Manchetes do tipo “Asteroide pode colidir com a Terra”, ou então “Asteroide passará raspando pela Terra” aparecem com alguma frequência na imprensa. Mas, afinal, quais as probabilidades, riscos e consequências de um corpo cósmico (asteroides ou cometas) vir um dia a se chocar contra o nosso planeta?
Para considerarmos as probabilidades, é necessário levar em conta o tamanho desses corpos em função do intervalo de tempo para que uma colisão aconteça. Nesse caso, a regra geral é: quanto maior o corpo, menos frequente será um choque desse tipo. Assim, pequenos meteoritos, que na maior parte das vezes passam despercebidos, caem em alguns locais da Terra com frequência diária, enquanto asteroides maiores tendem a se chocar contra nosso planeta em intervalos bem maiores, que podem variar de muitos milhares até milhões de anos. Estes últimos são os responsáveis potenciais por provocar grandes catástrofes, que podem resultar em extinção da vida e deixar marcas permanentes na superfície, geralmente na forma de crateras de impacto.
Ao analisarmos o registro passado desses fenômenos na Terra, constatamos que existem cerca de 160 crateras de meteorito com diâmetros acima de 1 quilômetro, chegando até o diâmetro máximo de 300 quilômetros, como é o caso da enorme cratera de Vredefort, na África do Sul, formada há cerca de 2 bilhões de anos. No Brasil, são conhecidas atualmente 8 crateras desse tipo, com diâmetros que variam entre 4,5 e 40 quilômetros. Contudo, essa é apenas uma pequena amostra dos impactos ocorridos durante a história geológica do nosso planeta, pois a maioria das crateras aqui formadas já foram destruídas por processos geológicos, tais como movimentação de placas tectônicas, erosão, sedimentação, entre outros.
Pelo menos um dentre vários episódios de extinção em massa da vida na Terra é relacionado a um grande impacto de asteroide. Trata-se do impacto de um asteroide de 16 quilômetros que formou a cratera de Chicxulub, com quase 200 quilômetros de diâmetro, e que se encontra parcialmente submersa no Golfo do México. Esse impacto ocorreu há 66 milhões de anos e provocou enormes alterações no clima da Terra, que levaram ao desaparecimento de mais de 70% das formas de vida existentes à época, inclusive os dinossauros.
Sendo estes fenômenos relativamente raros, será que deveríamos nos preocupar com suas consequências? Certamente, um evento dessa natureza pode ser suficientemente grave para os seres humanos a ponto de levantar sérias preocupações. Mesmo nos casos em que um desses corpos rochosos de tamanho relativamente pequeno (com algumas dezenas de metros de tamanho, por exemplo) consiga penetrar na atmosfera da Terra (que serve como um grande “escudo” protetor do planeta), e seja parcial ou totalmente destruído pelo atrito provocado durante essa entrada, há ainda uma grande possibilidade de riscos à população.
Esse foi o caso, por exemplo, da explosão atmosférica ocorrida no dia 15 de fevereiro de 2013, próximo à cidade de Chelyabinsk, na Rússia. Um corpo com tamanho estimado em cerca de 20 metros e pesando 13 mil toneladas explodiu a 30 quilômetros de altura, produzindo fogo, fumaça e muito barulho. Os moradores da cidade, com uma população de cerca de 1 milhão de habitantes, assustaram-se imaginando que se tratava do início de uma guerra nuclear. Os esclarecimentos posteriores sobre o fenômeno revelaram que o pequeno asteroide havia explodido na atmosfera, liberando energia equivalente à de 30 bombas atômicas iguais à que destruiu a cidade de Hiroshima no Japão durante a 2ª Guerra Mundial. O deslocamento de ar resultante da explosão destruiu milhares de vidraças nos edifícios e casas da cidade, que resultaram em muitas pessoas feridas por estilhaços. Com a explosão, a maior parte do corpo celeste virou poeira, mas diversos fragmentos caíram sobre áreas desabitadas e foram recuperados, sendo que o maior tinha 570 quilos e cerca de 1,5 metro. Outros fenômenos similares a esse de Chelyabinski foram relatados ao longo do Século 20, como por exemplo o de Tunguska, ocorrido também na Rússia em 1908, e possivelmente um no Brasil, em 1930, na remota região amazônica do rio Curuçá, próximo à fronteira com o Peru.
Programas mantidos por diversas agências espaciais vêm há anos monitorando as trajetórias desses corpos no Sistema Solar, principalmente daqueles que podem oferecer algum risco de interceptar a órbita da Terra, o que produziria uma colisão desse tipo. Esses corpos são conhecidos como NEOs (sigla em inglês de Objeto Próximo à Terra) e estima-se que 90% já sejam conhecidos, principalmente aqueles com tamanhos acima de 140 metros. Com os avanços das ciências planetárias, é possível não só monitorá-los como também calcular as probabilidades e o grau de risco de uma colisão futura contra a Terra.
A NASA, por exemplo, mantém um Escritório de Defesa Planetária e, por meio do Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra (CNEOS), ligado ao Jet Propulsion Laboratory, faz esse acompanhamento de modo contínuo. E a boa notícia é que, dos NEOs conhecidos, praticamente nenhum com tamanho maior do que 140 metros tem probabilidade acima de 0,16% de atingir a Terra neste ou no próximo século. Há, contudo, a possibilidade de que corpos menores do que 140 metros, ainda não conhecidos, ou mesmo corpos de outras categorias, vindos dos limites do Sistema Solar ou de fora dele, também possam colidir contra a Terra.
A humanidade deve, portanto, preparar-se para um eventual cenário em que um desses corpos venha um dia a explodir na atmosfera em áreas densamente habitadas, ou cair em uma área continental ou oceânica, o que poderia provocar grandes desastres ambientais e até mesmo a extinção da vida como a conhecemos. É por esse motivo que existem missões espaciais em andamento, ou planejadas para o futuro próximo, com objetivo de estudar esses corpos em detalhe e também de testar tecnologias para desviá-los, caso se descubra que suas trajetórias ameaçam o nosso planeta.
Uma dessas missões é a Osiris-REx da NASA, lançada em 2016 e que alcançou o seu destino, o asteroide Bennu (um NEO) em dezembro de 2018. Bennu, com quase 500 metros de tamanho, tem uma probabilidade de 0,037% de se chocar contra a Terra entre os anos 2175 e 2199. Conhecer a composição desse NEO, bem como analisar diretamente a amostra que será coletada pelo braço robótico da Osiris-REx e retornada à Terra em 2023, será de grande importância para as atividades futuras de defesa planetária.
Outra missão com essa finalidade, mas com objetivo ainda mais ambicioso, é a DART (sigla em inglês para Teste de Redirecionamento de Asteroide Duplo), uma iniciativa conjunta da NASA e da Universidade Johns Hopkins. A DART irá testar uma tecnologia inédita de defesa planetária, que tem por objetivo desviar asteroides que possam ameaçar nosso planeta no futuro. Esse teste fará uso de uma tecnologia chamada kinetic impactor que, ao invés de destruir o NEO com explosivos (algo já fartamente explorado no cinema, mas pouco factível na prática), irá desviá-lo para uma trajetória que evite a colisão com a Terra. O teste será real, ou seja, a DART irá tentar desviar um asteroide de verdade, em plena órbita espacial. Como se trata de um teste, o asteroide escolhido não apresenta qualquer ameaça previsível ao nosso planeta. Ele faz parte de um sistema binário, ou seja, dois asteroides que viajam juntos pelo espaço, sendo o menor uma espécie de “lua” do maior. O asteroide principal chama-se Didymos e tem 800 metros, e o menor, chamado informalmente de Didymoon, tem 170 metros. Dydimoon será o alvo da missão e o conceito do kinetic impactor é que a própria espaçonave será arremessada em direção ao asteroide a uma velocidade de 6 km/s, chocando-se contra ele. É esperado que a DART, com sua massa de 500 kg e essa elevada velocidade de impacto, altere a velocidade do asteroide em 0.4 mm/s, produzindo uma pequena mudança na sua trajetória. Considerando a distância de milhões de quilômetros que um suposto asteroide estaria da Terra ao ser detectado em um cenário de possível colisão, a mudança cumulativa da trajetória eliminaria o risco de colisão e a Terra estaria a salvo. O lançamento da DART está planejado para meados de 2021 e ela deverá colidir com Dydimoon em setembro de 2022, quando os dois asteroides estarão a uma distância relativamente reduzida da Terra, a 11 milhões de quilômetros. A essa distância, o impacto e suas consequências serão monitorados por telescópios terrestres, que medirão a mudança de trajetória da pequena lua e avaliarão o resultado do teste.
Ainda como parte dos esforços de preparar a humanidade para um cenário de ameaça dessa natureza, foi realizado no início deste mês um amplo exercício de simulação que, embora ficcional, procurou ser o mais realista possível. Ele foi feito durante a Conferência de Defesa Planetária 2019, promovida pela Academia Internacional de Astronáutica, realizada em Washington, DC, e do qual participaram especialistas do mundo inteiro. O cenário apresentado aos participantes iniciou com a descoberta, no dia 26/03/2019, de um asteroide com tamanho estimado entre 100 e 300 metros, vindo em direção à Terra. No momento da descoberta ele se encontrava a 57 milhões de quilômetros, viajando a uma velocidade de 14 km/s. Cálculos iniciais indicaram que o choque poderia ocorrer em 29/04/2027. A probabilidade de colisão com a Terra foi inicialmente estimada em 1%, crescendo em seguida para 10% com o avanço do monitoramento, indicando que o evento necessitava extrema atenção. No segundo dia da simulação mais informações foram adicionadas: em 2021 a NASA havia enviado uma sonda para analisar o asteroide em detalhe e determinado que o provável ponto do impacto seria a cidade de Denver, Colorado. Os especialistas puseram-se então a desenvolver cenários simulados de como agir para proteger a Terra e seus habitantes e, no terceiro dia da simulação, concluíram que a ação mais adequada seria enviar uma frota de seis espaçonaves exatamente como a DART, para colidirem com o asteroide e desviarem a sua trajetória. Em 2024 elas atingiram o asteroide. Contudo, a simulação mostrou que o corpo se fragmentou e, embora a maior parte tenha de fato sido desviada da Terra, um dos fragmentos, com 60 metros, continuou sua trajetória em direção ao nosso planeta, desta vez ameaçando atingir a cidade de Nova Iorque. A essa altura não havia mais tempo para enviar outra sonda e, assim, a única alternativa que restou foi a evacuação da população da cidade. A simulação concluiu que o asteroide chegou em Nova Iorque a uma velocidade de 69 mil km/h e explodiu a 15 quilômetros de altura. A energia liberada nessa explosão equivale a mil bombas atômicas iguais à que destruiu Hiroshima. Portanto, nesse cenário, Nova Iorque teria sido totalmente destruída! Exercícios de simulação como esse continuarão a ser realizados, sempre com a expectativa de que, quanto mais conhecermos sobre esse tipo de fenômeno, melhor estaremos preparados para enfrentá-los caso essa possibilidade surja no futuro.
A NASA, em conjunto com a Agência Federal de Gestão de Emergência (FEMA), divulgou no ano passado documento no qual são estabelecidas as medidas a serem tomadas ao longo da próxima década para prevenir potenciais impactos de asteroides e também para preparar os Estados Unidos caso isso venha a acontecer. O plano segue duas linhas principais: o aumento das ações de monitoramento de NEOs, incluindo os de dimensões menores do que 140 metros, e o estabelecimento de protocolos para evacuações em massa de populações ameaçadas. Mas as mesmas ações teriam de ser estendidas a nível mundial, uma vez que não se sabe quando ou onde um asteroide atingirá a Terra.
Para além das obras de ficção e dos filmes-catástrofe, impactos de asteroides foram muitos comuns em todo o Sistema Solar e continuarão a acontecer, afetando também a Terra. É fundamental, portanto, que a ciência se dedique a compreender melhor a extensão e a frequência desses fenômenos e suas consequências, bem como ofereça as ferramentas para evitar ou mitigar os seus efeitos. A sobrevivência da raça humana pode, em algum momento, depender inteiramente disso.
* O autor é professor titular de Geologia do Instituto de Geociências da Unicamp. Acaba de retornar de um período de seis meses como pesquisador visitante junto ao Jet Propulsion Laboratory, CalTech/NASA, na Califórnia, EUA.