Sobre o impacto intelectual, social e econômico da universidade no Brasil

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Marcelo Knobel e a mesa composta por Hernan Chaimovich (mediador), Luiz Roberto Liza Curi, Débora Foguel e Renato Lessa
Marcelo Knobel e a mesa composta por Hernan Chaimovich (mediador), Luiz Roberto Liza Curi, Débora Foguel e Renato Lessa

Neste momento de forte crise da educação, ciência e inovação brasileiras, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu a terceira edição de “Diálogos pelo Brasil”, com o objetivo não só de destacar a importância do ensino superior para o desenvolvimento do país, como também de levantar problemas e soluções a respeito de atividades realizadas no âmbito acadêmico, com forte enfoque no financiamento e na colaboração com o setor produtivo. O tema “O impacto intelectual, social e econômico da universidade no Brasil” foi debatido em 12 de novembro, no auditório da Fapesp, em São Paulo. Os dois eventos anteriores ocorreram em Porto Alegre e Salvador, havendo a pretensão de realizar mais três em regiões diferentes do Brasil. 

“A ideia é discutir a questão da ciência e tecnologia no país e seus desdobramentos para a sociedade, num momento em que a área sofre não apenas com o problema de financiamento, mas também com uma situação de obscurantismo. É interessante que tenhamos esses eventos para firmar a posição da ciência como uma das possibilidades importantes para o desenvolvimento nacional”, afirma Oswaldo Luis Alves, professor do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, membro da ABC e integrante da comissão organizadora dos “Diálogos pelo Brasil”. “Este tema na Fapesp nos perturba diariamente por trazer consequências – infelizmente, na maioria negativas – que afetam diretamente a comunidade científica brasileira.”

O professor Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp, em sua saudação aos visitantes, citou três exemplos para sintetizar o impacto das universidades e dos institutos de pesquisa na vida do estado de São Paulo. “Um grupo de pesquisadores analisou qual é o retorno dos recursos aplicados em pesquisa na área agropecuária, uma das fontes de riqueza do estado e que responde por 13% do PIB paulista. Ficou demonstrado que, para cada real investido, temos um retorno de 11 reais na forma de impostos ao governo – retorno que também aparece no aumento da produção, de empregos e do PIB rural.”

Outro exemplo oferecido por Zago é de que a Fapesp dirige cerca de 10% dos seus investimentos para a inovação, com destaque para o programa Pipe (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas). “Ao longo dos anos, foram apoiadas mais de 1.200 empresas distribuídas em 20% dos municípios de São Paulo. O mapa mostra que a presença das universidades e seus campi atrai inovação tecnológica e investimentos, o que é notório no interior, onde as empresas se concentram ao redor de universidades, como em Campinas, Vale do Paraíba, Ribeirão Preto, São Carlos e Piracicaba. Além disso, o número de empregos nessas empresas aumentou 40% após receberem o financiamento e o retorno em impostos cresceu seis vezes.”

Como terceiro exemplo, o presidente da Fapesp destaca uma notícia do mês, sobre um grupo do Centro de Terapia Celular (CTC) da USP de Ribeirão Preto, participante de um dos Cepid (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) apoiados pela agência, que aplicou com sucesso um tratamento para câncer que está na fronteira da ciência. “A técnica emprega células do próprio paciente, modificadas em laboratório, para montar uma reação imunológica eficiente contra o clone de células neoplásicas. Este avanço só foi possível por causa do apoio continuado por 20 anos da Fapesp e também do sistema universitário paulista. Garantir a estabilidade do financiamento para C&T e educação superior é um excelente caminho para o desenvolvimento regional e nacional.”

Carlos Henrique Brito Cruz, diretor científico da Fapesp: medindo a colaboração universidade-empresa
Carlos Henrique Brito Cruz, diretor científico da Fapesp: medindo a colaboração universidade-empresa

Colaboração com empresas

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, disse na conferência de abertura que vem se dedicando nos últimos meses a estudar um método de medida para a colaboração universidade-empresa. “Todos falam que essa colaboração é incipiente no Brasil, mas ninguém mostra. Uma forma de medi-la, por exemplo, é vendo se os estudantes treinados na universidade criam empresas novas – como gostam de enaltecer os americanos e britânicos – e descobrimos que sim. Vejam o caso da Unicamp, que se dedica desde 2000 a seguir essas empresas [815 criadas e 717 ativas no mercado]: o último dado é de que elas já estão com um faturamento de 7,9 bilhões de reais – quatro vezes mais que o orçamento anual da Universidade.”

Em meio ao slide com centenas de “filhas da Unicamp”, o diretor da Fapesp aponta a multinacional brasileira CI&T, criada em 1995 por três alunos do Instituto de Computação (IC) – César Gon, Bruno Guiçardi e Fernando Matt. “A empresa emprega três mil pessoas em 40 países, mostrando como criar desenvolvimento com boa educação. Se a USP levantasse as empresas formadas por seus alunos, professores e funcionários, teríamos vários slides como este; ao ITA, bastaria colocar o logotipo da Embraer. A universidade precisa contar para a sociedade que essas empresas existem porque gastou recursos para formar [os criadores]. Está devagar demais. Considerando o tamanho do ataque às boas universidades do Brasil, é espantoso que não reajam mostrando mais o seu trabalho.”

Brito Cruz acrescenta que outra maneira de medir a colaboração universidade-empresa está em bases de dados como o Web of Science, que traz a quantidade de artigos que têm um autor de instituição brasileira e outro autor de empresa de outro país. “Desde 1980, o crescimento [deste tipo de colaboração] tem sido forte, de 14% ao ano. Um caso de artigo colaborativo é de Paulo Gurgel Pinheiro, que veio do Ceará para a Unicamp e com o professor Jacques Wainer [da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, FEEC] criou um kit para controlar a cadeira de rodas por movimentos da face, da cabeça ou da íris.”

Comparando MIT e Unicamp

O professor Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, compôs a primeira mesa do evento e lembrou que o Estado continua sendo a principal fonte de receita das grandes universidades de pesquisa do mundo, não importando se são privadas ou públicas. “Temos que sair da nossa pequena bolha e mostrar para a sociedade que os benefícios gerais promovidos pela universidade são maiores do que os investimentos. A Universidade de Oxford, na Inglaterra, recebe do governo 50% dos recursos para pesquisa; a Universidade Técnica de Munique, 70%. O governo britânico destina 66% e outros 11% vinham da União Europeia (não se sabendo como vai ser agora com o Brexit); nos Estados Unidos, 54% vêm do governo federal.”

Com a ressalva de que estava fazendo uma provocação, Knobel procurou comparar números do MIT (Massachusetts Institute of Technology) com os da Unicamp, começando pelo mesmo número de professores: respectivamente, 1.872 e 1.867; 4.500 e 20 mil alunos de graduação; e 6 mil e 16.600 na pós-graduação. “A diferença está nos gastos com pesquisa e desenvolvimento, que são de 5,8% do PIB estadual no MIT e de 1,5% na Unicamp. Se os Estados Unidos destinaram 71 bilhões de dólares para pesquisa em 2016, no Brasil foram 10 bilhões de dólares em 2015, e sabemos bem que esse número vem caindo drasticamente. A razão da liderança do MIT é o volume de recursos para C&T. Uma provocação é: aonde a Unicamp chegaria com orçamento equivalente?”

Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp: apresentando exemplos de impacto da universidade
Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp: apresentando exemplos de impacto da universidade

Jardim de flores amarelas

Débora Foguel, membro da ABC e pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ de 2011 a 21015, quis pontuar sua preocupação com o que considera uma hipervalorização do discurso sobre inovação, tornando menores outros vértices como a pesquisa básica e em especial as áreas das ciências humanas. “Confesso que até me entristeço com alguns dos nossos gestores em Brasília, e vejo a modalidade de bolsas muito voltada para inovação. Fico preocupada porque está impregnada a ideia de ‘para quê serve’ [a pesquisa], uma coisa muito utilitarista. Penso se não estamos refuncionalizando as nossas instituições, com mudanças de nomes de MCT para MCTI e agora para Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).”

Deixando claro que não é contra a inovação – “as universidades devem fazer, sim, em especial no Brasil” –, a docente da UFRJ pede que a comunidade científica introduza em seus discursos exemplos de políticas públicas que foram geradas e impactaram no país. “Peço para nos policiarmos, inclusive nesse momento em que nossos colegas da área de humanas estão sendo tão atacados. Será que queremos 100% das universidades se tornando empreendedoras e inovadoras, redefinindo suas missões? Claro que isso aumenta a economia do país e as finanças da instituição (e os salários), mas pode transformar nosso parque universitário num jardim homogêneo de flores amarelas. O projeto Future-se é um pouco o reflexo do que se espera do ensino superior.”

Sistema sólido sob risco

Renato Lessa, atualmente professor da PUC-Rio, deu uma aula sobre a história da universidade e observou que, apesar de a instituição ter uma vida recente no Brasil, em comparação com a experiência da América espanhola que vem desde o século 16, nosso país construiu um sistema universitário bastante sólido a partir dos anos 1930. “Quero chamar a atenção que esse sistema está em risco. Conseguimos um acúmulo institucional considerável, desde a criação do CNPq e da Capes, a instauração da malha federal, a Finep e as fundações estaduais de apoio à pesquisa. São áreas que nunca sofreram inflexão, ainda que a vida política brasileira tenha sofrido inúmeras inflexões nessas cinco ou seis décadas. É como se um consenso adjacente tivesse permanecido intocado, e mesmo governos bastante autoritários perceberam que a universidade e a ciência eram estratégicas para o país.”

Lessa atenta para o quadro de hostilidade que se apresenta hoje em dia, hostilidade inscrita em um quadro mais geral de limites à educação, à cultura, à vida universitária e à ciência. “Já houve restrição de recursos, mas não houve uma perspectiva de destruição desta acumulação institucional, possibilidade que em nosso horizonte se apresenta de maneira muito clara. Uma frase muito sintomática dita pelo suposto ministro da Educação, é que “a universidade não forma ninguém, a família forma e a universidade educa”. É importante ler nessas marcas a perspectiva de redução da presença da dimensão pública na vida social dos brasileiros”.

Na visão de Renato Lessa, os modelos autoritários e os fascismos em geral caracterizam-se por colocar a sociedade dentro do Estado, exercendo-se o estado totalitário. “[Quanto a nós] estamos vivendo um experimento que merece estudos, que é de retirar o Estado totalmente da sociedade brasileira. Quando o governo decide suspender o seguro contra os acidentes de trânsito, o que tem um impacto fundamental nos vitimados, significa dizer que as pessoas são deixadas à sua própria sorte, não há regulação em relação a isso. A ideia de que a sociedade precisa ser devolvida à sua total espontaneidade, tem a ver com a brutalização das relações sociais e ausência de mediação por parte de instituições de natureza pública.”

Na mesa da tarde: Gianna Sagazzio, Elisa Reis, Oswaldo Alves (mediador), Dácio Matheus, Gilberto Peralta (Azul Linhas Aéreas), Luís Manuel Rebelo Fernandes
Na mesa da tarde: Gianna Sagazzio, Elisa Reis, Oswaldo Alves (mediador), Dácio Matheus, Gilberto Peralta (Azul Linhas Aéreas), Luís Manuel Rebelo Fernandes

Parceria universidade-empresa

A mesa da manhã foi mediada pelo professor Hernan Chaimovich (ABC/USP) e contou ainda com a presença de Luiz Roberto Liza Curi, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), que falou sobre a graduação e as políticas de educação superior em geral no país, com ênfase na questão do aumento de matrículas e da evasão de alunos.

Na mesa da tarde, moderada pelo professor Oswaldo Alves, os debatedores responderam a perguntas como: “Colaboração em pesquisa entre universidades e empresas: como, porque, quanto?”; “Colaboração em pesquisa entre universidades e governo: como, porque, quanto?”; “Como é o financiamento de universidades de pesquisa? E dos grupos de pesquisa em universidades de pesquisa?”; “O que universidades de pesquisa oferecem (ou deveriam oferecer) aos professores para ajudá-los a fazerem mais e melhor pesquisa?”.  Participaram da mesa Elisa Reis (ABC/UFRJ), Gianna Sagazzio (CNI), Gilberto Peralta (Azul Linhas Aéreas), Luís Manuel Rebelo Fernandes (PUC-Rio) e Dácio Matheus (reitor da UFABC).

 

Imagem de capa
A terceira edição de “Diálogos do Brasil”, uma iniciativa da Academia Brasileira de Ciências, aconteceu na Fapesp

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