Por Karen Canto
Em carta aberta endereçada a governantes, cientistas de várias instituições do país alertam para o grave momento da pandemia por Covid-19 no Brasil. De acordo com o documento, a situação do Brasil, quando comparada a outros países, tem uma série de agravantes que colocam o país em situação preocupante.
Segundo o documento, a maioria dos governos no mundo têm adotado o isolamento social para achatar a curva de casos da Covid-19, para evitar, sobretudo, a sobrecarga das UTIs. “No Brasil, no entanto, alguns políticos e parte da população ainda não tratam a Covid-19 como séria ameaça à vida humana”, afirma.
A carta é fruto do evento online Covid-19 - Modeling Infection Dynamics, ocorrido entre os dias 15 e 16 de abril, organizado pelo Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e que reuniu pesquisadores brasileiros e de outros países para avaliar a disseminação do Sars-Cov-2, sob a ótica dos modelos matemáticos utilizados para fazer projeções sobre a evolução da Covid-19.
Dentre os participantes estava o epidemiologista britânico Neil Ferguson, um dos autores do estudo de modelagem do Imperial College sobre a evolução da Covid-19 em nível mundial e a matemática Rosa Maria Casais, da Universidade de Santiago de Compostela, que participa de um Comitê de Especialistas junto ao governo Espanhol para o combate à pandemia.
Casais ressaltou o empenho do Comitê de Especialistas em colaborar com as autoridades espanholas através de informações sobre a disseminação do vírus. Representantes da China, abordaram modelagens matemáticas usadas para prever a evolução da epidemia e softwares que ajudaram no rastreamento e isolamento de infectados. Já em Israel, o documento cita o pesquisador do Instituto Weizman Benjamin Geiger, que atua junto ao Ministério da Saúde e diretamente na criação e implementação de um método de monitoramento e identificação da disseminação da pandemia, e na predição de novos focos. “O governo de Israel tem investido maciçamente na implementação de políticas públicas efetivas na contenção do vírus, inclusive na busca de novas tecnologias para a testagem em massa de pacientes infectados, como o escaneamento da pele para detecção de sinais vitais.” conforme descrito na missiva.
Mesmo com a cooperação entre cientistas e autoridades, o enfrentamento da pandemia tem se mostrado um grande desafio e indica a necessidade de manter e reforçar as medidas de isolamento social.
Gargalos no Brasil
Diante disso, se comparada a outros países, a situação do Brasil, é preocupante por uma série de fatores: não há consonância entre as esferas do governo nem mesmo no governo federal. A divergência entre o discurso e a prática dos integrantes do governo federal faz com que parte da população negligencie o isolamento social. Outro aspecto preocupante, é a quantidade de testes realizadas no Brasil. Enquanto a Espanha testa cerca de 35 mil casos por milhão de habitantes, por exemplo, o Brasil está testando em torno de 1.600 casos por milhão de habitantes. Além disso, o alijamento da comunidade científica na formulação de políticas de combate à pandemia, principalmente por parte do governo federal, é outro elemento que agrava a situação brasileira
Segundo José Dias do Nascimento, professor do Departamento de Física Teórica e Experimental da UFRN e também pesquisador do Centro de Astrofísica do Harvard-Smithsonian, o documento tem o objetivo de estabelecer um diálogo com governantes e tomadores de decisão sobre a importância dos modelos físico matemáticos no cenário brasileiro de ausência de testes. O pesquisador também chama a atenção para o fato de que algumas projeções realizadas sem critério ou rigor científico tem sido propagadas de forma indevida: “Nenhuma projeção pode ser feita sem a supervisão de um especialista capacitado e sem o uso de metodologias robustas. Isso é importante para evitar que predições feitas de forma irresponsável sejam utilizadas por quem deseja o afrouxamento do isolamento social em função apenas de aspectos econômicos e não científicos.”.
Os signatários da carta também apontam a necessidade de medidas coordenadas para esclarecer a população sobre a gravidade da situação: “A ambiguidade de discursos sobre a severidade da epidemia ou, pior ainda, a sua negação, comprometem as necessárias medidas de isolamento e sua eficácia. As ações de educação também devem reforçar as medidas de higiene e do uso de máscaras. Não haverá eficácia nessas ações educativas se não houver uma ação governamental que dê suporte a essas iniciativas.”
A carta, assinada por representantes de várias instituições de pesquisa e ensino como a Fiocruz, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Universidades de todo o país, foi enviada a governantes e ao Senado Federal num momento em que o país se aproxima de 115 mil casos e 8 mil mortes notificadas oficialmente.