Leia texto escrito pelo professor Hector Benoit, do Departamento de Filosofia do IFCH
Francisco Benjamin de Souza Netto, Dom Estevão, faleceu no dia 15 de maio de 2019. Padre beneditino, adotou na Igreja o nome de Dom Estevão. Recordamos passagem bíblica do "Novo Testamento", no livro "Atos dos apóstolos", ali se lê: "Estevão, cheio de fé e de poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo."
Benjamin, Dom Estevão, morou boa parte da sua vida no Mosteiro de São Bento, no centro de SP, dedicando toda a sua existência à cultura, à educação, à pesquisa, à formação das novas gerações na direção humanista, preocupado em sinalizar caminhos para todos. Dirigiu, durante alguns anos, o Colégio de São Bento de SP, instituição tradicional na qual estudaram diversos célebres intelectuais brasileiros. Coordenou o curso de Filosofia no mesmo Mosteiro de São Bento. Lecionou na USP, na PUC, na Unesp, entre outras instituições.
A partir de 1986, ingressou no corpo docente do Departamento de Filosofia da Unicamp. Foi lá, em 1990, que passei a ter um contato mais constante com Benjamin. Tive essa sorte de conviver com ele, pois colaborou comigo na fundação do CPA, Centro do Pensamento Antigo, e em bancas de mestrado e doutorado. Foi assim que percebi toda a grandeza de sua sabedoria e erudição, assim como a sua capacidade fantástica de nunca se afastar do pensamento contemporâneo, bem como, ainda, sua disponibilidade de sempre dialogar gentilmente com todos, nunca se afastando, apesar da sua erudição, das experiências mundanas.
Benjamin conhecia perfeitamente o grego clássico, era fluente em latim, lia nas principais línguas europeias; dominava perfeitamente a filosofia antiga pré-socrática e a clássica, o período helenístico, a obra de Alexandre de Afrodísia – grande comentador de Aristóteles –, era especialista em Santo Agostinho e conhecia assim os autores da patrística e filosofia medieval. Entretanto, dominava também boa parte da filosofia moderna e contemporânea, sendo leitor de Nietzsche, Marx e Heidegger, entre outros. Porém, toda essa enorme erudição não o afastava jamais das coisas cotidianas, das pessoas comuns, e, particularmente, dos jovens.
Era capaz de recitar trechos clássicos em latim e, com a mesma facilidade, leveza e naturalidade, recordar a escalação de uma grande equipe de futebol que viu jogar na sua longa e bela vida. Vi, várias vezes, em suas arguições em bancas acadêmicas, Benjamin passar do assunto direto de uma tese, em geral de filosofia antiga ou medieval, à declinação da escalação de um time de futebol memorável. Os ouvintes pensavam que ele havia se perdido na sua arguição. Grave engano, habilmente ele dava seus volteios mundanos e retornava rigorosamente ao ponto onde começara a digressão.
Em suma, as suas arguições eram de um brilho raro, perpassando diversos níveis da cultura, os entrecruzando dialeticamente, de maneira exemplar. Tive a felicidade de conhecer Benjamin, de conversar longamente com ele, sempre aprendendo muito com a riqueza de sua rara personalidade.
Certamente, nos seus últimos anos, percebia a sua amargura, amplamente justificada, diante dos rumos do Brasil e do mundo contemporâneo. Mas sua amargura jamais quebrava seu ímpeto de melhorar os rumos da existência humana, procurando sinalizar caminhos. Assim, ainda que de maneira realista, percebia todas as dificuldades para realizar aquilo que seria a melhor das cidades, aquelas sonhadas nos Diálogos de Platão, nos textos de Santo Agostinho e de tantos outros filósofos exemplares que souberam sonhar, como ele, uma vida melhor e mais justa para todos.
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