As universidades públicas deveriam cobrar mensalidade dos alunos mais ricos? NÃO
INCENTIVO À ELITIZAÇÃO E À DIVISÃO DOS ESTUDANTES
Marcelo Knobel
Além de formar profissionais nas mais diversas áreas, as universidades públicas brasileiras têm um diferencial: respondem por 95% da pesquisa científica realizada no país. Pesquisa científica é essencial para gerar inovação, impulsionar o crescimento econômico e resolver questões críticas do nosso desenvolvimento. E aqui, como em outros países, a atividade de pesquisa é financiada com verbas públicas.
Em nenhuma parte do mundo a cobrança de mensalidades representa recurso significativo para universidades de pesquisa. No Massachussets Institute of Technology (MIT), por exemplo, as anuidades equivalem a cerca de 10% do orçamento da instituição. Esse percentual é similar em outras universidades de pesquisa do mundo, públicas ou privadas.
O financiamento das universidades públicas é um problema complexo, para o qual a cobrança de mensalidades está longe de ser uma solução, sequer parcial. Na verdade, a adoção de tal medida poderia gerar problemas adicionais, contaminando instituições públicas com a lógica mercantilista mais primária. Carreiras em alta no mercado de trabalho —que, em princípio, poderiam render mensalidades mais polpudas— tenderiam a ser priorizadas em detrimento de áreas igualmente fundamentais para o desenvolvimento intelectual, tecnológico e cultural do país.
Ademais, não é verdade que nas universidades públicas predominam alunos com condições de pagar por seus estudos. Na Unicamp, por exemplo, 68% dos alunos que ingressaram na graduação neste ano integram famílias com renda de até dois salários mínimos per capita. Jovens com esse perfil dificilmente seriam capazes de arcar com o custo de uma mensalidade, à qual se somariam ainda gastos com transporte, alimentação e moradia.
Supor que a pesquisa, a extensão e a assistência nas áreas de saúde realizadas nas universidades devam ser subvencionadas pela cobrança de mensalidades, além de ser um erro grosseiro de cálculo e uma prova de desconhecimento da composição do orçamento das instituições, é, ao mesmo tempo, um incentivo à elitização, à divisão dos estudantes em duas classes (os que podem pagar e os que não podem) e à exclusão de uma parcela significativa da população brasileira do melhor ensino e formação que o país tem a oferecer.
Outro argumento correlato à defesa da cobrança, e confusamente associado à crítica da gratuidade, é o de que as universidades públicas deveriam buscar mais recursos fora do seu orçamento. Também esse é promovido pelo desconhecimento de que as universidades já se dedicam à captação externa. Citando novamente a Unicamp, vale ressaltar que os recursos extraorçamentários captados pela instituição já equivalem a cerca de 30% do repasse estatal, percentual comparável aos melhores índices mundiais.
As universidades públicas brasileiras são bens públicos construídos com recursos da sociedade à custa de muito esforço coletivo. Constituem um dos poucos exemplos de sucesso na educação brasileira, com amplo reconhecimento internacional, justamente por serem produtivas, inclusivas, gratuitas e bem conduzidas, atendendo de forma responsável às demandas que recebem da sociedade.
Que elas precisam aprimorar sua governança e gestão, e enfrentar dificuldades de financiamento decorrentes da crise econômica sem precedentes, é certo. Errado é propor soluções simplistas, demagógicas e sem fundamento nos fatos, que podem pôr a perder também esse patrimônio nacional.
(Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, página A3, 1 de junho de 2019)
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