Desinformação e má-fé
Entre os diferentes argumentos que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, têm invocado para justificar a escalada de críticas que dirigem às universidades públicas, especialmente no que se refere ao seu sistema de financiamento, duas merecem destaque. A primeira crítica é no sentido de que as instituições beneficiadas pela autonomia financeira não conseguem usar essa prerrogativa para administrá-las de modo responsável e competente. A segunda critica é que elas não estariam produzindo pesquisas científicas.
Os fatos, no entanto, mostram a improcedência dessas duas críticas, que primam mais por seu caráter político e ideológico do que por estarem fundamentadas em dados estatísticos. Nesse sentido, basta ver relatórios publicados por órgãos públicos e análises elaboradas com base em dados oficiais por entidades da área de ensino e pesquisa, sobre cuja veracidade não pairam dúvidas.
O caso mais ilustrativo é o da Universidade de São Paulo (USP). Desde 1989, quando passou a gozar de autonomia administrativa e financeira, juntamente com a Unicamp e a Unesp, seus indicadores de produtividade apresentaram ganhos significativos. Segundo o último número da revista Pesquisa, editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, entre 1989 e 2017, o número de funcionários da USP caiu de 35.167 para 27.593 - uma queda de 22%. O número de professores também diminuiu. Passou de 11.065 para 10.914 - uma diminuição de 1,4%.
No mesmo período, o número de alunos matriculados nos cursos de graduação da USP pulou de 57.055 para 118.920 um aumento de 108%. Na pósgraduação a elevação foi ainda maior: passou de 23.270 para 69.533 - uma variação positiva de 199%. Por fim, o número de mestres formados passou de 1.571 em 1989 para 6.311 em 2017 - um aumento de 302%. E o número de doutores pulou de 767 para 5.302 - ou seja, cresceu 591%. Os indicadores de produtividade da Unicamp são tão expressivos quanto os da USP.
Esses dados comprovam que nem o presidente da República nem o ministro da Educação sabem do que falam quando criticam a autonomia universitária. O mesmo pode ser dito com relação à produção de pesquisas científicas.
Ao contrário da afirmação de ambos, de que as universidades públicas seriam improdutivas, das 50 instituições que mais publicaram trabalhos científicos no Brasil nos últimos cinco anos, 36 são universidades federais, 7 são universidades estaduais e apenas uma é particular. As cinco instituições restantes - Embrapa, Fiocruz, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - também são públicas. Só na USP, o número de publicações científicas passou de 1.064 para 17.175, entre 1989 e 2017 - um crescimento de 1.514%. Juntas, a USP, a Unicamp e a Unesp produziram 80 mil trabalhos científicos nos últimos cinco anos, sendo seguidas no ranking pela UFRJ, UFRGS, UFMG, Unifesp, UFPR e UFSC.
Divulgadas pelo Jornal da USP no final de abril, todas essas informações são da base Web of Science e foram compiladas pela Clarivate Analytics, empresa especializada em pesquisas acadêmicas e registro de patentes. Com base nos Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação de 2018, divulgados pelo Ministério ds Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, a mesma reportagem também revela que mais de 80% dos pesquisadores do País estão nas universidades e que mais de 8,5 mil pós-doutorandos se dedicam exclusivamente à pesquisa científica.
Evidentemente, o financiamento do ensino superior público é caro e os recursos são escassos. Mas isso não permite que o presidente da República e o ministro da Educação acusem as universidades públicas de serem improdutivas e desqualifiquem a importância da autonomia universitária. Acusações como essas, que são desmentidas pelos fatos, não revelam só desinformação. Revelam, igualmente, má-fé.
O Estado de S. Paulo | Notas e Informações | Página A3 | 15 de junho de 2019
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