A pandemia de COVID-19 levou a Reitoria da Unicamp a suspender, no dia 12 de março, as atividades de ensino presencial da Universidade. Quatro dias depois, a Reitoria divulgou um programa emergencial para os cursos e disciplinas de graduação e pós-graduação, com o objetivo de preservar as atividades acadêmicas do 1º semestre de 2020.
O programa definiu que as coordenações dos cursos de graduação e pós-graduação da Unicamp seriam responsáveis por estabelecer a migração para atividades de educação digital. A direção do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) agiu rapidamente e convocou coordenadores e professores para encontrar soluções de como fazer algo que nunca havia sido feito em toda a história da Universidade.
“Nosso instituto e as demais unidades de ensino e pesquisa da Unicamp se depararam com o imenso desafio de migrar todas as suas atividades de ensino presencial para ensino remoto”, disse o professor Pascoal José Giglio Pagliuso, diretor do IFGW.
De uma hora para outra, 84 professores do IFGW tiveram que encontrar alternativas para continuar as atividades didáticas, ministrando aulas a estudantes em isolamento em suas casas. Todos eles, professores e alunos, fisicamente separados uns dos outros e distantes do campus de Barão Geraldo.
“Em poucos dias, com imenso esforço de professores, funcionários e alunos, nosso Instituto desenvolveu um Plano de Ensino Remoto Emergencial para mais de 60 disciplinas, incluindo graduação e pós-graduação, atingindo cerca de 5 mil matrículas de alunos da Unicamp e diminuindo o impacto da pandemia em toda a nossa comunidade acadêmica”, disse Pagliuso.
Os docentes e alunos do Programa de Estágio Docente (PEDs) do IFGW tiveram que adaptar o que haviam programado para o semestre, como calendário de atividades ou avaliação, e readequar disciplinas teóricas e experimentais. Tudo o que planejaram antes de começar o ano letivo teve que ser revisto.
“Neste semestre, estou dando o curso de Estrutura da Matéria, que é o primeiro contato dos alunos com a Mecânica Quântica. Já dei esse curso várias vezes e tinha toda a minha preparação feita e minhas notas de aula prontas. Tive que mudar bastante o esquema ao qual estava acostumado”, disse Marcus Aguiar, professor no IFGW há 30 anos.
Aguiar destaca as dificuldades e a complexidade da migração. “Logo depois que a Coordenação da Graduação avisou que teríamos que lecionar remotamente, foi aquela correria para baixar aplicativos, entender como funcionam e preparar novamente todas as aulas. Tenho gravado as aulas pelo Zoom e publicado junto com os slides que apresento em classe em uma página na internet para os alunos acessarem. As notas manuscritas eu já colocava”, disse.
A súbita mudança também preocupou Eduardo Miranda, docente na Unicamp desde 1997 e que este semestre ministra Eletrodinâmica I. “No início, fiquei nervoso. Achava que não tinha jeito, que não ia funcionar. Mas fui aprendendo a usar as ferramentas, fiz testes com alunos, conversei com ex-alunos que estão no exterior sobre as experiências deles com ensino digital. Testei o Google Meet e o Zoom e acabei preferindo o primeiro. Foi difícil, mas em uma semana já tinha estabelecido um método para o ensino de minha disciplina”, disse.
Outro recurso digital que Miranda continua empregando é o uso de tablet para auxiliar na exposição. “E agora integrei o Google Meet. Vou expondo, dando a minha aula como daria, só que no ambiente virtual. E, no final, o vídeo comigo falando para os alunos e escrevendo no tablet também fica disponível na internet. Isso antes não tinha. Eu não me gravava dando aula. Agora, eu faço isso”, disse Miranda.
Salas de aula online
A professora Gabriela Castellano ministra e coordena a disciplina de Física Experimental III, uma das disciplinas do Básico que atende a alunos não apenas da Física, mas de várias unidades da Unicamp. Este semestre, a disciplina tem cerca de 1 mil alunos matriculados.
“Como já tínhamos aulas gravadas, pedimos para os alunos assistirem os vídeos e, depois, nos reunimos com eles usando sistemas online como o Google Meet. Os alunos também tiram dúvidas de exercícios com os pós-doutorandos que auxiliam na disciplina. Nas aulas, sorteamos um exercício que os alunos devem fazer e entregar ao final, por meio do Google Classroom.
Em outra disciplina ministrada por Castellano, Imagens Médicas com Radiação Não-Ionizantes, a docente tem experimentado vários recursos. “No horário de aula, compartilho as minhas notas na tela do computador enquanto vou descrevendo os tópicos abordados. Antes da aula, gravo no celular vídeos curtos, com cerca de 10 minutos cada um, que intercalo durante a conversa, também por meio do Google Meet. Em cada disciplina vamos descobrindo o melhor jeito de dar a aula”, disse.
Na pós-graduação os docentes também têm utilizado diversas ferramentas no apoio ao ensino remoto, explica Marcos Cesar de Oliveira, coordenador da Pós-Graduação do IFGW. “Neste semestre, temos 10 disciplinas, com 10 professores. Coincidentemente, desta vez não há uma disciplina mais experimental, são todas com base teórica, o que nos ajudou. Temos passado listas de assuntos para os alunos estudarem e marcamos reuniões por Skype ou Google Meet. Estamos tentando manter todas as atividades e tanto docentes como alunos têm se esforçado bastante”, disse.
“Na disciplina que ministro, Introdução à Teoria de Informação, tenho dado aulas com o uso do Zoom. As aulas são gravadas e depois ficam disponíveis para outros alunos assistirem. Há uma parte prática, de desenvolvimento de programas, que os alunos podem fazer em casa”, disse Oliveira.
Varlei Rodrigues e os demais docentes que ministram Introdução à Eletrônica, disciplina do quinto semestre de Física, adotaram o Microsoft Teams para suas aulas. “É uma plataforma muito utilizada em reuniões a distância. É gratuita, fácil de usar e o login dos alunos é o mesmo que usam nos sistemas da Unicamp. Outra vantagem é que todos os documentos que colocamos ficam no repositório e integrados com dúvidas e conversas entre professores e alunos. Tudo fica registrado e pode ser consultado a qualquer momento”, disse.
Para vários docentes do IFGW, o Plano de Ensino Remoto Emergencial significou ampliar o que já vinha sendo feito. O uso de ambientes virtuais de aprendizagem tem sido há anos parte fundamental do currículo de diversas disciplinas. É o caso de Introdução à Física Teórica, ministrado neste primeiro semestre de 2020 por Rickson Coelho Mesquita, Coordenador de Graduação do IFGW.
“É uma disciplina com uma metodologia bem ativa, na qual o aluno tem que trabalhar bastante fora da sala de aula. Trabalhamos há bastante tempo com ambientes virtuais de aprendizagem, especialmente o Moodle. Temos aulas teóricas que foram gravadas ao longo dos últimos anos e os alunos assistem e, depois, usam o Moodle para resolver problemas relacionados ao tema estudado”, disse.
“A migração para o ensino remoto tem sido tranquila mas tivemos que fazer adequações, por exemplo, no tempo de aula que era dedicada a projetos. Antes do isolamento, usávamos laboratórios do IFGW, com infraestrutura excelente para fazer os projetos e, agora, os alunos estão usando mais a criatividade para fazer experimentos com os materiais que têm em casa”, disse Mesquita.
O professor Thiago Pedro Mayer Alegre, que ministra as disciplinas de Física Experimental III e de Seminários sobre a Profissão, também destaca a importância de se usar ambientes virtuais de aprendizagem no IFGW.
“Temos usado o Moodle há vários anos, principalmente para as disciplinas básicas, chamadas de disciplinas coordenadas. O Moodle é uma ferramenta de centralização que permite com que textos das disciplinas, questionários, roteiros para relatórios, dúvidas dos alunos, exercícios, tudo isso seja centralizado na plataforma”, disse.
“Ao longo da semana, temos plantões de dúvidas online. Nos horários de aula, nos reunimos com os alunos, também pelo Google Meet. Estamos experimentando gravar alguns desses atendimentos, com a permissão dos alunos, e publicar em nosso canal no Moodle, que é um canal privado da disciplina dentro da rede da Unicamp. A ideia é que alunos que não possam estar naqueles horários de atendimento chequem esses encontros depois”, disse.
Atividades experimentais a distância
Se migrar aulas mais teóricas para o ensino digital já é complicado, o que dizer de aulas que dependem em grande parte de atividades experimentais? É uma mudança que exige muita criatividade e dedicação, mas os docentes do IFGW têm conseguido ministrar suas disciplinas independentemente do quanto perderam quando os alunos deixaram de frequentar as salas de aula e os laboratórios.
Há seis anos no Instituto, Alessandra Tomal é professora dos cursos de Física Médica e de Física Biomédica, ministrando disciplinas profissionais, do terceiro e do quarto ano da graduação. “Este semestre, estou dando a disciplina Interação da Radiação e Detecção, na qual boa parte das aulas é conduzida em laboratório. Foi preciso adotar um novo cronograma de modo que, em um primeiro momento, tivéssemos aulas teóricas, complementadas com atividades de discussão de conceito e de pesquisa por parte dos alunos sobre tipos de instrumentos utilizados na medição de radiação. Ao mesmo tempo, forneço a eles dados sobre os equipamentos de forma geral, para que conheçam os princípios básicos de operação”, disse.
Ela explica que para sua turma, que conta com 23 estudantes do quarto ano de graduação, a migração não tem sido particularmente difícil. “Mas no ensino remoto precisamos ser mais sucintos, mais criativos, temos que motivar mais, mostrar onde aplicar e qual a importância do que estamos ensinando. É um desafio grande para todos e estamos aprendendo juntos”, disse Tomal.
Felippe Alexandre Silva Barbosa ministra a disciplina de Laboratórios de Física 4, cujo plano de desenvolvimento da disciplina envolve quatro componentes a serem abordados pelos alunos. Dos quatro componentes, somente um não tem como ser feito por meio de ensino a distância, pois envolve a execução de experimentos em laboratório. “Estamos usando o período de ensino digital para fazer um ‘intensivão’ nos outros três componentes da disciplina: planejar o experimento, analisar dados e apresentar o que foi aprendido na forma de relatório”, disse.
“Os alunos estão também usando simuladores disponíveis na internet e acompanhando a realização de experimentos. Eu havia gravado experimentos em laboratório nos quais, conforme são realizados, os alunos podem ver em vídeo – e pausar quando quiserem – as informações nas telas dos instrumentos e outros detalhes. Isso é o que eles teriam que fazer no laboratório”, disse Barbosa.
Introdução à Eletrônica é outra disciplina com muitas atividades experimentais que têm sido adaptadas para o ensino remoto. “Nas aulas em laboratório, os alunos coletam dados e montam circuitos em bancada. Agora, estamos realizando simulações no Tinkercad, um aplicativo online gratuito que permite montar circuitos, cujos capacitores e outros componentes não são representados de forma esquemática, mas em figuras tridimensionais como se fossem componentes reais. Se eles montarem errado, o circuito não funciona”, disse Varlei Rodrigues.
O Tinkercad também tem sido usado pelos docentes de Física Experimental para atividades que seriam feitas em laboratórios do IFGW.
Aulas em vídeo
Lázaro Aurélio Padilha Junior ministra Mecânica Geral, uma das primeiras disciplinas do núcleo profissional. Como as aulas são fundamentalmente teóricas, o professor decidiu gravá-las em vídeo. “Achei que o resultado tinha ficado bom, mas logo depois de subir as aulas os alunos mandaram mensagens reclamando que não dava para ler a lousa ou que o som estava ruim. É um grande desafio aprender a fazer uma aula decente em vídeo e os alunos têm me ajudado bastante nisso”, disse.
“Temos gravado as aulas e colocado no YouTube e usamos os horários das aulas para tirar dúvidas dos alunos, com ajuda do Google Meet e do Google Classroom. No meu caso, quinta-feira é dia de exercícios. Pego o conteúdo da semana, que eles assistiram na aula em vídeo, e faço um Google Meet no qual preparo um exercício e depois resolvemos juntos em uma lousa virtual”, disse Padilha.
Os professores de Física Experimental também têm tido bom resultado com a gravação de aulas em vídeo, que têm servido de apoio para o ensino neste semestre, tanto que devem continuar a empregar o recurso mesmo depois do retorno das aulas presenciais.
“Estamos produzindo as videoaulas com o conteúdo que seria explorado em cada semestre. E temos publicado os vídeos no YouTube para que possam ser imediatamente acessados pelos alunos. Isso é importante por que quem não tem acesso por banda larga em casa pode ver as aulas pelo celular, uma vez que algumas operadoras de telefonia oferecem acesso ilimitado ao YouTube. Os vídeos originais, sem a compressão do YouTube, ficam também disponíveis em nosso repositório acadêmico no Moodle”, disse Thiago Alegre.
Bons resultados e lições para o futuro
Com a pandemia de COVID-19 longe de acabar, o Plano de Ensino Remoto Emergencial do IFGW continua em pleno funcionamento. Há menos dúvidas e problemas do que no início da migração, mas eles ainda existem. “Por conta disso, criamos uma coordenação, o Espaço de Apoio ao Ensino Digital, com três docentes que têm experiência no uso de ferramentas de ensino digital e que estão dando apoio aos outros professores”, disse Rickson Mesquita.
Seja no modo presencial ou no modo remoto, cada disciplina tem suas particularidades e cada docente tem sua maneira de dar aula. Por conta disso, o Plano Emergencial acaba reunindo diferentes tentativas e experiências, todas muito valiosas.
“Ninguém faz igual, cada um tem suas preferências, mas todos estão abertos e ouvindo o que os outros estão fazendo. Todos estão aprendendo e se adaptando muito bem. Acho inclusive que algumas das coisas que estou aprendendo a fazer eu vou manter depois que o isolamento acabar, vou migrar para a sala de aula”, disse Eduardo Miranda.
Pascoal Pagliuso destaca o esforço dos docentes do IFGW e elogia o resultado. “Estamos produzindo um material importante e de qualidade que ficará disponível não apenas para os alunos atuais mas para os das futuras turmas. É claro que isso não vai substituir o ensino tradicional, presencial, mas será um material de apoio valioso não apenas para a Unicamp, mas para estudantes de outras instituições do país”, disse o diretor do IFGW.
Vídeos, notas de aula e outros materiais das disciplinas ministradas pelos professores do IFGW podem ser acessados nas páginas dos docentes em https://sites.ifi.unicamp.br.
Professores do IFGW participam da Força-Tarefa contra a COVID-19
A Força-Tarefa contra a COVID-19 da Unicamp foi criada com o objetivo de estruturar a universidade e sua comunidade para enfrentar a pandemia atual. A Força Tarefa atua nas frentes: Diagnóstico; Pesquisa e Desenvolvimento; Pesquisa Básica; Divulgação; Captação de Recursos; Articulação; Ensaios Clínicos; e Modelagem Epidemiológica. Pesquisadores do IFGW têm participado especialmente em atividades que envolvem tecnologia.
“Havia vários esforços isolados na Unicamp na área tecnologia com relação ao coronavírus e resolvemos reunir tudo. No IFGW, têm surgido várias ideias. Uma primeira foi fazer um site ou aplicativo para triagem remota de pacientes. Uma pessoa com tosse ou febre pode consultar um médico virtualmente, sem ter que ir ao hospital. Por que o problema de ir ao hospital é que se você tem a COVID-19 pode passar para outros e, se não tem, pode pegar. Discutimos a ideia com o pessoal do Instituto de Computação, que continuou tocando o projeto”, disse o professor Lázaro Padilha, integrante da Força-Tarefa.
“Começamos a pensar em agentes físicos contra o coronavírus, especialmente com o uso de raio ultravioleta. Há várias empresas que fabricam aparelhos para isso, mas que custam caro, acima de R$ 3 mil. Já desenvolvemos no IFGW dois equipamentos para neutralizar coronavírus por ultravioleta e outros dois aparelhos junto com empresas parceiras, startups que nasceram de três ex-alunos do Instituto”, disse.
“Estamos combinando com o pessoal do Instituto de Biologia para testar em laboratório os equipamentos em coronavírus. Uma vez funcionando, nossa ideia é produzir o mais rapidamente e o quanto for possível. Para fazer uma unidade, o protótipo, gastamos cerca de R$ 500. Se comprarmos lâmpadas em caixa – a parte mais cara do equipamento –, o custo cai para menos de R$ 350. Ou seja, com uma fração do custo dos aparelhos tradicionais teremos um esterilizador supereficiente que poderemos doar aos hospitais da Unicamp e da região”, disse Padilha.
Outro exemplo da atuação do IFGW na Força-Tarefa contra a COVID-19 da Unicamp é a confecção de máscaras em impressoras 3D para os profissionais de saúde do Hospital de Clínicas da Unicamp, explica Rickson Mesquita, que tem trabalhado na iniciativa com outros dois professores, além de dois técnicos e dois alunos.
“Criamos também uma disciplina onde os alunos poderão desenvolver projetos colaborativos para auxiliar em suas respectivas comunidades, seja por meio da criação ou distribuição de materiais como máscaras, seja criando material de divulgação sobre a COVID-19 para informar e esclarecer moradores de seus bairros e cidades ou analisando dados da pandemia para tentar estimar o que estará ocorrendo no Brasil e no mundo nos próximos meses”, disse Mesquita.