Esperar um bebê já é, por si só, um motivo importante para que se tome mais cuidado com a saúde feminina. Agora com a pandemia do coronavírus, muitas gestantes e mulheres que deram à luz recentemente preocupam-se com os riscos que a nova doença pode trazer aos bebês e a elas mesmas. Diferente de outras doenças, até o momento as gestantes não foram incluídas nos grupos de risco da Covid-19. Porém, como este tipo de coronavírus que está em circulação ainda é uma novidade para a medicina, é necessária a atenção aos efeitos imediatos e de longo prazo que ele pode causar em diversos grupos populacionais.
Para monitorar a saúde de gestantes e reunir dados importantes sobre como a pandemia influenciou a vida dessa população, o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp pretende dar início a uma pesquisa multidisciplinar de longo prazo com as pacientes atendidas em hospitais de referência para gestação de alto risco em várias regiões do Brasil. O projeto está sendo finalizado para ser posto em prática e é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa em Morbidade Materna Grave da Unicamp do qual fazem parte os professores Rodolfo de Carvalho Pacagnella, Maria Laura Costa do Nascimento, José Guilherme Cecatti, Giuliane Jesus Lajos, além do aluno de pós-doutorado Renato Teixeira Souza e de alunos de doutorado, mestrado e graduação.
Os dados serão obtidos em algumas instituições de uma rede integrada de cerca de 30 hospitais e centros de pesquisa do país que fazem parte da Rede Brasileira de Estudos em Saúde Materna e Perinatal, da qual o Caism é coordenador. Com o trabalho executado em rede, será possível oferecer às autoridades de saúde, órgãos que trabalham com a elaboração de políticas públicas e também a pesquisadores um retrato de como as gestantes do país vivenciaram a pandemia do coronavírus. Segundo Rodolfo Pacagnella, existe ainda a possibilidade de a pesquisa ser estendida a outros países da América Latina por meio do Centro Latino Americano de Perinatologia, Saúde da Mulher e Reprodutiva, órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Estudo realizado em três frentes
Rodolfo explica que a iniciativa de dar início ao estudo surgiu a partir do receio de que, por não estarem incluídas nos grupos de risco da Covid-19, as gestantes pudessem sofrer efeitos ligados a doença que passassem despercebidos. "Ao que parece, diferente do que aconteceu com o H1N1, as gestantes não são grupo de risco de maior mortalidade pelo coronavírus. Mas pode ser que aquelas que apresentam algum tipo de complicação na gravidez, como síndromes hipertensivas e diabetes, tenham um risco maior de complicação por causa da infecção pelo vírus", analisa o professor.
Na busca por uma abordagem integrada, a pesquisa deverá se concentrar em três aspectos principais. Nos primeiros três meses, período em que as autoridades de saúde preveem o pico da pandemia no país, o estudo vai mapear a prevalência do coronavírus na população gestante, verificando quantas mulheres apresentam a doença, se elas integram algum grupo de risco devido a outros fatores, entre outros aspectos. Outra frente de análise será dedicada às pacientes que forem diagnosticadas com a Covid-19. Com elas, será feito um acompanhamento de toda a gravidez até o parto, para identificar possíveis complicações que a doença possa trazer à gestação e à saúde feminina.
Ao longo da pesquisa, também serão feitos estudos sobre a disseminação de informações sobre o coronavírus e a relação da doença com a gravidez. Os pesquisadores pretendem verificar como as gestantes se informam sobre a pandemia, onde buscam notícias, por quais conteúdos se interessam. Rodolfo comenta que essas são as três frentes principais, mas que outras observações deverão ser realizadas. Ele cita o exemplo da possibilidade de observarem uma redução nas taxas de natalidade causada pela preocupação de casais em terem filhos em meio à pandemia.
Inteligência Artificial e análise de dados
Além do monitoramento clínico de pacientes, o grupo pretende contar com o auxílio de recursos da ciência de dados e da inteligência artificial para analisar o que informações numéricas obtidas ao longo da pesquisa podem indicar sobre a situação da doença e facilitar na tomada de decisões para o futuro. Segundo Cristiano Torezzan, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp e participante do projeto na elaboração de soluções de modelagem computacional para os dados, existem possibilidades de aplicação que estão sendo analisadas.
Ele explica que, atualmente, podem ser realizadas duas ações. A primeira envolve o uso de dados obtidos nos atendimentos de triagem que podem indicar a tendência maior ou menor de diagnósticos positivos da doença. Isso seria feito a partir da integração desses dados com outras informações clínicas, o que poderia facilitar também para o acompanhamento remoto das pacientes. "Vamos estudar a integração dos dados de pré-triagem com alguns dados clínicos que possam servir para um modelo de predição de diagnóstico. Isso seria feito de forma anônima, sem qualquer identificação da paciente", informa Cristiano.
Outra possibilidade é a realização de pesquisas on-line, que seriam respondidas de forma anônima e voluntária, para mapeamento dos casos suspeitos e confirmados de Covid-19 por meio de georreferenciamento, indicando áreas de maior incidência. Cristiano comenta que, neste caso, não seria uma aplicação relacionada diretamente ao acompanhamento das pacientes, mas que pode auxiliar no planejamento e na elaboração de políticas e ações de saúde.