O escritor Reinaldo Moraes encerrou na semana passada sua residência artística no Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp depois de três meses de atividades envolvendo a comunidade da universidade e o público externo. Com quatro décadas de carreira, Moraes considerou a experiência no Programa “Hilda Hilst” do Artista Residente como a primeira oportunidade de repassar retrospectivamente toda sua produção literária e afirmou que isso já está produzindo reflexos na forma como escreve.
Autor de romances de sucesso como “Tanto Faz” (1981, Brasiliense) e “Pornopopeia” (2009, Objetiva), o paulistano ainda não se sente muito à vontade para uma reflexão mais elaborada sobre o trimestre recém-encerrado na Unicamp. Apesar de precisar de mais tempo para processar essas atividades em sala de aula, Moraes explica que considerou um desafio encarar a inédita experiência de conduzir um curso sobre literatura na academia e que foi se sentindo mais confiante ao longo dos encontros.
“Acabei fazendo, meio que sem querer, uma retrospectiva da minha carreira. Essas duas palavras, ‘obra’ e ‘carreira’, eu não tinha ainda aplicado a mim. Parece um monumento, a expressão ‘obra’”, gracejou Moraes, que considerava até então sua produção como “errática”. “Eu não tinha clara essa noção. Mas, ler trechos de livros meus e comentar, fazer algum tipo de balanço retrospectivo e perceber as linhas de força, foi interessante.”
Em agosto, ele deu início ao curso livre “Encontros com Reinaldo Moraes: a obra e o ofício do escritor”, aberto à comunidade da Unicamp e ao público externo, às terças-feiras, no Anfiteatro do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). A proposta era abordar as diversas áreas de produção em que atuou nas últimas décadas, como romances, contos, novelas infantis, roteiros cinematográficos, traduções literárias, crônicas, artigos e telenovelas.
Simultaneamente, ministrou oficinas voltadas aos alunos do IEL, às quartas-feiras, com foco em seu mais recente livro, “Maior que o Mundo” (2018, Alfaguara). A obra, que narra a história de um escritor que sofre um bloqueio criativo depois de um sucesso editorial, é o primeiro volume de uma série de dois ou três livros. “Essa experiência aguçou meu senso autocrítico, que agora está se refletindo na minha escrita”, explica Moraes, que se dedica atualmente à continuação de “Maior que o Mundo”. “Foi um exercício autorreflexivo que está rebatendo na escrita, com uma sintonia um pouco mais fina.”
Formado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 1975, Moraes foi aluno de mestrado do IEL nos anos 1980, frequentando semanalmente o campus durante as disciplinas. Ele, entretanto, acabou desistindo da pós-graduação e não concluiu sua dissertação.
Bastidores da criação
O escritor foi o segundo convidado do Programa “Hilda Hilst” do Artista Residente, iniciado em 2018 com o cineasta paulistano Ugo Giorgetti. A coordenação do IdEA avaliou como bem-sucedida a participação de Moraes e elogiou a ousadia e a sinceridade dele durante o curso. “A residência foi importante tanto por trazer à Unicamp um escritor de grande reconhecimento – possivelmente o mais festejado romancista brasileiro do século XXI –, mas ainda produzindo no auge de sua carreira, como pelas palestras incrivelmente reveladoras que proferiu, mostrando com rara franqueza os bastidores pessoais e as circunstâncias várias de sua criação”, afirmou o crítico literário Alcir Pécora, coordenador do IdEA.
Para o poeta e linguista Carlos Vogt, presidente do Conselho Científico e Cultural do IdEA, a vinda de Moraes à Unicamp “trouxe vida, interesse e agitação intelectual a todos que participaram dos encontros semanais”. “Pudemos, neles, acompanhar depoimentos de rara sinceridade criativa que foram expondo, com simpatia conversacional, a gênese e as formas variadas em gêneros diversos de uma obra, sem dúvida, única na literatura brasileira contemporânea.”
Reinaldo Moraes também trouxe quatro convidados para participar das discussões ao longo da residência. A editora Marta Garcia, que por mais de duas décadas trabalhou na Companhia das Letras, compartilhou com os alunos sua experiência na produção editorial; a professora Eliane Moraes, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), veio falar sobre literatura erótica; o jornalista Matthew Shirts deu uma aula sobre cultura pop nos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970; e o escritor Fabrício Corsaletti abordou em sua participação o gênero literário das crônicas.
Os vídeos com a íntegra do curso livre “Encontros com Reinaldo Moraes: a obra e o ofício do escritor”, filmado pela Secretaria de Comunicação da Unicamp, estão disponíveis na página do IdEA no YouTube.
Leia mais:
Escritor Reinaldo Moraes inicia atividades no Programa do Artista Residente
Escritor Reinaldo Moraes é o novo artista residente da Unicamp
Íntegra do curso “O Cinema e a Criação de Ugo Giorgetti” está disponível na internet