"Nossas universidades estão envolvidas pelos problemas e pela variedade cultural, social e política das sociedades que as criam e as contêm". É partindo do princípio que as Universidades são indissociáveis das questões da sociedade que Maria Elina Estébanez, professora da Universidade de Buenos Aires (UBA) e coautora do Manual de Valência, iniciou a conferência "Relação Universidade-Sociedade no século XXI", realizada no auditório do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, no dia 18. O seminário "A Relação Universidade-Sociedade no século XXI: Desafios e Perspectivas para Avaliação da Terceira Missão" contou com discussões acerca da avaliação e valorização das atividades de extensão universitária, que abrangem uma gama de ações desenvolvidas pela comunidade acadêmica, visando tornar mais próximo da comunidade o conhecimento produzido nas instituições de ensino superior.
As atividades de vinculação, outro termo para se referir à extensão, são previstas na Constituição como o terceiro papel das Universidades há mais de 30 anos, junto à pesquisa e ao ensino. Diversas Unidades da Unicamp já desenvolvem práticas do tipo, como o Projeto Vila Paula – que trabalha no desenvolvimento de atividades lúdicas, médicas e psicológicas em uma ocupação em Campinas. O projeto, realizado por professores e alunos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), foi apresentado durante o evento pelo pesquisador Rubens Bedrikow, que coordena a equipe.
Apesar de serem numerosas, ainda há dificuldade para definir métricas de impacto e formas de pontuação para as atividades de extensão. É neste ponto que o Manual de Valência procura contribuir. "O principal resultado esperado é que as próprias universidades usem essa ferramenta como um elemento de reflexão, que a instituição o utilize para poder pensar nos problemas da vinculação e possa definir suas políticas sobre isso", enfatizou Estébanez.
O seminário foi organizado pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT-IG), em parceria com o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (ProEC). A pesquisa para a produção da proposta metodológica contida no Manual de Valência incluiu análises-piloto em seis países: Brasil, Argentina, Espanha, Colômbia, México e Uruguai. No Brasil, a coleta de dados foi feita na Unicamp pela pesquisadora do Labjor Simone Pallone e incluiu a análise de diversos aspectos da relação universidade-sociedade, abrangendo desde o oferecimento de atividades sem fins lucrativos até a contratação de serviços externos.
A proposta de medir a vinculação da Universidade com a comunidade promete trazer benefícios diretos para ambas as partes, já que esse conhecimento pode servir de base para a elaboração das agendas de Pesquisa e Desenvolvimento e para a criação de políticas de valorização de tais ações. Para Ana Célia de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que participou da mesa-redonda “Terceira Missão e a Universidade do Século XXI: Desafios e perspectivas”, medir as atividades de extensão é também uma forma de mensurar a produção de conhecimento feita nas Universidades: "Na realidade, o que a gente faz é vinculação o tempo todo, não só eu, a Universidade, todos nós, mas a gente precisa dizer para deixar muito mais claro qual é o impacto do imenso território de produção que é a Universidade brasileira". Eduardo Gurgel, diretor do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, que participou da mesma mesa, destacou ainda que há muito a explorar com o potencial das atividades de extensão: "Nós temos um campo enorme nesse terceiro papel da Universidade, que talvez seja o primeiro", afirmou.
Maria Elina Estébanez concedeu uma breve entrevista ao Portal da Unicamp:
Portal - A senhora falou sobre a Universidade como sendo parte da sociedade. Como então a Universidade pode aproximar a ciência daquelas pessoas que estão fora da vida acadêmica?
Maria Elina - A forma mais conhecida, obviamente, o jovem, o cidadão que não pôde seguir os estudos universitários ainda assim precisa de conhecimento, para seu bem-estar, para o trabalho, para sua saúde, para sua vida cotidiana. Essa demanda por conhecimento pode encontrar resposta na universidade. A universidade deve chegar a essa população através de instrumentos apropriados, que difundam, através do processo de divulgação científica, ou que levem essas instalações, esses serviços universitários a esses lugares. Esse é compromisso social, sobretudo da Universidade pública, de levar esse conhecimento para esses lugares.
Portal - Esse evento é, em parte organizado pelo Labjor. No contexto da multiplicidade de relacionamentos externos, qual o papel dos divulgadores científicos nessa aproximação com a sociedade?
Maria Elina - Obviamente o divulgador científico tem um peso particular porque a divulgação através de seus distintos instrumentos, incluindo o manejo de meios passivos, como os jornais, chega muito mais adiante. Tem a capacidade de atingir um público muito amplo. Podem converter o conhecimento técnico, especializado e complexo em um elemento apropriado. A divulgação científica é um dos canais mais fortes e interessantes que temos na universidade para que esse conhecimento não fique restrito e chegue aos cidadãos.
Portal - Por que acha que temos a tendência de ver a Universidade como algo à parte da Sociedade?
Maria Elina - Muitas vezes porque os mecanismos de apropriação do saber especializado estão posicionados na sociedade como um conhecimento que só pode ser controlado, regulado e avaliado por um conjunto muito especializado de profissionais. Isso faz com que a gente não intervenha, e acabe mostrando a ciência como um campo muito especializado, complexo, que outros atores não podem opinar.
Portal - Que resultados esperar com a metodologia proposta pelo Manual de Valência?
Maria Elina - O resultado principal é que essa ferramenta seja um elemento de reflexão da própria instituição, que o utilize para poder pensar no problema de vinculação, da extensão, e possa definir suas políticas sobre isso.