“Em uma sociedade que busca a tudo esquecer no imediatismo e no consumo, a ideia que a música possa ser documentada me parece, sem dúvida, cada vez mais uma prioridade”. Com essa citação, o simpósio de comemoração de 30 anos da Coordenação de Documentação de Música Contemporânea (CDMC) foi aberto pelo gerente do órgão, professor Tadeu Taffarello, na quarta-feira (26). Escrita por Jean-Marc Chouvel, na ocasião da comemoração dos 40 anos do CMDC francês, a frase foi lembrada por Taffarello para ilustrar tanto a cooperação com a França, que viabilizou a criação do centro no Brasil, como a missão de resgate da memória musical desenvolvida pela equipe do CDMC da Unicamp ao longo dessas três décadas.
O CDMC no Brasil foi fundado em 1989, por iniciativa do professor José Augusto Mannis. Mannis conta que, durante seu mestrado, em Paris, foi surpreendido pela forma como funcionava o Centre de documentation de la musique contemporaine. “A história do CDMC é a história de um jovem estudante que um dia descobriu uma biblioteca musical fantástica, fora do padrão comum, que não era uma biblioteca de músicas que documentava obras que já estavam consagradas na história, mas era uma biblioteca que documentava tudo que estava em ebulição na atualidade”, conta.
Ao terminar o mestrado, o docente decidiu formular um projeto para criação do CMDC brasileiro, que foi aceito pelo Ministério das Relações Exteriores da França. Em 1988, o Conselho Universitário (Consu) da Unicamp aprovou por unanimidade o convênio entre a instituição e CDMC francês. A partir daí, teve início o processo de consolidação do CDMC na Universidade. Em 1º de setembro de 1989, o então Centro de Documentação em Música Contemporânea foi inaugurado. Em 2009, o CDMC virou uma Coordenação, integrada ao Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural (CIDDIC). “Pude ter a honra e o prazer de trazer para o Brasil essa estrutura que criou um marco na documentação brasileira musical e na música contemporânea. Nós trouxemos para cá a ideia de que a música contemporânea é constituída de uma rede internacional de pessoas que estão pesquisando e elaborando a música do nosso tempo”, afirma Mannis.
CDMC impulsiona a música contemporânea
O professor explica que o modelo de biblioteca do CDMC é diferente das bibliotecas tradicionais, pois não trabalha apenas com obras consagradas pela história, mas reúne também aquelas que ainda não foram descartadas pelos filtros da crítica. “O interesse disso é que eu posso ter um conhecimento da tendência do desenvolvimento da arte do momento. Essa é uma característica completamente distinta de um centro dedicado a um repertório estabelecido”, elucida. Dessa forma, o CDMC consagrou-se também como um importante centro de fomento à análise, suscitando novas maneiras de se investigar o que Mannis chama de “músicas de risco”, ou seja, aquelas que ainda não foram enquadradas.
Conforme Mannis, nos 30 anos de trabalho do CDMC “a música contemporânea teve um salto de qualidade, um salto de integração e um processo de internacionalização que se iniciou nessa época e que não para de crescer até hoje”. O CDMC, que foi pioneiro na documentação de música contemporânea no Brasil, também foi a primeira biblioteca a disponibilizar documentos musicais, partituras e registros sonoros num sistema automatizado de bibliotecas com acesso remoto. Com isso, usuários podem acessar o arquivo de qualquer lugar, e entrar em contato com a equipe para tirar dúvidas.
Durante as três décadas de atuação, o CDMC agregou um acervo de mais de 10 mil partituras, gravações, livros e periódicos. “A principal importância do acervo é não deixar a memória morrer, e realmente promover e difundir esse conhecimento artístico que foi criado ao longo dos séculos XX e XXI sobretudo, tanto academicamente, na pesquisa musicológica e análise musical, como também a difusão artística dessas obras”, pontua Tadeu Taffarello, gerente do órgão.
Durante a trajetória do CDMC, diversas cooperações estabeleceram-se. Com a colaboração de artistas e pesquisadores que possuíam um acervo musical, por exemplo, os fundos e coleções do órgão foram se constituindo. Um dos grandes doadores de obras foi o compositor e ex-professor da Unicamp, Almeida Prado, conhecido principalmente pelas técnicas desenvolvidas no piano. A coleção Almeida Prado possui mais de 570 obras em catálogo, doadas pelo próprio artista pouco tempo antes de se aposentar da docência, em 2000, e é uma das mais pesquisadas no acervo.
Outro destaque na história do CDMC foi sua integração com a Association of Music Information Centres (IAMIC), quando o Brasil passou a fazer parte de uma rede mundial de criação e documentação de música, promovendo uma internacionalização. Mannis conta que a principal contribuição do CDMC com outros centros da IAMIC foi na esfera do tratamento de informação. Além disso, o CDMC também já integrou o Conselho de Música da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), representando o Brasil.
Em relação às produções, o Guia da Música Contemporânea Brasileira intitulado Musicon foi uma publicação pioneira no Brasil, desenvolvida pela CDMC. Lançado em 1995 para suprir uma carência de informações sobre a música brasileira, o Musicon hoje está sendo reformulado e deve ser relançado em breve.
Simpósio 30 anos
A fim de celebrar e rememorar essa história, foi organizado o simpósio “CDMC 30 anos: documentação, criação e performance”, que teve início no dia 25 de setembro e segue até o dia 28 do mesmo mês. O evento abarca palestras, mesas redondas, workshops, conferências, concertos e apresentações de trabalhos científicos. Tadeu Taffarello, organizador do simpósio, conta que a programação tem como objetivo a troca de experiências e de produções científicas e artísticas vinculadas ao CDMC.
A mesa de abertura do evento foi composta por Tadeu Taffarello; Angelo José Fernandes, coordenador do CIDDIC; Raluca Savu, assessora da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen) e por Fernando Hashimoto, pró-reitor de Cultura e Extensão, que na ocasião representou o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel. Para o pró-reitor, o simpósio referente aos 30 anos envolve a celebração de uma importante atuação do CDMC que se refere, primeiramente, às pessoas envolvidas na formatação do projeto, especialmente José Augusto Mannis. “O professor Mannis conseguiu trazer o CDMC em um período que nem se falava tanto em internacionalização”, pontuou. Já no âmbito da comunidade, disse, o órgão é uma base sólida para aqueles que desejam fazer pesquisa e composição no campo da música contemporânea, especialmente a brasileira. Hashimoto também salientou a relevância do CDMC nas trajetória dos pesquisadores e compositores, incluindo a sua. “O repertório brasileiro mudou toda minha pesquisa e também as minhas performances. Me apaixonei pelo tema e o CDMC e outros centros também foram muitos importantes para moldar minha pesquisa”, compartilhou.
Após a abertura, houve a conferência com Mannis, que expôs uma panorama da atuação do CDMC. O docente evidenciou a atuação do CDMC na análise, difusão, documentação, criação, inovação e na mudança de paradigmas na esfera da música contemporânea e da compreensão do papel da arte.
O simpósio também trouxe convidados, que serão responsáveis por workshops e por alguns dos concertos, e que possuem de alguma forma uma conexão com a história do órgão. Michel Redolfi, por exemplo, é um compositor e designer de som francês que esteve na Unicamp para a inauguração do CDMC brasileiro, apresentando um concerto subaquático, realizado na piscina da Faculdade de Educação Física (FEF). Já Anna Maria Kieffer é intérprete vocal e musicóloga e atuou na vanguarda musical da década de 1960, cantando autores que são relevantes para o acervo do CDMC, como Conrado Silva e Gilberto Mendes. Dessa forma, o evento celebra também a integração de artistas que formam uma rede atuante na produção e na difusão da música contemporânea.
Saiba mais sobre a programação na página do evento.