Para muitos estudantes indígenas, a preparação referente ao início da graduação na Unicamp envolve um longo percurso. Grande parte deles vem da região norte do Brasil, e mesmo aqueles que são de comunidades mais próximas passam por um período de mudança que envolve custos financeiros e adaptação. Pensando nas dificuldades enfrentadas e na necessidade de garantir a efetividade da política de ação afirmativa, a Rede de Apoio Ñandutí uniu estudantes, funcionários, docentes e apoiadores em geral para facilitar a vinda dos calouros, e já obteve êxito em adquirir as passagens para que os aprovados do Vestibular Indígena 2020 cheguem em Campinas.
“Foi difícil para chegar aqui, vocês nem imaginam de onde cada um vem. É imenso esse Brasil, eu venho do Amazonas e é bastante longe. Saindo da comunidade com uma rabetinha e uma canoa, levando uns quatro dias para chegar na cidade, dessa cidade para Manaus e de Manaus para cá”, afirma o estudante de Ciências Econômicas João Florentino da Silva, da etnia Baniwa. João é da primeira turma de ingressantes indígenas, de 2019, e seu exemplo ilustra as dificuldades que passam muitos dos aprovados no vestibular.
Através de uma campanha de mobilização, além das passagens para aqueles estudantes que não tinham como arcar com as despesas do traslado a Campinas, a Rede Ñanduti articulou uma ação com a empresa Dow, que doou 20 computadores para os calouros de 2019 nesta terça-feira (11).
“A gente tem trabalhado o ano inteiro e veio muita ajuda de várias camadas sociais, acadêmicos, professores, empresas”, explica Arlindo Gregório, que integra o grupo de apoio e também ingressou no primeiro vestibular indígena da Unicamp. “É importante estar interagindo com todo mundo e buscando esse apoio, não só como acadêmico mas como indígena. Um grupo de apoio como esse dá um fortalecimento. Muita gente abraçou a ideia e entendeu a importância da população indígena acessar a Unicamp. Além do meu povo, há quase 900 mil indígenas que lutaram para que a gente chegasse aqui”, avalia.
O estudante, da etnia Baré, proveniente da comunidade Cué-Cué, no noroeste do Amazonas, cursa Engenharia Elétrica e destaca que as ações da Rede, iniciadas em 2019, acontecem tanto através do “boca a boca” como pelas redes sociais. Além das passagens, o grupo mobiliza apoio para vagas temporárias de hospedagem, já que os trâmites via Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Unicamp, tanto para a para obtenção de vaga na Moradia Estudantil quanto para o recebimento do auxílio-moradia e demais benefícios sociais, só podem iniciar após a matrícula dos ingressantes. Além disso, a Rede de Apoio pede itens de alimentação e de higiene pessoal e auxílio com caronas.
A coordenadora do SAE, professora Helena Altmann, destaca que o trabalho da Rede é importante, e o SAE vem atuando em parceria com o grupo, comparecendo a reuniões para prestar informações sobre os auxílios e para tirar dúvidas dos estudantes. “Essas redes de apoio que são formadas nesse período que antecede a formalização dos estudantes indígenas como estudantes da Unicamp são muito bem-vindas porque existe um tempo entre o estudante ser aprovado, conseguir chegar na Universidade e de fato passar a receber os benefícios”, destaca.
Ela também explica que os benefícios aos estudantes indígenas são os mesmos ofertados aos demais discentes, e que há uma demanda grande pelo fato da maioria vir de fora de São Paulo (SP).
Para saber como ajudar a Rede de Apoio Ñandutí, acesse um dos canais de comunicação do grupo - facebook dos Estudantes Indígenas da Unicamp, Instagram, blog - ou entre em contato através do e-mail rededeapoio.nanduti@gmail.com.
Vestibular indígena na Unicamp
O vestibular indígena da Unicamp teve início em 2019. Na ocasião, foram 72 vagas ofertadas e estudantes de 23 etnias ingressaram na Universidade por meio da modalidade. A segunda edição do vestibular ampliou as vagas para 96, além de ter aumentado a opção de cursos.
Para Arlindo, acessar o ensino superior leva a possibilidade de melhorar as condições das comunidades indígenas. Por isso, as ações que permitam os estudantes continuarem e permanecerem nos estudos são importantes. “Quem vai querer se formar e ir trabalhar para a gente onde não tem energia elétrica, ar condicionado, shopping? Sair do seu lugar de pertencimento e ir trabalhar para gente lá é muito difícil. A luta por estar inserindo os acadêmicos indígenas na universidade é com essa justificativa”.
Ele também observa que, assim como é importante para indígenas o conhecimento acadêmico, também é importante para os demais estudantes o aprendizado sobre a história e a realidade das comunidades indígenas. “A gente vem sofrendo com questões que nos separam da sociedade. "O contexto atual dos indígenas é muito desconhecido, então estamos virando porta voz dos nossos parentes”, afirma.
Já João saúda a luta daqueles que reivindicaram as ações afirmativas. "Agradeço às pessoas que lutaram para que houvesse vestibular indígena na Unicamp. Para a gente como indígena, para mim como Baniwa, é muito importante porque na comunidade nós temos uma formação mais ou menos até o quinto ou sexto ano e de lá a pessoa tem que se deslocar, enfrentar um centro urbano para dar continuidade ao ensino médio. A gente veio para se formar, voltar à comunidade, ajudar a comunidade a se desenvolver com o conhecimento que aprendemos aqui".
Recepção 2020
No dia 27 de fevereiro haverá a recepção e a matrícula para os ingressantes indígenas. No dia seguinte (28), o SAE realizará a palestra "Acolhimento: A permanência estudantil na UNICAMP" explicando todos os procedimentos para a concessão dos benefícios sociais. O órgão orienta que os estudantes já fiquem atentos aos documentos necessários, que podem ser acessados aqui.