Um dos tumores malignos mais comuns que aflige o sistema urinário é o câncer de bexiga músculo não-invasivo, aquele mais superficial que não atingiu o músculo interno do órgão. Esse tumor maligno representa 70% dos casos de doenças no trato urinário e é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a nona neoplasia mais comum no mundo. Para se dimensionar a gravidade do problema, dados da OMS apontam que só em 2018 foram diagnosticados 550 mil casos novos no mundo que atingem, principalmente, pessoas idosas.
Hoje, o tratamento mais comum para esse tipo de câncer que não invade a camada muscular da bexiga é uma cirurgia para raspar o tumor, seguida pelo tratamento com uma vacina baseada no Bacilo Calmette-Guérin, mais conhecida como ONCO BCG e também usada como base da vacina de prevenção de tuberculose, para se evitar que o tumor retorne e/ ou progrida.
No entanto, segundo o professor Wagner Fávaro do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB Unicamp), há dois problemas nesse tratamento convencional: primeiro, que aproximadamente 70% dos pacientes que se submeteram a ele tiveram recidiva sendo forçados ao mesmo tratamento e, em casos mais graves ou de uma nova recidiva, submetidos à retirada da bexiga seguido de quimioterapia, que tem uma taxa de falha de 80% dos casos e com efeitos colaterais.
“O tratamento é muito agressivo porque o câncer de bexiga acontece a partir, majoritariamente, da sexta década de vida. E normalmente esse público tem muita comorbidade, ou seja, costumam ter mais doenças ou alterações que acontecem ao longo da vida, como hipertensão e diabetes, que impossibilitam a retirada do órgão ou, ainda por conta da comorbidade, 90% dos pacientes acabam tendo efeitos colaterais ao tratamento do ONCO BCG e sem perspectiva terapêutica.”, explica Fávaro sobre o risco no tratamento convencional desse tumor.
O segundo problema para esse tipo de tratamento é a falta mundial de abastecimento de medicamentos à base de BCG, sendo que o único laboratório brasileiro que produzia, com exclusividade, esse medicamento foi interditado em 2019 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por não cumprir requisitos técnicos de boas práticas para a produção de medicamentos.
OncoTherad: uma alternativa de tratamento
Nesse cenário e após 13 anos de pesquisa com carcinogênese urogenital, Fávaro em parceria com o professor Nelson Durán do Instituto de Química (IQ Unicamp) desenvolveram um novo medicamento menos agressivo chamado OncoTherad, cuja marca e patente foram protegidas pela Agência de Inovação da Unicamp para a Universidade.
Trata-se de um nanofármaco, uma molécula totalmente sintética produzida em laboratório, que ao ser usado no tratamento com aplicações intramusculares estimula o sistema imunológico para combater o tumor, com uma taxa de sucesso de 88,5% para animais e 80% em seres humanos, conforme detalhou o docente sobre o desenvolvimento e resultados do medicamento.
“Nós começamos todo o desenvolvimento em animais (camundongo, ratos e coelhos). Depois, evoluímos para um ensaio clínico veterinário em cães que apresentaram espontaneamente câncer de bexiga. Vale ressaltar que o tratamento de câncer de bexiga para o cão é terrível e muito restrito, com uma sobrevida por volta de 161 dias com o tratamento tradicional. Nós tratamos mais de 30 cães com 88,5% de redução tumoral de animais que estão vivos há mais de 542 dias. É um ganho muito grande em termos de sobrevida e qualidade de vida desses animais.”, detalha Fávaro.
Após os resultados positivos em animais e com a autorização da comissão de ética da Unicamp, os ensaios clínicos evoluíram para pessoas cujo tratamento tradicional falhou e estavam sem perspectiva terapêutica. “Temos 30 pacientes que estamos acompanhando há dois anos. Desses 30 pacientes, tivemos uma taxa de sucesso de 80%. Ou seja, tivemos 24 pacientes que o tumor não voltou e 6 pacientes que tiveram recidiva. No entanto, nos casos que recidivaram, constatamos recidiva em um grau muito menor do que quando esses pacientes começaram o tratamento com o OncoTherad.”, comemora Fávaro com os resultados obtidos.
O ensaio clínico aconteceu em parceria com o Hospital Municipal de Paulínia, interior de São Paulo, onde há o Ambulatório de Urologia e Imunoterapia, visto que o medicamento se enquadra na categoria de imunoterapia ao estimular o sistema imunológico.
Novas etapas para o medicamento ir para o mercado
A próxima etapa para se ter a autorização da Anvisa e da Food and Drug Administration (FDA), órgãos reguladores no Brasil e nos Estados Unidos respectivamente, que garantem a segurança e eficácia do medicamento para poder ir para o mercado são os resultados de ensaios clínicos multicêntrico multinacional.
Isso significa que o mesmo protocolo utilizado com os pacientes do Hospital Municipal de Paulínia deve ser aplicado em outros centros dentro e fora do Brasil. Para prosseguir com esses ensaios, os pesquisadores fundaram uma empresa spin-off da Unicamp chamada CND Pharma, que em 2019 licenciou a patente e a marca do OncoTherad para produção do medicamento para uso veterinário e humano.
“Agora, junto com a empresa, vai haver um escalonamento da produção do medicamento para que se possa ter o volume necessário para aplicação tanto no campo veterinário quanto no campo humano. Só assim, será possível prosseguir com o ensaio clínico multicêntrico.”, comenta o pesquisador sobre a nova fase antes de se ter a autorização dos órgãos reguladores que possibilitarão a chegada do nanofármaco ao mercado nacional e internacional.
Matéria publicada originalmente no site da Agência de Inovação Inova Unicamp.