“Fake News é um modelo de negócio. É um modelo de produção de notícias conforme os interesses e as crenças das pessoas. É como se se produzisse verdade e notícia sob medida para aquilo que você já tende a acreditar, ou quer acreditar”, afirmou Ivana Bentes, em entrevista ao Portal da Unicamp, durante o 14º Abralin Em Cena. O evento, da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), pela primeira vez foi temático e multidisciplinar, confrontando diversas perspectivas sobre o tema das Fake News. Os debates aconteceram, entre os dias 21 e 23 de novembro, no auditório da Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp).
Para a pesquisadora e pró-reitora de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é fundamental compreender como a produção em escala industrial de Fake News se insere no atual contexto de crise dos conceitos de verdade e autoridade. “Quem diz o que é arte? Quem diz o que é um fato científico? Cientistas, médicos, professores, políticos, todas as figuras de autoridade estão colocadas em xeque, nesse mar de produção de informações”, apontou Ivana Bentes.
Ela destacou que o processo não deve ser entendido como inteiramente negativo, pois abre portas para novas formas de conhecimento e mediação. Conforme provocou Vinicius Romanini, da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, na mesa Fake news, cultura de massa e linguagem: o papel do texto e do discurso, “As plataformas digitais quebraram o monopólio da mentira”. “Trabalhei 20 anos como jornalista. Trabalhei na Revista Veja. Eu sei o que é ter o monopólio da mentira”, completou.
Contudo alertou Ivana, “quando você mina todo tipo de autoridade, pode dar espaço para a emergência de processos hiperautoritários, como seitas ou grupos extremamente conservadores”.
Nesse contexto, a pesquisadora observou que as Fake News servem a grupos que disputam “narrativas sobre o mundo”. “Existem grupos disputando valores, disputando comportamentos. Nessa disputa, a construção de verdades é fundamental”, ressaltou.
De acordo com Ivana Bentes, boa parte das pessoas que difundem Fake News sabem que estão compartilhando conteúdo falso, mas o fazem quando veem sua narrativa defendida. “Podíamos citar o Cazuza: mentiras sinceras me interessam. Mentiras produzidas para o meu gosto político, ou de comportamento, eu aceito como verdades”, explicou.
O modelo de negócio das Fake News, baseado nas crenças e interesses de seus consumidores, entregaria, portanto, um produto personalizado para o gosto do freguês, multiplicando assim seu potencial de propagação. “É quase como se você conseguisse automatizar a produção de opinião pública”, concluiu.
Diversos olhares sobre o objeto
Buscando extrapolar os limites da linguística, as mesas do evento foram, em sua maioria compostas, por um linguista e profissionais das demais áreas, conforme apontaram as organizadoras do evento Anna Cristina Bentes, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), e Claudia Wanderley, do (CLE). Além de diversas áreas da academia, os debates incluíram organizações sociais, como o Intervozes, o Palavra Aberta e a Unesco. “Essa articulação é um pouco inédita. Em geral, cada pedaço discute o seu”, afirmou Anna Cristina. De acordo com ela, as Fake News foram um mote para o debate amplo e interdisciplinar sobre os modos de produção discursiva.
Ainda durante o evento foi lançada a versão brasileira do curso Alfabetização midiática, Informacional e Diálogo intercultural da UNESCO, traduzido e adaptado por Claudia Wanderley. O curso voltado para o público jovem aborda, em 10 módulos, diversos aspectos da circulação de informação na internet, como preconceito, bullying e Fake News. Ele é aberto e online e estrá disponível na plataforma da Unicamp no Coursera a partir de 10 de dezembro (link). “A Unesco promove uma aliança global para o letramento midiático e informacional para que a internet seja uma ferramenta utilizada com bons propósitos. Há uma preocupação de que a internet seja um lugar de uma cultura de paz”, afirmou Claudia.
O evento contou com apoio das pós-graduações em Letras e Linguística da Unicamp, USP, Unesp e Ufscar, do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) , do Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Faepex) da Pró-reitoria de Extensão da Unicamp e da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).