Os mapas de disseminação da Covid-19 em Campinas (SP) apontam que há uma tendência de alastramento da doença no sentido centro-periferia. Regiões sul e leste têm um maior número de casos, e no sudoeste e no noroeste há um progressivo aumento. Já as mortes de menores de 60 anos aumentaram em regiões de alta vulnerabilidade social. A desigualdade, conforme aponta a professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Unicamp, Maria Rita Donalisio Cordeiro, é um dos elementos que explicam a tendência, já que fatores como o trabalho informal e a precariedade em saneamento básico dificultam as estratégias de proteção e de isolamento social.
“Os modelos matemáticos mostram que, nesse momento, com essa expansão, aumenta a velocidade de disseminação da doença. Por quê? Porque são populações vulneráveis, são trabalhadores informais, indivíduos que moram em moradias precárias, com saneamento básico insuficiente, com condições de vida mais precárias, o que os deixam vulneráveis”, avalia a professora, que é uma das pesquisadoras dedicadas às análises epidemiológicas da Covid-19 na cidade, publicadas periodicamente nos boletins produzidos em conjunto pela Unicamp e pela prefeitura de Campinas.
Um dos dados que também chamam atenção, no boletim divulgado na terça-feira (19), são as mortes de menores de 60 anos entre residentes de áreas de muito alta vulnerabilidade social. “A gente vê a disseminação progressiva das mortes e das doenças para a periferia. Semana a semana há aumento de número de casos e chegada de casos fatais nessas regiões. Isso gera muita preocupação porque a velocidade da transmissão e da subida da curva aumenta”, afirma Maria Rita.
Essa tendência seria minimizada, segundo a pesquisadora, se as populações mais vulneráveis tivessem condições de responder às medidas de saúde pública de proteção individual, como a lavagem de mãos e o uso de máscaras, e de isolamento social. Para isso, medidas de apoio do Poder Público, como através de salários emergenciais, são fundamentais. No entanto, a professora avalia que esses subsídios não estão sendo suficientes e rápidos. “É impossível a gente pensar num isolamento social eficiente sem um apoio do governo, sem um apoio na forma de recursos, de repasses, para assegurar a subsistência dessa população até a passagem dessa pandemia”.
Outro ponto primordial destacado por Maria Rita é o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). “Apesar das dificuldades, dos cortes de recursos, da precariedade às vezes do seu funcionamento, ele é uma porta de entrada nos quatro cantos do país. São equipes que recebem essas pessoas com sintomas, que conseguem dar alguma resposta às populações que dependem unicamente do SUS, embora a gente tenha acompanhado um verdadeiro desmonte dele”.
Lições das epidemias
As desigualdades foram ainda mais acentuadas e escancaradas durante a pandemia, conforme avalia Maria Rita. No entanto, ela acredita que o momento possa trazer uma reflexão importante sobre o modelo de sociedade em que vivemos, em que a concentração de renda é acentuada. Um momento-chave nesse processo, afirma, será quando eventualmente a eficácia de uma vacina ou de um medicamento for anunciada. “Há uma corrida para a vacina ou para um medicamento. Será que a gente vai garantir que essa vacina seja colocada com acesso universal? Será que a gente vai garantir essa cooperação e solidariedade no acesso das populações mais pobres a esse recurso?”, questiona.
Uma grande lição, segundo a professora, pode ser apreendida através do processo de combate à varíola. Neste ano completam-se 40 anos da erradicação da doença, o que ela considera uma das maiores vitórias da humanidade em termos de saúde pública, com a liderança da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a colaboração entre países e grupos de cientistas chegando nos mais longínquos cantos do planeta para a vacinação.
“Epidemias sempre ocorreram na história da humanidade, com impacto na vida cotidiana das populações. Uma das lições é a colaboração e da coordenação, da liderança na condução dessa grande tarefa de controlar o surto da epidemia, e principalmente solidariedade entre grupos, países e regiões”, pontua.
Assista à entrevista da professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Unicamp, Maria Rita Donalisio Cordeiro, ao programa Direto na Fonte (Rádio e TV Unicamp):
Produção: Liana Coll
Edição: Kléber Casablanca
Entrevista: Liana Coll
Texto: Liana Coll