Se no início da pandemia no país os brasileiros vindos do exterior, ou que tinham contato com pessoas recém-chegadas de outros países, eram as mais suscetíveis a contraírem o coronavírus, hoje a situação é diferente: pesquisas que analisam a letalidade da Covid-19 no Brasil mostram que componentes como etnia, renda e escolaridade são decisivos nos efeitos causados pela doença. Segundo dados da PUC-Rio, a taxa de morte pela Covid-19 entre a população negra e de baixa escolaridade é de 80,35%, enquanto brancos com nível superior apresentam taxa de letalidade de 19,65%.
Para enfrentar a crise do coronavírus não apenas em seus aspectos médicos e biológicos, mas também sua face social, as políticas de inclusão adotadas pelas universidades de todo o mundo são fundamentais na redução das desigualdades que se acentuam com a pandemia. Foram esses os temas discutidos em um webinário promovido pela GAPS - Global Access to Postsecondary Education, entidade global que reúne pesquisadores e líderes educacionais na busca por ampliar o acesso e a diversidade no ensino superior. O evento digital foi realizado em 21 de julho e contou com a participação de Matheus Gomes (28), estudante do último ano de Engenharia Mecânica da Unicamp, que representou não apenas a Universidade, mas toda a América do Sul.
Ex-aluno do Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), Matheus foi presidente da Motriz - Empresa Júnior da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e também do Conselho Organizacional de Atividades Extracurriculares (COE) da unidade. Em sua passagem pela Universidade, ele também foi representante discente e atualmente participa da iniciativa de criação do Fundo Patrimonial da Unicamp.
Governança para as universidades e discussões étnico-raciais
Participaram juntamente com Matheus estudantes da Jamaica, África do Sul, Estados Unidos e Reino Unido. O bate-papo ocorreu em torno de dois aspectos principais: os efeitos da pandemia para as universidades e como ela se manifesta de formas diferentes para pessoas brancas, negras e de outras etnias.
Com base nas discussões realizadas, Matheus percebeu que o coronavírus impôs desafios às universidades de todo o mundo. No entanto, a forma com que os países lidaram com isso foi diferente. Segundo ele, enquanto nas nações desenvolvidas houve o cuidado para que protocolos e orientações gerais fossem formuladas e oferecidas às universidades, nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a adoção de medidas que garantissem a continuidade do ensino e pesquisa foi uma prerrogativa das próprias universidades.
"Em alguns lugares era uma governança municipal, em outros era nacional. Mas de uma forma ou de outra, existia uma orientação de como deveriam ser tratados aspectos como plataformas de ensino, métodos de avaliação, modelos de aulas, se os alunos deveriam ter horários fixos para estudar. Uma vez que tudo isso estava claro para todo mundo, acredito que tenha facilitado a adaptação tanto dos estudantes quanto dos professores", relata Matheus. Sobre esse tema, o estudante apresentou a experiência da Unicamp em ter sido a primeira universidade pública do país a suspender as atividades presenciais, logo após a declaração de pandemia pela OMS, e também os trabalhos adotados para garantir que o ensino fosse continuado de forma remota.
"Eu destaquei esse ponto, não só o fato de ter sido pioneira e corajosa como universidade, mas também por ter trabalhado para trazer a inclusão para esse debate. O trabalho feito junto com a iniciativa privada de levantamento de dispositivos, chips de internet e outros recursos para que a grande maioria dos estudantes passasse por esse período totalmente negativo com o menor impacto possível foi algo muito bom que eu pude sentir e levei como um orgulho de poder fazer parte disso", afirma o estudante.
As medidas que garantem o acesso da população negra às universidades também foram discutidas e valorizadas ao longo do webinário. Matheus comenta que um consenso entre os representantes de diferentes países é o de que os efeitos da pandemia tendem a ser mais duradouros para os grupos mais vulneráveis da população, que são compostos majoritariamente por pessoas pretas e pardas. Por isso, ele acredita que garantir a esses grupos o acesso a espaços de liderança, onde a temática racial pode ser discutida e problematizada, é uma responsabilidade das universidades.
"Acredito muito que as grandes transformações raciais que o Brasil e o mundo precisam passar envolvem a formação de pessoas que fazem parte de grupos em posição de liderança. E a universidade tem um papel fundamental em formar esses líderes. Um ponto discutido no webinário é como essas universidades têm formado líderes, pessoas negras em posição de liderança, que futuramente vão poder ocupar essas posições de transformação do país. Nós precisamos formar não só mais universitários, mas líderes negros preparados para debater essa temática racial", analisa.
A íntegra do webinário será disponibilizada em breve no site do GAPS.