“A universidade pública tem necessariamente um compromisso muito forte com os direitos humanos, por princípio, porque tudo que a gente faz tem que retornar para a sociedade e esse retorno não pode de maneira nenhuma resultar em dano a outros seres humanos”, analisa Néri Barros de Almeida, diretora da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH) da Unicamp. Criada em março de 2019, a DeDh possui como missão promover a equidade, a diversidade e a pluralidade no âmbito da comunidade acadêmica.
A Diretoria e as instâncias ligadas a ela, explica Néri, são oriundas de Grupos de Trabalho (GTs) que informaram a criação das comissões assessoras no novo órgão. “Essa Diretoria Executiva não é resultado de um momento apenas. Ela é resultado de demandas históricas que deram origem a vários Grupos de Trabalho e a DeDH foi uma ideia que se teve, uma maneira que se propôs de se atender a todas essas pautas num mesmo ambiente, com grande responsabilidade”.
Políticas de curto, médio e longo prazo estão no horizonte da DeDH, que do início do ano até meados de julho formalizou cinco instâncias para traçar estratégias referentes a temas caros à sociedade. São elas: Comissão Assessora do Observatório de Direitos Humanos; Comissão Assessora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello de Refugiados; Comissão Assessora de Diversidade Étnico-Racial; Comissão Assessora de Política de Combate à Discriminação baseada em Gênero e/ou Sexualidade e à Violência Sexual e Comissão Assessora de Acessibilidade. As comissões reúnem atualmente 101 pessoas, entre membros da comunidade acadêmica e membros de entidades organizadas da sociedade civil.
Enfrentamento às violações requer denúncias
A diretora da DeDH chama atenção para o fato de que os canais de apoio à comunidade acadêmica seguem existindo, já que a Diretoria não tem o objetivo de substituí-los, mas de atuar conjuntamente, aperfeiçoando protocolos e analisando dados no intuito de formular políticas consistentes para uma universidade alinhada aos direitos humanos. “A função da DeDH é fazer diagnósticos da situação para cada uma dessas pautas e propor ações e políticas para os órgãos da universidade. Nosso trabalho não é um trabalho solitário e isolado, é um trabalho que se baseia no levantamento de dados, na reflexão sobre as questões, sobre os problemas, na discussão sobre as soluções, que podem ser pontuais ou que exigem políticas de longa duração”, explica.
Ela também ressalta procedimentos que devem ser tomados em situações de emergência. Em caso de violência sexual, o membro da comunidade acadêmica deve procurar o CAISM, solicitando se necessário o serviço VIDAS, ambulância de atendimento da Unicamp. Se precisar de segurança e ajuda no deslocamento, pode ligar para a Secretaria de Vivência, através do telefone 3521-6000, e solicitar apoio no trajeto. A escolta em situações que a pessoa se sinta ameaçada também pode ser requisitada pelo telefone ou através do Botão do Pânico, aplicativo de celular que aciona a vigilância em situações de risco e/ou vulnerabilidade, incluindo as situações de agravo à saúde.
“Em qualquer hipótese, seja em atendimento de violência sexual, crise de saúde, psicológica, violência física, passada a situação de emergência, é fundamental que a pessoa vá à ouvidoria. Lá ela vai ter um atendimento totalmente de acordo com o que determina a lei, discreto, que não vai expô-la, e que vai protegê-la de todo o tipo de temor que a pessoa possa ter”, salienta Néri. A diretora explica que só com as denúncias, mesmo que sejam casos menos emergenciais, é possível sistematizar dados sobre o que ocorre nos campi da Unicamp e, assim, ter um embasamento para propor políticas de enfrentamento que sejam eficientes e compreendidas pela comunidade.
Ampliando a visão dos direitos humanos
“Não existe direitos humanos de uns e de outros, todo mundo tem direitos humanos. Não estamos falando nem de direita nem de esquerda, mas de uma política que tem que ser abrangente”, define a professora, contrapondo discursos que recorrentemente colocam os direitos humanos como excessivos ou alinhados a um espectro ideológico. Para ela, ainda há muito desconhecimento sobre o que são esses direitos, os quais, em síntese, versam sobre as condições necessárias a uma vida plena, como o acesso à justiça, à moradia, à educação, à liberdade de expressão, entre outros. “Acho muito difícil que uma pessoa que se depare com esses direitos humanos diga que eles são abusivos, ou sinta ou pense que eles são excessivos”, observa. Dessa forma, a DeDh atua também para expandir a visão sobre o que são os direitos humanos, desfazendo alguns mitos que perpassam o tema.
Néri, que é professora no Departamento de História da Unicamp, observa que a reação de contestação dos direitos humanos também tem relação com a expansão de uma consciência global sobre os direitos mínimos. “O avanço dessa convicção gerou uma reação muito forte e essa reação não está falando sozinha, ela está falando diante de um tecido social que é esse, mais consciente dos direitos. Eu tenho certeza que há pessoas que veem os direitos humanos como uma perda dos seus próprios direitos. Na verdade, são questionamentos de privilegiados”.
A diretora ressalta, ainda, que em períodos de contestação, é crucial que a Unicamp se mantenha no compromisso de atuar nas demandas da sociedade, que também incluem as demandas pelos direitos humanos. “Nesse momento em que há um questionamento por alguns segmentos da sociedade sobre o que significam os direitos humanos e sobre a legitimidade dos direitos humanos, eu acho natural que a universidade se mantenha coerente com os dados que ela tem e com a missão que ela recebeu da sociedade”.