Sergio Roberto de Lucca
Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a situação de pandemia da Covid-19 e recomendou as medidas de isolamento social e quarentena para diminuir o impacto da contaminação, porém causando impacto econômico e do emprego negativo para os 185 países com casos confirmados.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o isolamento social afetou 2,7 bilhões de trabalhadores (81%) no planeta e com maior impacto para os trabalhadores informais e os desempregados. Enquanto a maioria dos trabalhadores formais ainda conseguiu manter o emprego e renda, os trabalhadores de serviços essenciais não reduziram a jornada e em alguns setores, notadamente no setor saúde, houve aumento do trabalho e da exposição ao risco de contaminação pelo novo coronavírus.
Este artigo tem por objetivo discutir os impactos psicossociais e de saúde dos trabalhadores na pandemia da Covid-19.
Considerando-se que antes da pandemia a maioria da população economicamente ativa já se encontrava desempregada ou trabalhando na informalidade, o isolamento social causou impacto direto na necessidade de sobrevivência. A falta de renda pode pressionar esses trabalhadores a saírem do isolamento. Além disso, a pandemia desencadeia o medo de ser contaminado ou de contaminar uma pessoa próxima ou familiar, provocando, assim, sintomas de estresse e ansiedade.
Já entre os trabalhadores do setor formal há o receio de perder o emprego e a renda. Do lado empresarial verificam-se vários arranjos; desde a manutenção das atividades em home office até as propostas de redução de carga horária e salário ou da possibilidade de deixar de pagar o salário em troca da manutenção do emprego após a pandemia.
No Brasil, as pequenas e micro empresas absorvem mais de 70% dos empregos formais. A falta de profissionais de saúde no trabalho capacitados para esclarecer os empregadores e trabalhadores sobre a eficácia do isolamento social e medidas sanitárias e de biossegurança nos locais de trabalho pode expor os trabalhadores ao risco de contaminação pela Covid-19. Pontuam-se as dificuldades em garantir ambientes de trabalho que disponibilizem lavatórios com sabão líquido, papel toalha e álcool gel; que consigam manter o espaçamento de 2 m entre as estações de trabalho/indivíduos e que possuam ventilação natural. Desta forma, trabalhar fora destas condições coloca os trabalhadores, seus familiares e a população em risco.
Trabalhadores de serviços essenciais
A Medida Provisória 927/2020 e o Decreto Federal 10.282/2020 definem os serviços públicos e atividades essenciais “indispensáveis ao atendimento das necessidades da comunidade”. Estes serviços incluem os trabalhadores de limpeza, dos correios, da coleta de lixo urbano, cuidadores, policiais, militares, bombeiros, carteiros, trabalhadores de supermercados e farmácias, transportadores de carga, motoristas e entregadores via aplicativos, entre outros.
A maioria dos estabelecimentos de saúde terceirizam os serviços de limpeza. Por trabalharem nestes serviços, o risco de contaminação pelo novo coronavírus é elevado. A falta de treinamento adequado sobre os procedimentos e orientações de biossegurança nas situações de risco biológico e do fornecimento e uso dos EPIs (equipamentos de proteção individual) aumentam o risco de contaminação. Assim como os profissionais de saúde, os trabalhadores da limpeza nos estabelecimentos de saúde deveriam também ter prioridade para a realização de testes para a Covid-19 na vigência de sintomas respiratórios.
Os demais trabalhadores de serviços essenciais também estão permanentemente expostos no atendimento da população usuária dos serviços e também sobmaior risco de contaminação. Em situação de pandemia, eles também deveriam receber treinamentos específicos e equipamentos de biossegurança. Entretanto, observa-se que a maioria dos trabalhadores de supermercados, farmácias, motoristas, entre outros, estão desprovidos de barreiras físicas e da utilização de máscaras individuais durante o exercício das suas atividades de trabalho.
Profissionais da saúde
No Brasil, são mais de três milhões de profissionais de saúde, com predominância de mulheres e distribuídos nas categorias de enfermagem (76,7%), seguido dos médicos (15%) e dos Agentes Comunitários da Saúde (8,3%).
A atenção primária à saúde (APS), como os postos e unidades de saúde, nos territórios de abrangência e local de residência das pessoas em situações de maior vulnerabilidade sanitária reduz o risco de contaminação e a procura espontânea e dirigida desta população para o atendimento hospitalar.
A rápida ascensão no número de casos de Covid-19 na Itália, Espanha e Estados Unidos expôs a fragilidade da retaguarda hospitalar no cenário de recursos escassos. A falta de leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) e de equipamentos médicos foram alguns dos problemas enfrentados pelos profissionais de saúde. Nestas situações, a falta de EPIs para os trabalhadores de saúde aumenta o risco de contaminação devido à maior carga viral aos quais estes profissionais estão expostos, conforme relatados em vários países.
Milhares de casos de contaminação dos profissionais de saúde foram reportados na Espanha (6.500 casos), Itália (6.200) e na China (3.387). No Brasil, devido ao baixo número de testes realizados, os dados sobre o contingente de profissionais de saúde contaminados e afastados por contaminação do novo coronavírus estão subdimensionados.
Os afastamentos temporários do trabalho dos profissionais que testaram positivos desfalcam as equipes sobrecarregam os demais profissionais e aumentam o nível de estresse, sobretudo ao ter que lidar com os dilemas éticos durante a assistência dos pacientes em situação de risco e alocação de recursos escassos. Misturam-se atitudes e habilidades no campo técnico, ético e emocional. A solução, ao invés de boa, será apenas a possível para o momento e decidida mediante protocolos que estabeleceram os critérios objetivos de quem tem mais chances de sobreviver. A resolução 2156/2016 do Conselho Federal de Medicina estabelece uma hierarquização do nível de prioridade, à partir de uma ética utilitarista, para garantir o tratamento àqueles que têm mais chances de sobreviver. Os dilemas éticos e de julgamento moral acarretam em prejuízos emocionais para os profissionais.
Além das medidas e rotinas de biossegurança dos serviços de saúde para a proteção das equipes, os estabelecimentos devem manter procedimento de vigilância e monitoramento para a identificação precoce dos casos suspeitos ou confirmados de Covid-19. Todos os profissionais com sintomas respiratórias devem ser encaminhados para realização do teste e, independente do resultado, devem ser afastados da exposição ao risco biológico.
Em casos de afastamento, as áreas de vigilância ou o núcleo de controle de infecções do estabelecimento de saúde e a de assistência à saúde, juntamente com a área de saúde e segurança no trabalho, devem proceder na investigação para verificar eventuais falhas no processo de trabalho. Todos os casos de Covid-19 confirmados ou suspeitos dos profissionais de saúde são de notificação compulsória imediata pelos serviços públicos e privados, e devem ser registrados e notificados à vigilância do município e à Previdência Social por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
Além do elevado risco de contaminação e estresse vivenciados na atividade profissional dos trabalhadores da saúde, há a preocupação diária, sofrimento e medo de também haver contaminação de um familiar. Para minimizar o impacto emocional e psicossocial, os serviços de saúde precisam viabilizar um local seguro de descanso para estes profissionais e uma rede de apoio, ainda que virtual, para atendimento psicológico.
Garantia de direitos
O direito à vida digna e ao trabalho é um direito de todos os seres humanos. Os trabalhadores de serviços essenciais estão expostos ao risco de contaminação e precisam ser devidamente protegidos e monitorados, em especial, os profissionais de saúde.
Devido aos dilemas éticos em um cenário de alocação de recursos escassos recomendam-se também as medidas de apoio psicossocial a estes profissionais de saúde.
Sergio Roberto de Lucca é professor associado da área de saúde do trabalhador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Leia mais:
Recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de Covid-19 e outras síndromes gripais. Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador. Ministério da Saúde. 2020.