Ampliar a percepção de jovens sobre ciência e tecnologia é um desafio crucial para os divulgadores científicos. A questão foi colocada em pauta pela pesquisadora Ione Mendes, que desenvolveu a pesquisa “Percepção de Jovens Cariocas sobre Ciência e Tecnologia”, durante a terceira palestra dos Seminários de Percepção Pública de Ciência e Tecnologia, iniciativa do programa de mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. A pesquisa revela que, apesar de esse público cultivar uma visão otimista sobre C&T como um todo, é preciso investigar até onde há inserção no cotidiano. A pesquisa de Mendes, mestre em divulgação científica pela Casa de Oswaldo Cruz (COC-Fiocruz), foi realizada sobre um recorte de jovens de 18 a 24 anos – os “nativos digitais”, geração que nasceu conectada às tecnologias de nova geração – e envolveu, além de entrevistas presenciais e questionários online, uma síntese de dados de estudos anteriores. Mendes, responsável pelas cinco edições do Dossiê Universo Jovem MTV (1999, 2000, 2005, 2008 e 2010), reuniu assim informações sobre atitudes, interesse e apropriação social e cotidiana da C&T por esse público específico.
O mercado de trabalho é um campo bastante relacionado à tecnologia durante as entrevistas, principalmente levando em conta que os jovens declararam que alcançar estabilidade financeira é prioridade para um futuro próximo. “Quando falamos do desenvolvimento tecnológico relacionado ao mercado de trabalho, temos uma divisão clara: é visto como ameaça para os que têm menos recursos e como grande oportunidade para quem tem mais recursos”, diz a pesquisadora. A tecnologia aplicada à comunicação também é protagonista no cotidiano desse público: os entrevistados reconhecem que ferramentas como smartphones e computadores facilitam o contato interpessoal e propiciam acesso mais generalizado à informação. No entanto, assumem que muitas vezes encaram certos desconfortos causados por esses avanços, como o fato de que as telas “aproximam os distantes e afastam os próximos”, em referência ao isolamento dos usuários em relação ao mundo real, o que gera também uma dificuldade de discernimento de realidade “Eles têm muita dificuldade de identificar o que é verdadeiro e o que não é.”
A pesquisadora enfatiza que os jovens estão cientes da convivência com os frutos da C&T no cotidiano, mas a facilidade de acesso e a familiaridade com as tecnologias que estão na palma da mão acabam fazendo com que outros frutos das pesquisas científicas e tecnológicas não sejam levados em consideração em seus discursos sobre o tema. “Essa alta visibilidade dos aparatos tecnológicos que estão ali nas mãos deles acaba assumindo o protagonismo e ofusca outros desenvolvimentos e outras possibilidades da tecnologia.” Mendes destaca que os jovens que participaram do estudo, ao serem questionados sobre o tema, se referem às tecnologias digitais e de transporte com muito mais frequência do que aos demais produtos científicos e tecnológicos: “Eles não olham para uma geladeira e veem tecnologia naquilo. Não está no discurso. Essa tecnologia às vezes se torna invisível.”
Essa percepção distorcida impacta diretamente na formação de opinião da comunidade sobre C&T. Ao priorizarem certas tecnologias como mais importantes, no momento em que eram questionados sobre investimento de recursos em pesquisas, os entrevistados destacam que determinados campos devem receber mais investimento e outros, menos. Além disso, enfatizam que não conhecem o suficiente sobre o quanto se gasta com ciência e tecnologia para aferir a necessidade de aumentar o financiamento. Para ambos os problemas, é evidente o papel da divulgação científica na disseminação do conhecimento produzido e de todos os mecanismos envolvidos ao longo do processo, de forma a generalizar a visão de que a C&T está embutida, em suas mais diversas faces, em todo o nosso cotidiano: “Talvez seja uma questão para a comunicação da ciência. Ver o quanto de ciência está embutido na tecnologia e o quanto esse campo é amplo, até para valorizar mais.”