Para o aluno da Unicamp ser feliz

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Vanessa Rodrigues, Leandro Manera e Marco Linhares: trabalhando aspectos socioemocionais dos alunos
Vanessa Rodrigues, Leandro Manera e Marco Linhares: trabalhando aspectos socioemocionais dos alunos

O aluno que busca ser feliz na Unicamp pode manifestar seu interesse por uma nova disciplina eletiva a ser oferecida neste semestre: “Habilidades emocionais e o impacto no desenvolvimento na engenharia: Felicidade”. Ao contrário do que denota o nome, não se trata de disciplina específica para as engenharias, ela é aberta a todos os cursos, inclusive a funcionários, e será ministrada por Vanessa Rodrigues dos Santos Maria, dentro do Programa Especialista Visitante, da Pró-Reitoria de Graduação (PRG). “Felicidade” é inspirada em matéria que já existe há mais de 10 anos na Harvard University e está inserida no curso regular de graduação da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), com 60 horas/aula. Mais de 120 interessados já deixaram sua pré-inscrição no endereço bitly.com/disciplinafelicidade 

Segundo os idealizadores, o objetivo da disciplina é trabalhar importantes aspectos do conhecimento socioemocional dos alunos, contemplando reflexões filosóficas e o autoconhecimento para atuar no desenvolvimento das relações humanas, importantes no contexto de pluralidade da Universidade e na formação individual de cada ser. Estão programados tópicos como aprendizagem ativa e interdisciplinaridade, o cérebro e a neurociência, a constituição do sujeito, a importância do vínculo social, evolução cognitiva versus emocional, e diferença entre sentimentos e emoções e missão, propósito e amor. 

“Vamos falar principalmente sobre relações humanas, do quanto a gente precisa se envolver com as emoções e sentimentos e de resiliência. Vivendo nesse mundo caótico de hoje e com o advento da tecnologia, identificamos pessoas que estão sozinhas, isoladas; dentro da universidade não é diferente, acontece também com os alunos”, afirma Vanessa Rodrigues, que é publicitária, documentarista e estudante de psicologia. “É a primeira vez que trazemos o tema para a Universidade. Aqui em Campinas, já militamos há cinco anos contra a violência dentro de escolas públicas e privadas, trabalhando aspectos socioemocionais junto a crianças e adolescentes.” 

Marco Antonio Linhares, engenheiro de computação pela Unicamp e parceiro de militância de Vanessa Rodrigues, foi quem teve a ideia de encampar a iniciativa de Harvard, onde a disciplina “Felicidade” é a mais procurada pelos estudantes desde sua implantação, e propor que a FEEC concorresse ao edital da PRG. “Pensei: por que não trazer o tema para a Unicamp, onde passei os melhores anos da minha vida e também situações bem difíceis? Queremos oferecer esse conteúdo e fazer com que as pessoas criem um projeto pessoal e saiam da disciplina mais felizes e mais resilientes para enfrentar os seus dasafios.”

O professor Leandro Tiago Manera conta que a condição de coordenador de Graduação da FEEC facilitou conhecer de perto os alunos, sobretudo suas reclamações, que têm muito a ver com relações pessoais. “Recebemos diversas demandas relacionadas à saúde mental. Os estudantes que chegam são geralmente os melhores dos cursos que fizeram e receber, de repente, uma nota muito baixa em uma disciplina, já representa grande impacto na vida deles – e é prejudicial em termos de bolsas, estágios, intercâmbios. Eles não estão acostumados, não sabem lidar com isso. Há também dificuldade em fazer amizades, pois as relações na faculdade são lineares.”

Há cerca de dois anos, recorda o coordenador de Graduação, começou-se a pensar na criação de um grupo de apoio aos estudantes, mas seria um atendimento mais pontual que o prestado pela Pró-Reitoria de Graduação através do Sappe (Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica). “Quando Vanessa e Marco, que possuem experiência no tema, chegaram com essa ideia, fomos contemplados no edital, o que se encaixou muito bem com a nossa proposta, que é realmente muito oportuna e atual.”

Vanessa Rodrigues informa que as universidades no mundo já reconheceram a importância de incluir conteúdos emocionais em seus cursos, formando o aluno não só em suas competências técnicas, mas com uma formação emocional equivalente, pronto para enfrentar a vida. “É preciso deixar claro que a aula não é clínica, não é uma terapia de grupo. É um grande bate-papo, bem leve, passando pela bioquímica e o cérebro, comportamento e entrando no autoconhecimento: como você se identifica como pessoa, como se vê, como vê o outro. A pessoa vai vivendo a vida automaticamente, sem se perguntar se gosta do que faz, do trabalho ou da namorada. São perguntas desconfortáveis que fazem com que se cresça, as respostas vão apontar para o aluno o caminho a trilhar.”

O tal do ‘bullying’

Leandro Manera não tem os números na cabeça, mas considera cada vez mais evidente na Universidade o aumento de casos do que se convencionou chamar de “bullying” – definido como um conjunto de violências que se repetem contra uma pessoa, com agressões verbais, físicas e psicológicas que humilham, intimidam e traumatizam a vítima. Vanessa Rodrigues, no entanto, contesta o termo que pode ter um significado para os americanos, mas que no Brasil deveria ser traduzido por ofensa, humilhação ou sadismo com o outro. “Aqui, as pessoas acham que ‘bullying’ é um nada, uma palavra que não dói.”

A Unicamp oferece desde 1987 o atendimento pelo Sappe, que é individual e busca auxiliar o aluno em seus questionamentos no momento em que esteja passando por algum conflito e necessite de ajuda psicológica imediata. A justificativa é de que o aluno ingressa na Universidade rodeado de grandes expectativas e também sob muitas pressões, que podem levar a um desfecho negativo. O ingressante enfrenta problemas diversos: dúvidas quanto ao curso escolhido, a saída de casa e a falta dos velhos amigos numa cidade às vezes desconhecida, mudança de hábitos de sono e de alimentação, a necessidade de gerir sua residência e a própria vida. A fim de zelar para que o percurso do aluno seja o melhor possível, o Sappe mantém equipes de psicólogos e psiquiatras nos campi de Campinas, Limeira e Piracicaba. 

Drama pessoal

Vanessa Rodrigues iniciou seu trabalho voluntário contra a violência dentro de escolas a partir de uma experiência pessoal, ao descobrir que a filha passava por um gravíssimo problema de ‘bullying’. “Ela pedia para morrer com cinco anos de idade. Foi a psicólogo, psiquiátrica e tomou todo tipo de remédio. Ficava isolada dentro da sala de aula, não tinha amigos, tomava lanche sozinha, não era convidada para o aniversário de outras crianças; na festa junina, combinaram que ninguém dançaria com ela. Fui descobrir muito tempo depois.”

A partir de então, Vanessa começou a estudar o fenômeno da violência e das agressões dentro da escola e, tendo lido 26 livros em sequência, montou uma palestra com o que havia apreendido, dirigida primeiramente aos professores da filha. “As escolas não estão preparadas para lidar com a questão do ‘bullying’, acham que é só fazer as pazes entre as crianças, quando essa violência cria feridas na alma. Uma das professoras foi trabalhar em outra escola e me convidou para dar outra palestra lá. Vieram vários outros convites e assim começou esse trabalho voluntário.”

Atentando para a inexistência de dados oficiais sobre ‘bullying’ no Brasil, Vanessa Rodrigues pretende coletar informações pelo menos de Campinas. A militância também resultou em um filme documentário, produzido por ela e o professor Marco Linhares, que deve ser finalizado ainda este ano. “O filme traz histórias reais de pessoas, hoje adultas, que passaram por agressões dentro da escola, e depoimentos de grandes especialistas na área de psicologia e pensadores. Queremos disseminar o documentário gratuitamente nas escolas, ONGs e outras agremiações, disponibilizando-o numa plataforma digital, para que seja uma ferramenta de transformação para os professores – o título é ‘Perto demais’. O suicídio infantil vem crescendo, o que não podemos tolerar, achar que é mimimi.”

Aula aberta

Marcos Linhares faz um convite especial aos calouros da Unicamp de 2020, para uma grande aula aberta sobre a disciplina “Felicidade”, no dia 04 de março, das 10h às 12h, no Auditório da Biblioteca Cesar Lattes. “A expectativa é de grande procura, pois chegamos a mais de 120 pré-inscritos em dois dias, com uma única postagem no Facebook. Foram mais de 300 curtidas e 200 comentários”, comemora o professor da FEEC. Entre os comentários, dois bem-humorados: “Se eu não passar [na disciplina] vou ficar infeliz?”; “Tenho certeza de que vou levar bomba”.

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004