Hoje em dia, é comum que os motoristas brasileiros tenham liberdade para escolher entre etanol e gasolina ao abastecer seus carros. Mas até que essa tecnologia fosse desenvolvida e chegasse aos consumidores, foram necessários anos de pesquisas e trabalhos envolvendo parcerias entre as indústrias e as universidades. Nesse processo, a contribuição da Unicamp foi importante na formação de profissionais que buscaram a inovação para o setor. Foi um pouco dessa história que Erwin Franieck, diretor de P&D da Bosch contou durante sua participação no Seminário de Bioenergia, realizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Unicamp. A atividade reuniu pesquisadores de diferentes áreas interessados em descobrir como os automóveis flex foram criados no país e quais são as perspectivas para o futuro do uso do etanol como combustível.
Erwin foi o líder do grupo de pesquisas da Bosch responsável pelo desenvolvimento do primeiro motor flex em 1994. Ele conta que, naquele período, o setor empresarial já previa que a preocupação com as emissões de gases poluentes seria uma pauta importante para o setor automotivo e, por isso, a Bosch contava com uma estrutura específica para o estudo do etanol já no fim dos anos 1980. Na época, o Brasil já havia passado pelo boom dos carros movidos à etanol, impulsionados pelo Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975 por cota das crises do petróleo, que dificultavam o acesso à gasolina.
Foi a união de esforços entre a empresa, sediada em Campinas, e uma grande oferta de profissionais especializados e instituições que desenvolviam pesquisas na área, o que favoreceu a criação do carro flex. A Unicamp participou de fora ativa desse processo, inclusive com a formação do próprio Erwin, engenheiro mecânico graduado pela universidade em 1981. Segundo ele, a equipe de pesquisadores da Bosch e a Unicamp deram juntos os primeiros passos rumo à tecnologia flex.
Apesar já existir em 1994, os carros flex só chegaram aos consumidores a partir de 2003, ano em que, por meio da Lei 10.754/2003, os veículos tipo flex passaram a ter redução no Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI, tornando-os mais atrativos às montadoras. Erwin comenta que medidas como essa são importantes para que o setor industrial tenha mais segurança para inovar e cita exemplos atuais que podem abrir bons caminhos para o futuro dos carros movidos a biocombustíveis, como o programa Rota 2030, que incentiva o desenvolvimento de tecnologias com foco em eficiência energética, o que inclui um destaque que ele considera uma vantagem ao Brasil: os carros híbridos flex.
"Hoje as baterias (de carros elétricos) são um problema sério, se você analisar o processo de produzir a energia, da natureza até fornecer energia para as rodas, tem tantos problemas para você produzir o lítio, tirar o cobalto, integrar isso, os processos químicos são muito perigosos. Você gera uma série de problemas e a bateria é caríssima. Mas a gente não precisa dela no momento. O que o Brasil tem com o etanol é a chance de esperar que as baterias cheguem num nível de desenvolvimento, que não chegaram ainda, para um dia usarmos a energia elétrica sem ter que pagar esses custos. Tem países que pagam por isso porque não têm alternativa, mas nós temos", analisa Erwin, que vê na Unicamp um grande potencial de figurar como um polo gerador de tecnologias nessa área.
Ele aponta ainda que a evolução das pesquisas a área desenvolvidas pela universidade podem contribuir para a quebra de alguns mitos envolvendo o uso de terras para a produção de biocombustíveis, o que auxilia tanto no aproveitamento de espécies vegetais diferentes, quanto para o aprimoramento das práticas agrícolas, fazendo com que esse cultivo seja feito em harmonia com o de alimentos. "Vários dogmas do passado precisam ser quebrados, essa é uma proposta de estar junto com a Unicamp e tentar levar um pouco mais de informação sobre os biocombustíveis para o mundo afora. Existe uma sensação de que o biocombustível, por demandar terra para plantação, vai competir com os alimentos. Hoje você tem dados divulgados claramente pela Embrapa que mostram onde estão as plantações para etanol, onde estão as regiões de pastagem, as florestas, as regiões de alimentos, e como elas convivem e podem crescer sem atrapalhar o outro", pontua Erwin.