A criação sonora e suas múltiplas possibilidades de encontro com outras áreas do conhecimento são o tema do novo grupo de estudos do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp (IdEA). Coordenado pelo professor José Augusto Mannis, do Instituto de Artes da Unicamp (IA), o Grupo de Estudos do Som e Processos Criativos inicia seus trabalhos no IdEA com uma proposta transdisciplinar envolvendo arte, comunicação, ciência e tecnologia.
A história de atuação do grupo na Unicamp já soma mais de uma década. Foi criado em 2006 como Grupo de Pesquisa em Criação Musical. Em sua primeira formação, foi dirigido por Silvio Ferraz, então professor do IA e hoje docente da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e, mais tarde, por Denise Garcia, também do IA, que permanece como sua integrante.
Inaugurando sua nova fase no IdEA, o grupo traz a proposta de estender suas investigações e produções para além da área da música. “O grupo sempre serviu como um espaço de pesquisa, audição crítica e discussão de temas relacionados a processos criativos, composição musical e sonologia, mas, em 2019, ele renasce com o objetivo de dialogar com pesquisadores de outros campos do conhecimento, como cinema, artes plásticas e engenharia”, explica Mannis.
Stéphan Schaub, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora da Unicamp (NICS), Marco Scarassatti, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estudantes e outros convidados externos também participam das atividades do grupo, que tem se reunido para compartilhar resultados de pesquisas, criações, leituras de obras e debater os problemas e desafios da área.
Sobre sua atuação transdisciplinar, Schaub esclarece que não há uma problemática de investigação previamente definida. “O diálogo é o fundamento. Vamos proporcionar o encontro entre especialistas de áreas diferentes e mesmo entre pesquisadores de disciplinas diversas dentro do meio musical, mas que compartilham problemas comuns, e ver quais soluções podem emergir dessa relação de troca de experiências”.
Não são poucos, portanto, os desafios científicos colocados ao grupo, a começar pela conjunção de dois diferentes e complexos campos de conhecimento. A área de estudos sonoros é extensa enquanto domínio de saber. Ela percorre desde o som como fenômeno, meio e objeto imagético, até seus suportes, métodos de representação, catalogação, recuperação e pesquisa, passando pela educação musical e o uso terapêutico da música. Os processos criativos, por sua vez, dizem respeito aos métodos e elementos cognitivos de idealização, concepção e realização de qualquer objeto, processo ou conceito. “Somos um grupo que reúne dois aspectos muito importantes para a espécie humana, que são a sensibilidade sonora e a utilidade dos processos criativos para nossa sobrevivência”, sintetiza seu coordenador.
Nesse lugar combinado de estudos, a tecnologia tem centralidade. Ao permitir novos modos de acesso a obras de grandes criadores e artistas dos séculos XX e XXI, por exemplo, ela torna possível olhares inovadores sobre seus processos de composição e criação. É o que comenta Schaub. “Os estudos do som e processos criativos vivem, hoje, um cenário completamente diferente de 20 ou 30 anos atrás em razão das inovações tecnológicas. E o seu desenvolvimento futuro, as questões de investigação a serem pautadas, também se relacionam com aquilo que a tecnologia vai permitir daqui para frente”.
Som em 360º
Imagine poder visitar um planetário sonoro e, através dos chiados e ruídos ali ouvidos, ser transportado ao pôr do sol no Pantanal ou a uma tarde de primavera na Mata Atlântica. Esta experiência realista é uma implicação prática esperada de um dos projetos de pesquisa vinculados ao grupo. Baseando-se nos princípios da psicoacústica e da estereofonia e com o objetivo de criar um sistema de reprodução sonora em 360º, o estudo possibilitou o desenvolvimento de um dispositivo inédito de captação de imagens sonoras a partir de seis microfones cardióides.
Situações da vida urbana e da natureza, apresentações de orquestra e de roda de samba são algumas das expressões sonoras registradas com o dispositivo e que já podem ser ouvidas em 3D, com uma representação muito próxima da realidade. Mannis garante: “Todos os que puderam ouvir a reprodução desses registros a acharam impactante. É como se você pudesse sentir a cena gravada”.
As simulações feitas servirão de ponto de partida para a estruturação de uma nova técnica de gravação e reprodução do som que incluirá mais parâmetros espaciais dentro dos componentes sonoros e poderá ser aproveitada em diversos setores profissionais, de museus de ciências à segurança pública. De acordo com Mannis, essa nova tecnologia terá condições de contribuir tanto para criar novas experiências sonoras como para monitorar a movimentação de corpos e fenômenos no espaço. Exemplos de aplicações desse monitoramento são a investigação do comportamento dos animais, o controle ambiental e até mesmo a identificação da origem de um disparo de arma de fogo.
Coordenada por Mannis, a pesquisa tem apoio do Laboratório de Sinais, Multimídia e Telecomunicações da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O Grupo de Estudos do Som e Processos Criativos é o primeiro grupo da Unicamp acolhido pelo IdEA. Para o futuro, o Instituto planeja receber outros grupos da Universidade. “Mannis tem sido um extraordinário colaborador do IdEA desde a sua criação e, agora, toma a frente de um dos grupos de discussões ligados à questão das vanguardas artísticas. Nossa intenção é ter grupos de áreas artísticas e científicas funcionando juntos, e quem sabe, compartilhando saberes inesperados entre si”, projeta Alcir Pécora, coordenador do IdEA.