro?

ReproduçãoMarcelo Knobel - Veja, esta não é uma crítica às pessoas que atuam na área da comunicação nas universidades. Eu sei da dedicação desses profissionais, inclusive aqui na Unicamp. São, em boa medida, verdadeiros heróis. Entretanto, a universidade deve fazer, em todo o seu conjunto, um esforço maior. Deve fazer um investimento nessa área. Precisa realizar um treinamento de gestores, docentes e funcionários para que participem mais dos debates públicos, para que escrevam mais artigos e para que estreitem cada vez mais o diálogo com a sociedade, no sentido de mostrar a importância da universidade. Nós nos acostumamos a viver numa redoma de cristal. Hoje, precisamos nos envolver mais. É uma questão de sobrevivência da universidade pública a prática de uma comunicação mais efetiva.


Em geral, o cidadão desconhece que um medicamento ou uma tecnologia utilizada por ele no dia a dia foi desenvolvida na universidade, não?

Marcelo Knobel - Não apenas o cidadão comum, mas os políticos também. Eles não entendem como a ciência funciona e como se dá o desenvolvimento tecnológico. Não há tecnologia nova sem uma boa ciência básica, sem uma área de humanidades forte, sem as artes fortes. É o conjunto dessas áreas que faz a formação do ser humano. Quem imaginaria que teríamos hoje telefones celulares com internet?. Esta e outras tecnologias foram desenvolvidas com a contribuição das diversas áreas do conhecimento. Falta esse tipo de compreensão. Não dá para separar os saberes entre os que são úteis e os que não são úteis. Ora, todos os saberes são importantes, pois se complementam, mesmo que isso não pareça evidente num primeiro olhar.


O senhor acaba de assumir a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas. Qual o papel do Cruesp na defesa não apenas das instituições que representa, mas da educação superior em geral?

 

Marcelo Knobel - Nós estamos vivendo um momento positivo. Os três reitores que integram o Cruesp têm uma convivência muito boa. Temos feito reuniões regulares. Temos trabalhado em conjunto para mostrar à sociedade, aos legisladores e aos gestores públicos a importância das três universidades paulistas tanto para o Estado quanto para o Brasil. Temos trabalhado em projetos comuns, como a comemoração dos 30 anos da autonomia universitária, aspecto fundamental para que as instituições tenham alcançado o estágio atual de amadurecimento e desenvolvimento. Esse trabalho conjunto não é simples, visto que cada universidade tem seus problemas. Entretanto, estamos fazendo um esforço imenso para construir uma agenda comum. As três paulistas respondem por 35% das pesquisas realizadas no Brasil. Nós temos a obrigação de sermos mais atuantes no âmbito nacional e internacional para defender o legado construído pelas universidades públicas. Elas constituem um patrimônio da sociedade.


Como quaisquer instituições, as universidades públicas também apresentam deficiências, também têm falhas. Fazendo um exercício de autocrítica, o que o senhor diria que é preciso melhorar na Unicamp?

Marcelo Knobel - Não há dúvida de que o nosso sistema de gestão ainda precisa ser aprimorado. Estamos atuando nesse sentido, mas há a necessidade de avançarmos. A informatização é um desafio que temos que superar. O nosso Planejamento Estratégico estabelece que o projeto Unicamp Digital esteja concluído em 2020. Estamos trabalhando firmemente para isso, mas não é algo trivial. Também estamos agindo no sentido de melhorar o fluxo de processos, de aprimorar mecanismos de controle e de ampliar a transparência. O objetivo é fazer cada vez mais, de maneira melhor.


O senhor afirmou que os primeiros dois anos de gestão também serviram de aprendizado. O senhor saberia citar qual foi o seu melhor e o seu pior dia nesse período?

ReproduçãoMarcelo Knobel - Preciso pensar. É difícil apontar o pior dia. As situações de greve certamente são muito tensas. São momentos difíceis, como o episódio da ocupação do prédio da Reitoria. As negociações são sempre complexas e envolvem, algumas vezes, situações desagradáveis, como ser alvo de ofensas. Nosso objetivo, aqui, é fazer o melhor para a Unicamp, para a comunidade universitária e para a sociedade. Obviamente, nem sempre dá para suprir as expectativas de todos. Nós entendemos as necessidades das pessoas e reconhecemos o mérito de várias das reivindicações, mas não podemos tomar decisões que coloquem em risco o funcionamento da Universidade. Em compensação, vivi ótimos dias nesses dois anos. Um deles foi por ocasião da aprovação do sistema de cotas étnico-raciais. Outro foi o da chegada dos estudantes indígenas. São momentos que merecem ser comemorados. Um aspecto igualmente importante e positivo é o convívio e o trabalho com tanta gente que ama a Unicamp, e que trabalha com afinco para termos, a cada dia, uma Universidade melhor. Agradeço a todos que participam desta jornada.


A Unicamp sempre aparece bem situada nos diversos rankings universitários internacionais. Há margem para melhorar?

Marcelo Knobel​​​​​​​ - Não podemos ficar como estamos, sob risco de sermos ultrapassados. É preciso melhorar sempre. Ainda precisamos evoluir em relação à internacionalização da Universidade, notadamente em relação à experiência dos corpos docente e discente. Para sermos uma universidade de classe mundial, precisamos aumentar nosso índice de internacionalização. Também temos espaço para ampliar o impacto das publicações, o que exigirá mais pesquisas interdisciplinares e maior relacionamento com as empresas, entre outras medidas. Há espaço para avançar, e estamos trabalhando nisso.


O senhor imaginava que estes dois anos seriam tão difíceis?

Marcelo Knobel​​​​​​​ - Não imaginava. Eu fui pró-reitor de Graduação e convivi diretamente com as questões relacionadas à Reitoria, mas não tinha ideia das dificuldades que eu enfrentaria. Tem a dificuldade do dia a dia, da agenda etc. Ao contrário do que ocorre em outros países, nos quais as universidades têm gestores diferentes para as atividades representativa e executiva, aqui o reitor cumpre os dois papeis. Com isso, a agenda fica muito complicada. Mais que isso, a questão mais importante é o nível de responsabilidade da função. Cada decisão, cada assinatura tem que ser precedida de muita reflexão. Por mais que tenhamos comissões que analisem previamente cada matéria, o peso e a responsabilidade toda fica sobre o reitor, inclusive em termos futuros. Há decisões muito difíceis, como aplicar punições resultantes de CPPS [Comissão Processante Permanente]. São momentos delicados, principalmente para alguém formado em Física e não em Direito.


Como o reitor faz para relaxar depois que sai do gabinete?

Marcelo Knobel​​​​​​​ - Meu hobby é cozinhar. Tento chegar cedo em casa, para preparar o jantar das crianças. Isso é algo que me dá prazer e relaxamento. Depois assisto a uma série na internet e vou dormir cedo. Relaxar na presença da família é meu principal combustível.

 

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Audiodescrição: Em sala de trabalho, imagem de busto e em perspectiva, homem sentado em cadeira, com olhar voltado para a esquerda, fala mantendo os braços sobre uma mesa em formato ele, à frente dele. Ele tem uma caneta na mão direita. À esquerda na imagem, sobre a mesa, há um monitor de lcd que exibe imagem aérea noturna iluminada. Na mesa há livros, óculos e folhas de papel. Às costas dele, afixadas na parede, há duas gravuras emolduradas com vidro. Ele usa óculos, camisa social e gravata. Imagem 1 de 1.

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004