“No mundo de hoje, em que o conhecimento é tão atacado, fico feliz de estar aqui porque eu não seria o que sou sem a Unicamp, sem a Química e sem tudo aquilo que aprendi nesses 40 anos”. Com essa fala, Roberto Rinaldi, ex-aluno da Unicamp, abriu a aula magna do Instituto Química (IQ) nesta terça-feira (10). Hoje professor do Imperial College, no Reino Unido, Roberto compartilhou reflexões sobre sua trajetória acadêmica, enfatizando o papel do conhecimento na sociedade e em sua vida. A aula ocorreu no Centro de Convenções da Unicamp, em celebração à renovação da acreditação dos cursos do IQ pela Royal Society of Chemistry.
Quem vê os títulos, prêmios e o destaque do professor Roberto Rinaldi pelas pesquisas na área dos biocombustíveis, muitas vezes não imagina as barreiras que ele enfrentou para permanecer estudando. “A primeira barreira foi o fato da minha dislexia. Quando criança, comecei muito lentamente a falar corretamente. E eu vinha de uma família com poucos recursos, tanto financeiros quanto emocionais. A vida foi muito estranha comigo. Nasci pobre, numa família com muitas dificuldades, com um pai bipolar, uma mãe esquizofrênica, um irmão também esquizofrênico. Hoje dou aula numa das melhores universidades na Inglaterra e saí de uma das melhores universidades do Brasil, sem dúvida”.
O pesquisador, que realizou graduação, mestrado e doutorado na Unicamp e pós-doutorado no Max Planck, uma das principais instituições científicas e tecnológicas do mundo, relembrou que um grande marco durante sua infância foi o incentivo vindo de uma professora. “A Marli, quando me viu aprendendo logaritmos para calcular PH na segunda série sem saber falar, disse que eu era um menino especial, eu acreditei nisso e fui feliz por isso, pois há pessoas que naquela época eram pobres, tinham todos esses problemas e normalmente elas nunca chegariam onde eu cheguei. Eu cheguei porque acredito que com conhecimento a gente consegue construir um mundo melhor”.
Por isso, ele demonstra convicção que o investimento na educação é fundamental. Assim como as políticas de permanência estudantil. Sem Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), afirmou, não teria sido possível concluir a graduação. “Foi com a bolsa-trabalho que eu pude largar a rotina de ter que escolher entre vir a pé lá do 'Tapetão' para a Unicamp ou ter tempo para almoçar”.
Valorizar as instituições brasileiras
Roberto, durante a aula, também comentou sobre a importância de valorizar o conhecimento produzido no Brasil. “[É necessário] olhar com carinho para aquilo que a gente precisa para o Brasil, não só para o que é moda lá fora. O brasileiro precisa aprender a valorizar instituições, suas publicações, seus problemas, suas soluções e seus colegas”.
Manter a autonomia das universidades também é, para ele, fundamental. Comentando o exemplo de universidades alemãs que foram instrumentalizadas durante o regime nazista, cometendo crimes contra a humanidade, ele defendeu que a ciência não sofra interferência de governos. “As universidades têm que ser autônomas e não dirigidas por nenhuma política de governo. A única política de governo que é bem vinda dentro da universidade é abrir os cofres para investir no futuro. A ciência quando é instrumentalizada faz coisas muito terríveis”.
Para que haja uma maior disseminação do importante papel da pesquisa em um âmbito mais geral, ele aponta a divulgação científica como um elemento primordial. “Comunicar-se com a sociedade em linguagem acessível é chave para criar uma cultura de valorização da ciência. Gerar o entendimento que a universidade não é um gasto ou um luxo mas uma necessidade fundamental para desenvolver o Brasil”.
Com isso, e com a cooperação entre a comunidade acadêmica, ele acredita que é possível superar os ataques que as instituições de ensino vêm sofrendo atualmente. “Toda a dificuldades e essa brutalidade com que a universidade brasileira é questionada, o não reconhecimento às vezes da sociedade da universidade brasileira como patrimônio pode ser visto como um teste. A universidade está passando por um teste muito difícil. Vamos passar por esse teste e nos inspirar”.
A excelência do Instituto de Química
Tendo passado por diversas instituições de ensino reconhecidas, o professor aponta que o Instituto de Química possui o que há de melhor na área. “Vocês não vão achar nenhuma diferença entre o que tem aqui e o que tem lá fora. Estamos em condições de igualdade”, compartilhou.
Segundo observam, no IQ há um corpo docente e técnico de alto nível. A infraestrutura, como os laboratórios e bibliotecas também foram elogiadas por Roberto. Além disso, um diferencial da Unicamp encontra-se no fato de haver um balanço entre as quatro principais áreas da química - química orgânica, química inorgânica, química analítica e físico-química. “São poucas universidades no Brasil que veem a química como uma ciência não esquartejada. O compartilhamento da ciência química nas quatro caixinhas é a pior coisa que existe na formação do profissional”.
Para ele há um problema das universidade britânicas, que geralmente excluem dos currículos a química analítica, ramo da ciência que trata de métodos de identificação e quantificação de elementos presentes em uma amostra. “Não façam o erro do norte de excluir a química analítica do currículo, isso é a pior coisa que pode ser feita. O sistema anglo-saxão vê a química analítica como um serviço técnico, mas isso é um dos maiores desastres que existe na formação de profissionais da química”.
A sua iniciação científica, conta, foi na química analítica e foi por conta deste conhecimento que soube analisar misturas complexas da biomassa e tirar conclusões que fazem sentido. “A Química da Unicamp ajuda a conectar os pontos. Uma coisa é você ter conhecimento, outra é ter entendimento. A gente tem informação na palma das mãos, mas saber conectar os pontos é o que faz a diferença na Química da Unicamp”.
O professor também elogiou o fato do ensino contar com professores críticos, cuja ênfase é entender as questões centrais de problemas científicos. “Isso foi muito diferente em outras universidades, mesmo boas universidades”. Além disso, ter um corpo docente plural, internacionalizado, é um elemento que ele diz contribuir para trazer diferentes visões e ângulos sobre um problema. “O aspecto cultural na ciência ainda é muito desconsiderado, mas de fato existe um importância muito grande na cultura que você é, como você vê o mundo e como faz ciência”.
Durante a fala, Roberto também fez uma homenagem ao professor do IQ Ulf Schuchardt, falecido em fevereiro deste ano. Ulf, que foi seu orientador e veio da Alemanha para o Brasil em 1976, foi um dos pioneiros do Instituto de Química. “Sempre foi uma pessoa de fala dura, mas com um coração muito generoso. O coração falta no hemisfério norte e foi isso que trouxe o Ulf para o brasil. Quando ele chegou e viu o calor, a amizade do povo brasileiro, ele começou a fazer sua família científica. Nem sempre compreendido, porque era uma pessoa à frente do seu tempo”.
Outra homenagem prestada pelo docente foi à professora Inés Joekes, falecida em 2013. Inés também era do IQ e foi coordenadora do SAE.
Cerimônia de acreditação
A cerimônia de acreditação dos cursos do IQ pela Royal Society of Chemistry contou também com a presença da pró-reitora de Graduação da Unicamp, Eliane Amaral; o diretor do IQ, Marco Aurélio Zezzi Arruda; o coordenador de graduação do IQ, Italo Odoni Mazzali; o presidente da Fapesp, Marco Antonio Zago; o cônsul britânico na região de Campinas, Pierre Coudry e a gerente da RSC no Brasil, Elizabeth Magalhães.