Fundada no Brasil sobre as bases de uma sociedade racista, ainda no fim do século XIX, a universidade busca agora caminhos para desmontar esse aparato. Em 1808, ano da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, a fundação das primeiras escolas de Medicina formaram os teóricos inaugurais do racismo brasileiro.
“Em Salvador, por exemplo, Nina Rodrigues contribuiu para o racismo científico. Ela tem um livro que diz que o negro tende naturalmente para a criminalidade por ser inferior biologicamente”, afirma Juarez Xavier, docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Bauru. Xavier foi um dos convidados para a estreia do ciclo de webinários “Vidas negras importam para a universidade”, organizado pela Cader, Comissão Assessora de Diversidade Étnico-Racial, na última segunda-feira, dia 20 de julho. A comissão integra a DeDH (Diretoria Executiva de Direitos Humanos) da Unicamp, fundada em março de 2019 para promover a tolerância, cidadania, inclusão, diversidade, pluralidade e a equidade na universidade.
Pautado pelo tema “Racismo institucional”, o debate fez um resgate histórico dos principais marcos da luta do movimento negro dentro e fora da universidade. “O movimento negro é educador. É preciso compreender a estrutura que retroalimenta o racismo”, pontuou Xavier.
Citando o escritor norte-americano Cornel West, o pesquisador da Unesp lembrou que a universidade é o espaço onde se formam os agentes do Estado e que, ao longo do tempo, ela ajudou a reproduzir a genealogia do supremacista racial. “A ciência foi profundamente contaminada por isso”, comenta.
No Brasil, esse cenário começou a sofrer leves mudanças a partir dos anos 2000, com as políticas de ação afirmativa. As primeiras a implementarem sistemas de cotas para egressos de escolas públicas, negros, indígenas e deficientes físicos foram a Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro) e Uneb (Universidade do Estado da Bahia). Em 2004, cotas raciais foram adotadas pela UnB (Universidade de Brasília) e o debate nacional sobre o tema se intensificou.
Essa política ainda não existia na Unicamp quando Márcia Lúcia Anacleto de Souza, professora da Secretaria Municipal de Ensino de Campinas, passou no vestibular, em 2001. “Muitos estudante negros eram indagados sobre sua capacidade intelectual”, relembrou Souza, que também participou do webinário. As cotas, avalia, foram importantes. “Mas ainda não são suficientes. Estamos falando de 56% da população brasileira”, justificou Márcia no evento virtual, ressaltando que negros e pardos são a maioria da população.
Ao citar uma das definições adotadas pela autora e ativista negra Jurema Werneck, Souza detalhou como é o racismo institucional. “São instrumentos do cotidiano organizacional que dizem da cultura da organização que impedem ou dificultam a implementação de políticas de igualdade racial. Diz respeito a uma certa lógica de funcionamento das instituições que são produzidas por uma sociedade racista e se expressa em quadros de funcionários, em órgãos que são atravessados pelo racismo”. O combate ao racismo institucional na universidade também precisa passar pela formação docente. “Egressos dos cursos de pedagogia e educação não têm formação sobre africanidade, racismo. Além disso, é preciso fortalecer a produção de conhecimento sobre questões raciais como aliada à política de cotas”, pontua.
Para Débora Jeffrey, pesquisadora da Unicamp que organizou o evento como coordenadora da Cader, o ciclo de webinários é uma oportunidade importante para a comunidade debater o racismo institucional. “Temos mais de 10 coletivos negros na Unicamp, e esse número foi aumentando a partir da adoção das cotas pela universidade, por exemplo”, comentou.
Néri de Barros Almeida, diretora executiva da DeDH, acredita que a discussão é um importante para a universidade abrir espaço, acolher, dar voz para a comunidade negra. “Temos que discutir, aprender e respeitar o lugar de fala da comunidade negra”, comentou Almeida. O Reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, parabenizou a iniciativa e disse que é uma prioridade combater o racismo e desigualdade. “Precisamos falar, precisamos discutir na sociedade brasileira e a universidade é um local fundamental para que isso aconteça”.
O webinário “Racismo Institucional” segue disponível no canal do youtube da DeDH. Seu conteúdo, segundo Eliana Amaral, Pró-Reitora de Graduação da Unicamp, servirá como uma ferramenta que será usada dentro da universidade para discutir o tema e combater o racismo.
Confira a íntegra do webinário sobre Racismo Institucional: