Luiz Philippe Vieira de Mello, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), fez veementes críticas à reforma trabalhista durante visita à Unicamp na tarde de sexta-feira, definindo como meros devaneios as expectativas trazidas por ela. “A reforma foi transformadora e teve impactos contundentes no direito social, no direito do trabalho. A economia até agora não respondeu a nada do que foi prometido. A meu ver, há a desconstrução de um sistema que veio progressivamente sendo estabelecido ao longo de 70 anos, criando uma perspectiva protetiva para os trabalhadores brasileiros. Agora estamos na esfera individual dos contratos de trabalho, com rescisões extrajudiciais, sem preservação das normas cogentes trabalhistas.”
Vieira de Mello reuniu-se com o reitor Marcelo Knobel para assinatura de um convênio da Unicamp com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), do qual é diretor. O acordo de cooperação prevê cursos de formação nas áreas econômica e trabalhista para magistrados de todo o país. O ministro participou em seguida do evento “A realidade após a implementação da reforma trabalhista e condições de trabalho”, organizado pelo Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) do Instituto de Economia (IE), em que houve um debate e o lançamento de dois livros sobre o tema: “Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidades” e “Trabalho e Ação Coletiva no Brasil: contradições, impasses e perspectivas”.
Além do direito individual do trabalhador, o ministro do TST atenta agora para a desestruturação do direito coletivo e, sobretudo, para o esfacelamento do sistema sindical brasileiro. “Acho que uma democracia sem a participação sindical, sem um equilíbrio de interesses entre o capital e o trabalho, não tem condição de produzir bom resultado. Na verdade, vamos ter uma imposição da força sobre os mais vulneráveis e os mais oprimidos, num país extremamente desigual – nossa população se inscreve entre as dez mais desiguais do mundo, com uma concentração de renda em 1% dos brasileiros, e eu não acredito que um país possa ser construído com tanta fragilidade econômica.”
Segundo Luiz Philippe Vieira de Mello, estima-se que houve uma queda de 30% no número de ações trabalhistas em decorrência da restrição de acesso gratuito do empregado à Justiça, imposta pela reforma, mas é de opinião que os acordos extrajudiciais são ainda mais atentatórios. “Como a jurisprudência sempre vai sendo mudada, a restrição de acesso acaba equacionada. No entanto, quando se permite que o trabalhador faça um acordo com alguém, em algum lugar, sem nenhum controle, me parece que temos efetivamente um problema muito grave.”
O magistrado vê com seriedade o que seria uma tentativa de enfraquecer ou mesmo acabar com a justiça trabalhista no Brasil, definindo-a como parte de um projeto de ascensão do capital sob a perspectiva de que, em um Estado mínimo, a livre iniciativa não sofreria qualquer restrição. “O capital sempre precisou do Estado. Então, o discurso na verdade não é sobre um Estado mínimo, é sobre um Estado só para o capital. E não de um Estado regulador e que proteja também os mais desvalidos, aqueles que realmente precisam de uma regulação estatal para estabelecer uma economia mínima – eu não imagino que o capitalismo funcione sem circulação de renda, não sei quem serão os consumidores desse produto final.”
O diretor da Enamat observa que temos no Brasil quatro ramos do direito que, imprescindivelmente, devem ser protegidos: o direito do trabalho, o direito do consumidor, o direito ambiental e o direito antitruste. “Os direitos do trabalho e do consumidor lidam com os vulneráveis; o ambiental trata do que é essencial para a vida humana, que é a preservação do meio ambiente; e o direito antitruste, para impedir fusões e grupos monumentais que tomem conta da economia e acabem com a própria concorrência. Para que o país possa ter um futuro promissor, esses direitos precisam ser garantidos. Esse movimento de flexibilização, ou de um “empreendedorismo” entre aspas, não vai fazer com que a economia circule. Gostaria de estar errado e, se estiver, vou me penitenciar com muita alegria, mas não vejo nenhuma chance de isso dar certo.”
Curso para magistrados
A Unicamp já oferecerá um primeiro curso para mais de 40 juízes do trabalho do Brasil, no âmbito do TRT da 15ª Região (Campinas), ao longo da última semana de novembro, aqui no IE – estão previstos outros cursos em regionais de Brasília, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba, entre outros. “O convênio consiste em aulas como de macroeconomia, desenvolvimento econômico, mercado de trabalho e economia brasileira”, explica o professor Denis Maracci Gimenez, diretor do Cesit. “Para o próximo ano, ainda vamos desenhar um planejamento mais preciso, mas queremos ir até as regiões e, também, estender as atividades para pesquisas que auxiliem os magistrados na compreensão do está acontecendo na economia e no mercado de trabalho”.
Denis Gimenez participou da reunião de assinatura do acordo de cooperação no Gabinete do Reitor, juntamente com Marcelo Knobel, o ministro do TST, a desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa (diretora da Escola Judicial do TRT-15) e André Biancarelli (diretor-adjunto que assume a direção do IE na próxima semana). “Para a Unicamp, é um acordo importante por estabelecer vínculo com o TST e, mais que isso, por estar cumprindo um papel importante no debate público nacional, além de se inserir no processo de formação de uma elevada carreira pública, que é fundamental para o país.”
O ministro Vieira de Mello considera que o convênio vai ser muito útil por oferecer elementos e informações importantes que poderão influenciar a magistratura brasileira, que em sua opinião precisa de uma correção de rota. “Temos uma magistratura elitista. É preciso recrutar juízes pelo país e trazer a representação da população brasileira para dentro das decisões judiciais; para que a magistratura consiga ver o outro: aquele que ela julga, o membro da sociedade que espera uma justiça total, não apenas uma justiça que decida casos, mas que pacifique, concilie, resolva conflitos e atenda assim a necessidades emocionais, econômicas e sociais.”
A desembargadora Maria Inês Targa recorda que foi aluna de um curso da primeira parceria entre o Instituto de Economia e o TRT-15, em 2001, e se diz extremamente feliz com a assinatura do convênio entre Unicamp e Enamat. “Nos últimos 15 anos, os estudos em economia do trabalho feitos nesta casa mudaram o teor e impactaram fortemente nas decisões dos juízes do Trabalho, levando, portanto, a decisões mais justas, mais céleres, mais adequadas para o jurisdicionado. O convênio é muito bom para a concretização desses estudos, que mudaram minha carreira e minha vida. Que essa parceria renda muitos frutos mais.”
Balanço do 1º ano da reforma
Jose Dari Krein, professor do IE e pesquisador do Cesit, organizou o evento de 27 de novembro em que se debateu “A realidade após a implementação da reforma trabalhista”, quando foram lançados dois livros que resultam de um trabalho conjunto com o Ministério Público do Trabalho. “Realizamos no ano passado um seminário nacional em Brasília para um balanço do primeiro ano da reforma trabalhista [de 2017]. A partir desse seminário, começamos a produzir um material que expressasse as discussões promovidas com o MP. Os livros vêm do esforço dentro da Remir (Rede de Estudos de Monitoramento Interdisciplinar), criada para captar os impactos da reforma no mundo do trabalho, na ação coletiva e no mercado.”
Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidade é a primeira publicação da Remir, reunindo análises de professores e pesquisadores de instituições brasileiras que se debruçam sobre a temática. O objetivo geral do livro é municiar o grande público com informações baseadas em investigações realizadas por integrantes da rede: são pesquisas a partir de fontes secundárias, com análise e construção de indicadores com base em dados pré-existentes (como a RAIS, o CAGED e a PNADC), e também de fontes primárias, com produção original de informações, como entrevistas com trabalhadores e sindicalistas.
O livro foi organizado por José Dari Krein, Roberto Véras de Oliveira e Vitor Araújo Filgueiras, com o argumento de que a reforma trabalhista não cumpriu as promessas que embasaram sua implementação, especificamente de redução do desemprego e do aumento da formalização. Vitor Filgueiras indica já no primeiro capítulo, por exemplo, que no caso da formalização, pelo contrário, há fortes indícios de que a reforma tem incitado sua redução. Por outro lado, Dari Krein e Roberto Véras, que assinam conjuntamente dois capítulos, mostram que predomina o recrudescimento da precarização e que as alterações legislativas reforçam ou criam novas modalidades de contratação, remuneração e tempo de trabalho.
O segundo livro, Trabalho e Ação coletiva no Brasil: contradições, impasses e perspectivas (1978-2018), organizado por Iram Jácome Rodrigues, lembra que 40 anos se passaram desde as greves de 1978 e que a partir da paralisação ocorrida na fábrica da Scania em São Bernardo do Campo, iniciada em 12 de maio daquele ano, o país assistiu ao maior ciclo de greves de sua história protagonizado por trabalhadores urbanos e rurais. A coletânea aborda os desdobramentos das ações coletivas nestes 40 anos, as mudanças ocorridas em seu interior (formas de luta, estruturas organizativas, processos de institucionalização e relações com a política, economia e sociedade). Também traz uma reflexão sobre os dilemas da instituição sindical e da ação dos trabalhadores neste século XXI.
Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidade
José Dari Krein, Roberto Véras de Oliveira, Vitor Araújo Filgueiras (organizadores)
Editora Curt Nimuendajú
Apoio: MPT – Ministério Público do Trabalho
Download gratuito:
http://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf
Trabalho e ação coletiva no Brasil: contradições, impasses, perspectivas (1978-2018)
Iram Jácome Rodrigues (organizador)
Annablume Editora
Formato: 16x23 cm, 430 páginas
ISBN: 978-85-391-0949-4
Preço: R$ 64,00