No último sábado (18), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, concedeu uma medida cautelar que equiparou o teto salarial de professores e pesquisadores das universidades estaduais aos das instituições federais. Com isso, o teto salarial para docentes e pesquisadores das universidades estaduais passa a ser de R$ 39.239,32, equivalente ao salário dos ministros do STF. O novo valor representa o salário máximo que um professor ou pesquisador pode receber. Isso não significa, porém, que todos os professores e pesquisadores vão receber, automaticamente, salários no valor do teto dos ministros do STF. A medida também não modifica a carreira docente nas universidades paulistas.
A decisão atende a uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), movida pelo Partido Social Democrático (PSD) no fim de 2019, que questionou uma interpretação feita da Emenda Constitucional 41/2003. A lei fixou os tetos salariais do funcionalismo público dos poderes executivo, legislativo e judiciário da união, estados e municípios aos salários de prefeitos, governadores e desembargadores dos estados e dos ministros do STF, respeitando a vinculação dos servidores à respectiva esfera de poder. Com isso, o teto salarial de professores e pesquisadores das universidades estaduais paulistas passou a ser muito menor do que os de universidades federais. No caso das universidades estaduais paulistas, o valor do teto salarial está fixado em R$ 23.048,59, equivalente ao subsídio do governador, enquanto que nas universidades federais o teto é R$ 39.239,32.
A ADI contestou essa distinção com o argumento de que isso gerava uma diferenciação entre docentes de universidades dos estados e os vinculados à união, sendo que todos desenvolvem o mesmo tipo de trabalho (ensino, pesquisa e extensão) e passam pelas mesmas qualificações e titulações. Na decisão, o ministro Toffoli argumenta que a Constituição prevê que a educação é um dever do Estado e o sistema de educação de amplitude nacional deve estabelecer "diretrizes, metas, recursos e estratégias de manutenção e desenvolvimento" para todos os níveis de ensino. Assim, determinou que seja mantido como teto único das universidades do país o salário dos ministros do STF. Por ser uma liminar, ela ainda será discutida pela corte após o recesso do tribunal.
Outro fator que contribuiu para a concessão da liminar foi a disparidade de subtetos praticada entre os estados. Segundo a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), apenas seis estados (Alagoas, Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Rondônia e Tocantins) associam o teto salarial ao subsídio de seus governadores. Os demais estados contam com leis próprias.
O reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, comentou a importância da decisão. Segundo ele, a unificação dos tetos cumpre funções essenciais: a valorização de docentes e pesquisadores que se dedicam há vários anos à universidade, e que estavam com os salários cortados, e a manutenção de jovens que ingressam na carreira científica e podem contar com perspectivas de crescimento na carreira nas instituições do Estado. "Muita gente talentosa e jovem não estava escolhendo a universidade como um destino possível. Isso é realmente algo que nos preocupa do ponto de vista institucional, manter uma carreira forte e valorizada", argumentou o reitor. Além da falta de motivação dos jovens, a universidade passou a perder profissionais para outras instituições nacionais e internacionais cujos salários eram mais competitivos.
A coordenadora geral da Universidade, Teresa Dib Zambon Atvars, pondera que o salário dos docentes é composto pelo correspondente nível na carreira, que é meritocrática, e incorporações previstas em lei como os quinquênios, a sexta-parte e as incorporações de gratificações por exercício de função. “Por isso se espera que docentes mais antigos que tenham progredido na carreira, tenham salários maiores”, observa.
Segundo ela, na situação em que se aplicava como subteto o subsídio do governador, um docente no nível MS5.2, por exemplo, com quinquênios e sexta parte já atingia o teto salarial de modo que a carreira universitária impedia qualquer outra possibilidade de aumento salarial, a menos que o governador alterasse seu subsídio. Vinculava-se a carreira meritocrática às decisões políticas de governo. “Ao definir um teto unificado nacionalmente para a carreira de docente universitário e pesquisador, restabelece-se o conceito meritocrático da carreira docente, restabelece-se a relação entre estrutura de carreira e remuneração e desvincula-se a remuneração do subsídio político”, pontua Teresa.
Na Unicamp, o impacto será de aproximadamente 2,5% do total da folha de pagamento
A adoção do novo teto salarial deverá representar para a Unicamp um impacto anualizado em torno de 2,5% da folha. De acordo com dados da Assessoria de Economia e Planejamento (AEPLAN) e Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH), hoje a universidade conta com 461 professores e pesquisadores ativos e outros 594 aposentados com salários e benefícios que superam o subteto anterior de R$ 23.048,59. Desses profissionais, 73% dedicaram à universidade 35 anos ou mais de atividades. Atualmente, 68% dos docentes e pesquisadores da universidade têm salários inferiores ao subteto do governador, 27% tem salários entre o subteto e R$ 30 mil reais e apenas 5% tem salários entre R$ 31 mil reais e novo teto.
Vale destacar que o novo teto salarial não implicará em novas despesas para o governo estadual, já que o valor de repasse para as universidades paulistas continua fixado em 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado, distribuído entre USP, Unesp e Unicamp. No caso da Unicamp, o valor é de 2,2% do ICMS. De acordo com o Alcir Pécora, professor do Instituto de Estudos Literários (IEL) da Unicamp, isso contraria a visão de que a aplicação do teto vinculado ao subsídio do governador significava uma economia por parte do Estado. "O teto não altera o gasto do estado porque o montante de transferência permanece o mesmo. A decisão não traz nenhum impacto para o estado", comenta Pécora.
Congelamentos e descontos prejudicavam carreiras docentes
Os questionamentos envolvendo o valor de teto salarial de docentes e pesquisadores da Unicamp tiveram início em 2014. Na época, obedecendo a um novo entendimento do STF e a recomendações feitas pelo Tribunal de Contas do Estado, a universidade optou por congelar os salários que eram superiores ao teto estadual (subsídio do governador) por entender que os salários não poderiam ser reduzidos, de acordo com o artigo 37 da Constituição. A medida tinha anuência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nesses casos, o valor que ultrapassava o teto era pago à parte, valor conhecido como parcela extrateto, que permaneceu congelada, sendo incorporada aos pagamentos apenas quando dos reajustes salariais.
No entanto, o Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo com o entendimento de que o subsídio do governador deveria ser o subteto remuneratório passou a julgar irregular as aposentadorias dos docentes, sob o argumento de que a universidade não estaria obedecendo a decisão do STF. No início de 2019, o mesmo Ministério Público apresentou um pedido de medida cautelar alegando que a universidade não estaria cumprindo o subteto remuneratório, já que não fazia o corte salarial de acordo com o subsídio do governador. Por conta de sucessivos casos como esses, somado ao fato de que as contas da universidade de 2007 a 2011 e de 2014 já tinham sido julgadas como irregulares principalmente por conta do teto salarial, a Procuradoria Geral da Unicamp recomendou que a universidade passasse a cortar a parcela extrateto dos salários. A medida foi adotada em setembro de 2019.
Segundo Alcir Pécora, a aplicação de tetos estaduais era uma distorção do que prevê a Constituição Federal, que estabelece a educação como um direito garantido a todo o país. Ele também argumenta que a medida tornava a carreira de professores das universidades estaduais paulistas menos atrativa do que nas universidades federais. "Todo professor que chegava à livre-docência já atingia o teto, não tinha mais nenhuma perspectiva de ganho. Por que ele iria continuar?", questiona o professor.
Para Carlos Vogt, professor e ex-reitor da Unicamp, a medida cautelar concedida por Toffoli corrige uma distorção que prejudicava a autonomia das universidades paulistas. "A decisão repõe um estado que havia sido conquistado no processo de desenvolvimento da autonomia financeira das universidades paulistas. É algo esperado pela comunidade docente, eles batalharam por isso", comenta. Ele argumenta ainda que a diferença entre os tetos estaduais com o federal resultava em uma distinção injustificável.
O professor também pontua a importância da decisão para garantir a continuidade da valorização das carreiras docentes e de pesquisadores nas universidades paulistas e evitar a chamada fuga de cérebros, ou seja, a preferência de jovens pesquisadores por outras instituições fora das estaduais paulistas, o que prejudica a continuidade de grupos de pesquisas e outras iniciativas que dependem da permanência nas universidades. "As estaduais são responsáveis por um nível de produção acadêmica e intelectual que é quase a metade do que se produz no país. A disparidade gerou uma situação de desigualdade descabida, achatava a carreira docente", explica Vogt.
Perguntas e respostas
Com o novo teto salarial, todos os professores vão receber R$ 39 mil?
Não. O novo valor, equivalente ao dos ministros do STF, representa o salário máximo que um professor ou pesquisador pode receber. No caso da Unicamp, apenas 0,6% recebe salários maiores que R$ 35 mil.
Com o novo teto salarial, o governo terá que repassar mais recursos às universidades?
Não. O valor recebido pelas universidades estaduais paulistas é fixado por lei em 9,57% do total do ICMS arrecadado pelo Estado, distribuído entre USP, Unesp e Unicamp. No caso da Unicamp, o valor é de 2,2% do ICMS.
A decisão implica em aumento salarial?
Não. A medida cautelar apenas determina o fim dos cortes salariais de docentes e pesquisadores que, conforme suas carreiras, recebem salários superiores ao subsídio do Governador do Estado.
Quem será beneficiado pela medida?
A todos os docentes, direta ou indiretamente, o que inclui os novos contratados. Isso porque, com o avanço das carreiras e conquista de benefícios, como quinquênios e sexta parte, os salários não sofrerão cortes. No caso de docentes que assumem cargos administrativos, deixariam de receber a gratificação correspondente, mesmo durante o exercício do cargo, à medida em que o total do salário superasse o subteto até então em vigor.
A medida também modifica a carreira docente nas universidades paulistas?
Não. A forma de progressão das carreiras docentes nas universidades permanece a mesma. A medida unifica apenas o teto salarial das universidades estaduais e federais.
Quando a medida será implementada?
As universidades implementarão a medida a partir do momento em que ela for publicada no Diário Oficial.
Confira também o que já saiu no Portal e no Jornal da Unicamp (JU) sobre o assunto:
Edição especial do JU sobre a questão salarial na universidade (ago 2015)
Em carta ao jornal Estadão, docentes criticam proposta de teto salarial para funcionalismo paulista (set 2017)
Universidades e o novo teto do funcionalismo (jun 2018)