A Unicamp enviará à Presidência da República, a todos os Ministérios, ao Congresso Nacional e ao Governo de São Paulo, moção da Universidade contra os cortes do governo federal nos recursos às bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O documento foi aprovado na terça-feira (03) pela Câmara de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) e pela Câmara de Administração (CAD) da Unicamp. O reitor Marcelo Knobel também anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir medidas emergenciais de apoio aos pós-graduandos atingidos pelo contingenciamento.
“A situação é dramática e estamos muito preocupados com os estudantes e com o futuro da ciência e tecnologia, que são áreas fundamentais para o desenvolvimento do país”, afirmou Knobel. Atualmente, CNPq e Capes aportam cerca de R$ 12 milhões mensais para financiamento de bolsas a 5 mil estudantes de pós-graduação na Unicamp. “No curto prazo, o eventual corte desses recursos trará prejuízos incalculáveis para estudantes e, no médio prazo, para o país como um todo”, ponderou. “Nenhum país em crise financeira corta recursos em educação e ciência, ao contrário, são essas áreas que permitem a recuperação e o desenvolvimento econômico”.
Ainda na tarde de terça-feira, após participar da reunião na CEPE, o reitor seguiu para São Paulo, onde se encontrou com o vice-governador, Rodrigo Garcia. “Queremos expor a difícil situação orçamentária das universidades públicas paulistas, que será ainda mais agravada com os cortes federais”, disse. “A preocupação maior é com os estudantes que dependem de bolsas para se manter na universidade”, completou.
O CNPq concede à Unicamp um total de 2.861 bolsas de diferentes modalidades, oferecidas aos estudantes de ensino médio e superior em nível de técnico, graduação e pós-graduação, para a formação de recursos humanos no campo da pesquisa científica e tecnológica, e de especialistas no desenvolvimento de pesquisa e inovação em empresas e centros tecnológicos.
Desse total, 690 bolsas são para doutorado e 488 para mestrado, apoiando a formação de recursos humanos em nível de pós-graduação; 698 para iniciação científica e 160 para iniciação científica júnior, com objetivo de despertar a vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes da graduação e do ensino fundamental, médio e profissional da rede pública, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica; 27 para pós-doutorado júnior e 6 para pós-doutorado sênior, destinadas à consolidação e atualização dos conhecimentos; 40 para iniciação tecnológica e 4 para iniciação tecnológica/indústria, visando o fortalecimento de equipes responsáveis pelo desenvolvimento de projetos de pesquisa, desenvolvimento ou inovação; e 700 bolsas em produtividade e pesquisa destinadas a pesquisadores que se destaquem entre seus pares, valorizando sua produção científica.
As bolsas estão divididas nas seguintes áreas: 643 em ciências exatas e da terra; 507 em engenharias; 448 em saúde; 336 em ciências humanas; 275 em ciências biológicas; 268 em ciências agrárias; 179 em linguística, letras e artes; 143 em ciências sociais aplicadas; 16 em tecnológicas; além de mais 16 bolsas em outras áreas. Segundo o chefe de gabinete, José Antonio Gontijo, nesse momento ainda não é possível saber quantas bolsas e quais seguimentos sofrerão os cortes, que passarão a ocorrer a partir de outubro, referentes às atividades de setembro. “Mas já tomamos providências para enfrentar a situação de forma emergencial”, disse.
Uma das medidas adotadas foi a designação, já na segunda-feira (02), de um grupo de trabalho (GT) destinado a estabelecer o Programa Emergencial de Apoio a Bolsistas do CNPq. Caberá ao GT definir e implantar, no prazo de trinta dias, eventual subvenção a alunos, através de acesso à alimentação, bolsa moradia, suporte à saúde mental e criação de um fundo de apoio. “Estamos estudando as alternativas para apoiar os estudantes nesse momento, mas não sabemos por quanto tempo essa ajuda será possível”, disse o reitor, destacando que eventual remanejamento de recursos internos terá de ser submetido ao Conselho Universitário.
Aos cortes no CNPq, soma-se a suspensão, também a partir de setembro, do cadastramento de novos bolsistas e a alteração de vigência das bolsas e taxas escolares atualmente oferecidas pela Capes, conforme circular divulgada na segunda-feira (02) pelo órgão federal. Na Unicamp, a medida afetará, em setembro, 31 bolsas de mestrado, 26 de doutorado e 1 de pós-doutorado. Em maio já haviam sido congeladas 17 de mestrado, 23 de doutorado e 3 de pós-doutorado. Em junho, foram afetadas mais 17, sendo 8 de mestrado e 9 de doutorado.
“Além de interromper pesquisas em andamento, os cortes ameaçam parcerias com setores estratégicos da indústria e projetos de inovação com a iniciativa privada”, pontuou o pró-reitor de Pesquisa, Munir Skaf, durante a sessão da CEPE que aprovou a moção. Outros participantes também se manifestaram: “É impossível dar sustentabilidade ao sistema de pós-graduação sem a renovação das bolsas”, disse o professor José Claudio Geromel, da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC). “A situação de muitos estudantes é desesperadora”, destacou Patrícia Kawaguchi, representante da Comissão Pró-Associação dos Estudantes de Pós-Graduação da Unicamp. “Foram firmados contratos com o CNPq e as pessoas programaram suas vidas com base nesses contratos”, completou.
Atualmente, são pagos R$ 400 como ajuda de custo para as bolsas do CNPq de iniciação científica (para alunos de graduação). Pesquisadores de mestrado ganham R$ 1,5 mil e, de doutorado, R$ 2,2 mil. No total, a Unicamp tem 4,8 mil bolsistas de pós-graduação, que, além do CNPq, usam outras fontes de financiamento, como a Fapesp e a Capes.
Leia abaixo a íntegra da moção:
Moção ao governo da República Federativa do Brasil
Ao mais recente anúncio de corte de 5.613 bolsas de pós-graduação, que seriam oferecidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), junta-se a divulgação do Projeto de Lei Orçamentária Anual, que prevê a redução em cerca de 50% dos recursos destinados ao mesmo órgão para 2020. Essas ações alarmantes explicitam um projeto sistemático de desmonte do ensino superior público, da ciência, da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico no Brasil. Esses cortes anunciados somam-se aos outros estrangulamentos orçamentários, que sucessivamente passaram a sufocar as universidades públicas federais, o principal órgão de fomento de pesquisa do país, o CNPq, bem como a Finep.
Não existe justificativa conjuntural para tal investida contra políticas de Estado que se desenvolvem há décadas no país, sob os mais diferentes governos, sendo os principais garantidores do desenvolvimento do Brasil. O que se desenrola hoje representa um retrocesso sem precedentes no desenvolvimento autônomo do país, que, se concretizado, resultará em perdas irrecuperáveis e irreversíveis, tanto econômicas, quanto sociais, e que levarão décadas para serem revertidas parcialmente. Um país sem um povo educado e sem ciência de qualidade não se consolida como nação desenvolvida e socialmente justa.
A presente política é a negação de todos os princípios voltados ao ensino superior, à pesquisa e ao desenvolvimento científico construídos no Brasil nos últimos 88 anos, sob os mais variados matizes políticos, desde o Governo Provisório de Getúlio Vargas.
Já o Decreto nº 19.831, de 11 de abril de 1931, em seu artigo 1º, afirmava que "o ensino universitário tem como finalidade: elevar o nível da cultura geral, estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos". A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é reafirmada 57 anos depois na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 207: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". Os profundos cortes que a CAPES, o CNPq e Finep e redes públicas de universidades, somados aos ataques infundados que os institutos de pesquisa estão sofrendo, impedem o cumprimento da missão universitária constitucionalmente estabelecida e geram um cenário obscurantista preocupante.
Não custa lembrar que tanto a CAPES, quanto o CNPq, foram criados em 1951 e sofrem agora, 68 anos depois, assédios sem precedentes. As missões de ambas as entidades fomentam as ações necessárias para o desenvolvimento de qualquer país que almeje um futuro digno para o seu povo, sem subterfúgios midiáticos. Juntas, essas instituições e o sistema público de universidades, estaduais e federais, contribuíram para que o Brasil passasse a ser respeitado internacionalmente. Esses órgãos de Estado são o sustentáculo e a garantia dos sucessivos Planos Nacionais de Ensino Superior, de Pós-Graduação e de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, lançados ainda no governo Ernesto Geisel, tendo entre seus objetivos e diretrizes gerais "formar pesquisadores para o trabalho científico, a fim de possibilitar a formação de núcleos e centros, atendendo às necessidades setoriais e regionais da sociedade". Sem ciência e tecnologia, sem liberdade de pensamento, não há desenvolvimento sustentável no longo prazo possível para o país.
A Universidade Estadual de Campinas manifesta-se veementemente contra esse desmonte do ensino superior público e da pesquisa do Brasil, que constituem o único consenso entre todos os governos, à exceção do atual, que se sucederam nas últimas nove décadas no nosso país.
Reitoria da Unicamp
Campinas, 04 de setembro de 2019