O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp realizou, entre 9 e 11 de dezembro, o I Encontro Nacional Arte e Patrimônio Industrial. O evento reuniu pesquisadores que se dedicam ao cruzamento entre os dois temas de pesquisa e que vêm configurando um campo de estudos em crescimento nas últimas duas décadas.
Estudos sobre espaços de memória do trabalho interligados às representações artísticas do trabalho e dos trabalhadores são alguns dos focos da área. A professora do Departamento de História e organizadora do evento, Cristina Meneguello, salienta que a Unicamp é pioneira nas pesquisas com essa temática, fortalecendo a dedicação sobre o patrimônio industrial no início dos anos 2000, e explica a que se refere a área.
“Patrimônio industrial é o patrimônio voltado para memória do trabalho, dos trabalhadores, para a recuperação dos edifícios fabris, industriais, para a questão do patrimônio ferroviário, das escolas técnicas, dos antigos liceus, e também para um trabalho de recuperação da memória que os operários têm em relação ao seu local trabalho, abrangendo as rotinas de trabalho, a sociabilidade e o lazer”.
Em 2004, aconteceu o primeiro encontro acadêmico em patrimônio industrial, na Unicamp. Naquela ocasião, foi fundado o Comitê Brasileiro de Conservação de Patrimônio Industrial, vinculado ao Comitê Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH). “Desde então a gente vem estudando e orientando mestrados e doutorados no tema”, diz Cristina. A docente pontua que muitos pesquisadores vêm relacionando a dimensão da arte com o patrimônio industrial e, assim, surgiu a ideia do I Encontro Nacional Arte e Patrimônio Industrial.
“Nós lançamos a chamada do encontro para ter noção de quais são os outros grupos estão trabalhando o assunto. A nossa surpresa é que tem pessoas do Ceará, da Paraíba, do Rio de Janeiro, de Goiás, de Minas Gerais, do Piauí, entre outros estados. Então se percebe que há uma demanda represada para discutir esse tema”.
Patrimônio industrial enquanto memória das cidades
Para Cristina, o encontro chama atenção para a relevância das indústrias e ferrovias na formação das cidades e, assim, para a importância da preservação desses espaços, que sofrem processos de degradação e são destruídos pelo não entendimento dos locais enquanto patrimônios de valor para a memória. “As pessoas sabem valorizar a casa de um barão de café, a obra de um artista famoso, mas têm dificuldade de compreender a importância do patrimônio industrial para a memória da sociedade", afirma. "Esse tipo de patrimônio é bastante estudado, mas ainda sofre muita destruição porque os maquinários e prédios são de ampla dimensão e incomodam na cidade. São fábricas que originalmente estavam em zonas afastadas e hoje são centrais, sofrendo com especulação imobiliária e com a falta de conhecimento sobre esse tipo de patrimônio”.
A professora exemplifica a desvalorização com o caso da antiga Fábrica de Chapéus Cury, no bairro Guanabara, em Campinas, cuja instalação no município ocorreu em 1920. O espaço, desativado em 2012, hoje só tem duas fachadas preservadas e tombadas e grande parte do maquinário foi perdido.
“[A fábrica] é num lugar central, no coração da cidade, que determinou o aspecto urbanístico da região ao redor, com as casas de operários. Se desaparecer vai criar uma cicatriz no coração de Campinas, que tem um bairro industrial, tem marcas da industrialização e da ferrovia que estão em estado lamentável. É como se a cidade se envergonhasse daquilo que proporcionou ela ser cidade”, analisa. Por isso, a agenda de pesquisa busca também trazer um olhar de reconhecimento destes espaços na história das cidades.
Exposição fotográfica retoma espaços industriais
O I Encontro Nacional Arte e Patrimônio Industrial abrangeu mesas redondas e apresentações de trabalhos acadêmicos. Além disso, entendendo as diversas formas de narrativas como fontes de conhecimento da área, a professora Cristina e a doutoranda Elisa Pomari organizaram a exposição fotográfica “Visualidades do patrimônio industrial”, situada no hall da biblioteca Octavio Ianni, no IFCH. As fotografias da exposição compreendem um período vasto, do início do século XX até a década de 1980, e integram o acervo da Fundação Votorantim, da qual obtiveram autorização para utilização do material.
“A ideia é mostrar como a fotografia aparecia na indústria. Estão desde as imagens feitas para catálogos até aquelas feitas para comemorações internas. Ao longo do arquivo também nos deparamos com fotografias com poéticas maravilhosas”, explica Elisa.
A doutoranda, cuja tese, em andamento, utiliza fotografias para analisar disputas de narrativas em entre trabalhadores, industriais e Poder Público acerca do trabalho, também aponta como os registros fotográficos podem ser utilizados em estudos. “Como fonte para pesquisas históricas, as imagens dão várias possibilidades. É possível pensar nos discursos, nas valorizações, além de dar rosto às pessoas que trabalhavam lá dentro e que a gente estuda, entender o ambiente de trabalho, remontar um processo produtivo. E também é preciso entender que elas estão mostrando uma coisa e escondendo outra, sendo importante para compreender o discurso que quem tirou estava querendo criar”.