A assembleia necessária
Há poucos meses escrevi uma resenha para lembrar os 50 anos do livro “A universidade necessária”, de Darcy Ribeiro, publicado em 1969[i]. O necessário passou novamente a ser urgente e tomo parte daquela resenha para escrever esta, sobre um capítulo que ainda acontecerá: a Assembleia Extraordinária, convocada pelo Conselho Universitário da Unicamp para daqui poucos dias, 15 de outubro, terça-feira: em defesa da ciência e da educação pública!
A assembleia é um novo capítulo de uma longa história. Fundada em 1966, a Unicamp foi capa de revista antes de completar 10 anos. Em 1975 já era relevante em ensino e pesquisa, sem que precisássemos de rankings, então inexistentes, para atestá-lo. Os rankings baseiam-se na falácia de que o todo é simplesmente a soma das partes. Não é, o todo é diferente. A capa da Veja em questão aludia a “um ousado seminário promovido pela universidade (que) punha fim a onze anos de isolamento e silêncio no meio acadêmico”[ii].
Aos 15 anos, em 1981, sua grande crise, com interventores externos impostos e depois expulsos, estava imbricada com a consulta à comunidade para a escolha de um novo reitor, vencida com ampla margem por Paulo Freire, que, por fim, não viria a ser reitor[iii]. Ao final da mesma década, a universidade abrigava um ciclo de encontros para pensar o Brasil para este século em que estamos[iv]. A iniciativa é retomada agora 30 anos depois com o ciclo “A crise Brasileira”, organizada por nosso Instituto de Estudos Avançados[v]. Junta-se a esse ciclo a assembleia da semana que vem, aprovada pelos representantes e entidades de toda a comunidade universitária.
O que esses momentos dessa breve linha do tempo representam e qual a relação com a universidade necessária de Darci Ribeiro? Esses eventos talvez sejam os mais evidentes em que a universidade deixa de simplesmente almejar uma “modernização reflexa” (as aspas a partir de agora são todas de Darcy Ribeiro) que é “baseada na suposição de que, acrescentando certos aperfeiçoamentos ou inovações a nossas universidades, vê-las-emos aproximar-se cada vez mais de suas congêneres mais adiantadas até se tornarem tão eficazes quanto elas”. Nos momentos como a da futura assembleia a universidade se declara partidária do “crescimento autônomo”, podendo “representar um papel ativo nos esforços de superação do atraso nacional, se intencionaliza suas formas de existência e de ação com esse objetivo”.
Nesses e em outros momentos a universidade mostra que não é “inconsciente de si mesma e da sociedade à qual serve”, que não é uma mera “abstração institucional que se concretiza somente nos atos solenes”, enquanto seus membros cuidariam apenas da soma das partes em seus departamentos. Nesses momentos e em outros movimentos recentes, a universidade busca superar os “dilemas e falácias”: “humanismo versus praticismo”[vi], “cientificismo versus profissionalismo”[vii], “elitismo versus massificação”[viii] e encara os “desafios cruciais”, que estão ligados às “responsabilidades da universidade”. Entre essas responsabilidades encontram-se os da “universidade e a nação”, nas palavras de Darcy Ribeiro, nas quais percebemos que a defesa dessas responsabilidades é urgente e necessária, pois são atacadas em todas as suas dimensões.
“Os corpos acadêmicos têm responsabilidades políticas iniludíveis de defesa do regime democrático porque esta e a condição essencial para o exercício fecundo e responsável de suas funções. Esta responsabilidade deve ser exercida dentro de um ambiente de convivência livre de todas as correntes do pensamento”.
“O contexto social a que serve a universidade, sobre o qual ela influi e do qual recruta seus docentes e estudantes, deve ser o mais amplo possível”.
“A cooperação e integração entre as universidades nacionais e entre estas e as universidades estrangeiras, deve ter como objetivo explícito a conquista da autonomia de desenvolvimento
cultural”.
“A formulação de um projeto próprio de desenvolvimento é requisito indispensável para que as universidades de áreas subdesenvolvidas possam estabelecer relações fecundas com outros centros universitários”.
“As relações externas da universidade devem ser orientadas pela preocupação permanente de não se deixarem atrelar a programas de modernização reflexa, porquanto estes, embora possam proporcionar alguma eficiência aos serviços universitários e dar lugar a algum progresso, a longo prazo a condenam globalmente a operar junto a seu próprio povo como um instrumento de alienação e, consequentemente, de perpetuação do subdesenvolvimento nacional”.
“O caráter intergeracional da universidade e os recursos intelectuais que ela concentra, lhe impõem, como tarefas iniludíveis, o questionamento da ordem social e o debate mais amplo e responsável das perspectivas que se abrem a nação de integrar-se autonomamente na civilização de seu tempo, dentro de prazos previsíveis”.
[i] http://www.comciencia.br/urgencia-da-universidade-necessaria/
[ii] https://veja.abril.com.br/blog/reveja/a-unicamp-ensina-o-brasil-a-pensar/
[iii] https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2006/ju331pag6-7.html
[iv] http://www.idea.unicamp.br/acervo/brasil-seculo-xxi
[v] http://www.idea.unicamp.br/eventos/educador-mozart-ramos-discute-crise-da-educacao-em-23-de-outubro
[vi] Falácia colocada em um dos primeiros ataques contra as ciências humanas em favor do “retorno imediato à sociedade”.
[vii] Seguindo na toada do ataque na menção acima contra as “ciências puras” em geral.
[viii] Ataques contra a inclusão.