Enfatizando a importância do compartilhamento de saberes, teve início nesta terça-feira (14), na Unicamp, o programa Ciência e Arte dos Povos da Amazônia (Capa). Estabelecido através de parceria entre a Unicamp, a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Santander, o Capa traz ao campus 20 estudantes da UFPA, oriundos de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, para atividades de estágio de pesquisa e oficinas. A abertura do programa foi realizada no Centro de Convenções.
As atividades do Capa terão duração de seis semanas, sendo finalizadas no dia 20 de fevereiro. Durante esse período, os estudantes realizarão oficinas, às segundas-feiras, e participarão de projetos de pesquisa, entre terças e sextas-feiras. As pró-reitorias de Pesquisa, na Unicamp, e de Pesquisa e Pós-graduação, na UFPA, estão a cargo da organização do evento.
“Aprender para o nosso povo”
Um dos 20 estudantes que participa do Capa é o aluno de Biomedicina da UFPA, Onésio Aaka Wai Wai. Animado com a experiência, ele afirma que esse será um período de grande aprendizado. “É uma oportunidade de aproveitar, aprender o máximo possível e levar daqui tudo que absorvi para compartilhar na UFPA com outras pessoas”.
O estudante, que vem da comunidade Wai Wai localizada na cidade de Caroebe, na região leste de Roraima, compartilha também os planos que o ingresso em uma universidade o ajudou a construir. “Quero trabalhar na área da saúde, cuidar da saúde das pessoas, pois o atendimento ainda é precário e eu pretendo ajudar de qualquer forma”.
Para Onésio, assim como para outros indígenas, quilombolas e ribeirinhos, o conhecimento obtido através da educação não é individual, mas possui um caráter coletivo. “Nas férias nós voltamos para a comunidade para mostrar o que estamos aprendendo e eles [da comunidade] ficam muito felizes. Não é só aprender para si, é aprender para o nosso povo”.
“A produção de conhecimento se dá a partir da diversidade”
Para compor as atividades do Capa, a Unicamp lançou um edital de seleção, em outubro de 2019. Foram selecionadas nove propostas, em diversas áreas do conhecimento. Um dos projetos é o Ciência, Tecnologia, Sociedade e Inovação "Povos da Amazônia no Instituto de Geociências" intercâmbio de experiências e conhecimentos interculturais”, desenvolvido pela professora do Instituto de Geociências (IG) Leda Gitahy, junto a um grupo de mais 23 pessoas, entre professores, pós-graduandos e graduandos.
A professora destaca que a programação no IG foi pensada a partir da interculturalidade. “É uma experiência de troca. Não só eles aprendem, nós também aprenderemos”, afirma. Leda, que é docente na Unicamp desde 1984, elogia o enriquecimento cultural e científico que preocupação com a diversidade propiciou à instituição. “A produção de conhecimento se dá a partir da diversidade. Quanto mais diverso é um ambiente, e no IG nós somos multidisciplinares, mais chance se você tem de produzir conhecimento novo e de qualidade”, analisa.
O cronograma de oficinas e atividades de pesquisa, no IG, envolve temas como mudanças climáticas; saneamento; direitos dos agricultores, agrobiodiversidade e agroecologia. Além disso, serão oferecidas visitas aos laboratórios, trabalhos de campo e oficinas de audiovisual e sobre os povos indígenas da Guatemala. Outras unidades e institutos que oferecem as vivências em pesquisa e oficinas são: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA); Instituto de Química (IQ); Faculdade de Ciências Médicas; Faculdade de Enfermagem; Faculdade de Engenharia Agrícola; Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED); Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC) e Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CEPQBA).
Cerimônia de abertura
A cerimônia de abertura contou com a presença de representantes da Unicamp, da UFPA e do banco Santander. O reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, enfatizou a relevância da diversidade na Universidade, que, em 2020, terá cerca de 200 indígenas estudantes, contando com os ingressantes deste ano. “Nós acreditamos muito na diversidade, na importância de ter a sociedade brasileira representada aqui dentro da universidade pública, principalmente neste momento de forte ataque. Precisamos juntar forças, nos unirmos para responder a esses ataques, e a melhor maneira, na minha opinião, é tendo a possibilidade de colaborar e compartilhar experiências”.
O pró-reitor de Pesquisa, Munir Salomão Skaf, também frisou a necessidade de uma maior representatividade no ensino superior. “A educação, já dizia nosso patrono do sistema educacional brasileiro [Paulo Freire], só é transformadora se for inclusiva e a Unicamp tem se esforçado para ser inclusiva. [...] Nós temos que criar mecanismos para que essa inclusão, que é um funil tão apertado, não seja demasiadamente elitista”, afirmou.
A pró-reitora Pesquisa e Pós-graduação da UFPA, Maria Iracilda da Cunha Sampaio, destacou que a UFPA possui a mesma preocupação e, atualmente, a instituição tem cerca de 1.500 estudantes quilombolas e 200 indígenas, além de ser composta por 80% de estudantes de baixa renda. “Lutamos para romper as dificuldades e manter esses estudantes na universidade, com assistência estudantil. E agora temos esse privilégio de trazê-los à uma das melhores universidades da América Latina”, disse.
Mariana Von Zuben, gerente do segmento de universidades do Santander, banco que proporcionou o auxílio financeiro para os 20 estudantes do Capa, parabenizou a Unicamp e a UFPA por assumirem o compromisso de apoiar o desenvolvimento da região amazônica e da educação no país. “Esperamos que através de programas como esse possamos apoiar o desenvolvimento da universidade e dos seus estudantes”.
Participaram também da mesa da abertura a professora Mara Patrícia Mikahil, representando a pró-reitora de Graduação da Unicamp, Eliana Amaral, e o diretor de programas estratégicos da UFPA, professor Adriano Penha Furtado.
A cerimônia teve, ainda, apresentação do trio Carcunda de Rapina, formado por estudantes do Instituto de Artes da Unicamp Paula Lins, Lucca Rolim e Leandro Alexandre.