“Em 2004, às 6h da manhã de uma quinta-feira, dia 15 de abril, assassinaram um docente do povo indígena Kankuamo. Era a morte número 382, em 10 anos, no meu povo. Esse professor era meu pai, assassinado, torturado e humilhado”, relembra Oscar Montero, que hoje é membro da Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC) e liderança do povo Kankuamo, localizado no norte da Colômbia. De lá para cá, subiram para 450 os assassinatos contra os Kankuamo e, nas últimas 48 horas, oito indígenas de diferentes povos foram mortos por grupos armados no país.
Os últimos homicídios elevaram para 192 o número de mortos desde o acordo de paz entre o Estado e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), em novembro de 2016. “Estamos sendo mortos por todos. A FARC nos mata, as guerrilhas nos matam, os paramilitares nos matam, as forças públicas e o Estado nos matam. Há um genocídio físico e cultural contra os povos indígenas”, afirma Oscar.
Para ele, a escalada da violência demonstra uma crise humanitária e uma situação emergencial que, no entanto, não é nova. “Há uma continuidade e uma sistematicidade no extermínio dos povos”, diz. O que é diferente, conforme aponta, é que a Colômbia vive supostamente um processo de paz. Os assassinatos, cometidos em um contexto de intensa disputa territorial, vêm chamando a atenção internacional. Nesta sexta-feira (1º), relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) cobraram ações emergenciais para impedir que o massacre se aprofunde.
Extermínio enquanto projeto de Estado
Oscar Montero, que esteve na Unicamp durante toda a semana em atividades relativas ao programa Artista e Pesquisador Residente, (convênio entre Universidade e Santander), lembra que todos os 102 povos indígenas na Colômbia estão em risco, sendo 34 deles em iminência de extermínio. Além dos grupos armados paraestatais e de guerrilha, ele aponta que os projetos econômicos do Estado são responsáveis pela situação. “O extrativismo, a mineração, os monocultivos, as represas: todas propostas de desenvolvimento de Estado colocam em risco as comunidades indígenas”.
Apesar da obrigação do Estado em realizar uma consulta ao povos sobre projetos que interfiram em seus territórios, de acordo com a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Oscar aponta que é um processo encarado apenas de forma administrativa pelos governos. “Quando a comunidade diz que não, chegam os homens armados. Há uma relação forte do Estado com grupos à margem da lei para tirar os povos indígenas e apropriar-se dos territórios de maneira ilegal”, observa. Outra forma de burlar a consulta é produzindo licenças ambientais para as empresas apontando a inexistência de indígenas em um local, mesmo que não seja verdade.
Os territórios indígenas, conforme aponta, são os mais visados pois possuem uma preservação da biodiversidade, riquezas minerais e energéticas. “Todos querem esses territórios, atores legais e ilegais. O Estado, paramilitares, guerrilha, quadrilhas criminosas e cartéis querem apoderar-se dos territórios dos povos indígenas”. O enfrentamento às ameaças, apesar dos indígenas constituírem guardas para vigiar e proteger seus territórios, é desigual. “De um lado há atores armados e, de outro, há indígenas somente com bastões defendendo seu território”.
O racismo, para ele, também é um dos fatores que agrava a violência. “Não nos matam só com balas, mas também com as palavras, com o racismo, a discriminação, a estigmatização de que somos guerrilheiros ou que somos colaboradores do Estado”.
Além disso, a insuficiência das políticas públicas voltadas para os grupos indígenas é outro motor que dizima os povos. Em La Guajira, entre os wayuu, cinco mil crianças morreram por desnutrição nos últimos 10 anos. Os programas de assistência, afirma Oscar, são deficitários. “Não têm um enfoque diferencial e uma adequação cultural à realidade do que o povo necessita e não há uma resposta efetiva aos problemas estruturais do país de desigualdade social”.
Resistência ao massacre
Para fazer resistência ao extermínio, não só entre os povos indígenas colombianos, mas entre os brasileiros e latino-americanos, Oscar aponta alguns caminhos. O primeiro, para ele, é a espiritualidade. “Cada povo tem uma espiritualidade que os ajuda a entender e fazer resistência a partir do cultural e do espiritual. Isso é fundamental”.
Segundo, é preciso fortalecer a questão organizativa, ampliando a unidade entre os setores indígenas e não indígenas, realizando mobilizações e denúncias em nível nacional e internacional. Além disso, é fundamental que se pense na proteção. A morte, explica, é pensada como parte de um ciclo. Quando natural, não é motivo de tristeza entre seu povo. Mas a mala muerte, quando há interferência violenta sobre o ciclo da vida, é diferente, e é preciso unir forças para cessá-la, como vêm fazendo os povos desde a colonização no continente. "Apesar disso, como mostrei ontem com a dança, somos pessoas felizes. Somos pessoas com uma capacidade de resiliência. As pessoas que nos levaram seguem vivas em nós".
Chamado à união pela defesa dos povos indígenas
Oscar Montero realizou quatro atividades na Unicamp, coordenadas pela Diretoria de Cultura da Universidade. Foram três temas abordados: metodologias e pedagogias indígenas; questões culturais e artísticas e direitos humanos. Além disso, realizou workshop sobre dança do povo Kankuamo. Na sexta-feira (1º), último dia de agenda, ele realizou um chamado para que a sociedade se integra à luta contra o genocídio dos povos. Assista: