Livro “Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19”, coordenado pela Unicamp e Universidade de Cardiff, é lançado

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O aumento do controle de fronteiras e da visão do outro como uma ameaça são situações que emergem e incidem sobre a reconfiguração das migrações internacionais durante a pandemia do novo coronavírus. Buscando refletir sobre esse cenário, que suscita novos desafios e ações, foi lançado o livro “Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19”. A publicação, disponibilizada online de forma gratuita, é resultado de uma parceria entre pesquisadores da área com a Unicamp, a Universidade de Cardiff, o Fundo de População das Nações Unidas, o Ministério Público do Trabalho, a Missão Paz e o Museu da Imigração do Estado de São Paulo. 

O livro conta com 56 textos, envolvendo mais de cem pesquisadores, incluindo também análises sobre a situação em Portugal, na Espanha, na Alemanha, e é coordenado pelos professores da Unicamp Rosana Baeninger e Luís Renato Vedovato e o professor da Universidade de Cardiff (Reino Unido), Shailen Nandy. Os docentes ressaltam que a publicação expressa uma preocupação de compreender o fenômeno das migrações a partir de uma abordagem interdisciplinar e interinstitucional, com o desafio de refletir sobre um panorama que está em reconfiguração no presente momento. 

Agravamento da vulnerabilidade e da xenofobia

Segundo Rosana Baeninger, professora colaboradora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo), os imigrantes e refugiados já são grupos historicamente vulneráveis e a pandemia agrava a situação. 

audiodescrição:  fotografia colorida da professora Rosana Baeninger
Sobreposição de carências sociais dos imigrantes torna-se mais evidente durante a pandemia, avalia professora Rosana Baeninger

“Há situações em que essa sobreposição de carências sociais, que a população imigrante e refugiada apresenta, fica ainda mais evidente diante da pandemia de Covid-19. Na questão do emprego, que para os brasileiros já é complicada, no caso dos imigrantes e refugiados acrescenta-se a discriminação, a dificuldade com a língua, a pouca interação na sociedade para se ter conhecimento sobre o mercado de trabalho neste momento de pandemia”, avalia. Rosana também atenta para o fato de que algumas ocupações realizadas em locais confinados, como em navios, frigoríficos e oficinas de costura, aumenta a possibilidade de incidência da Covid-19.

Outro ponto que a professora observa é o agravamento de problemas de racismo, discriminação e xenofobia, em um contexto pandêmico em que a causa dos problemas é atribuída a um vírus estrangeiro. “A própria pandemia é entendida como causada pelo vírus chinês e esse estigma de que é uma doença que vem de um país que, por questões ideológicas, já tem estigmas com sua população, reforça para os imigrantes também o preconceito, a discriminação e o racismo”, afirma.

Dificuldades no acesso a direitos

O professor Luís Vedovato, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, salienta que imigrantes e refugiados têm experienciado a dificuldade no acesso a direitos, como o auxílio emergencial no caso do Brasil. O auxílio, apesar de não restrito aos não-nacionais, é previsto para aqueles que possuem Cadastro de Pessoa Física (CPF), requisito que restringe o seu acesso, visto a situação de indocumentação entre imigrantes. Para o docente, que também é pesquisador associado do Observatório das Migrações em São Paulo, as dificuldades são comuns a várias localidades do país e do mundo, mostrando que o cenário de vulnerabilidade pode piorar de forma geral em situações como a da pandemia. 

audiodescrição:  fotografia colorida do professor Luís Renato Vedovato
Para professor Luís Renato Vedovato, momento da pandemia ressalta importância da nova Lei de Migração brasileira

Ele analisa que a nova Lei de Migração do Brasil, que completa três anos em 2020, trouxe um avanço no sentido da compreensão dos direitos sociais para os grupos de migrantes e refugiados no Brasil. No entanto, destaca que um dos desafios principais refere-se à compreensão de ter o direito, como por exemplo o direito de acesso ao sistema de saúde público. “A partir do momento que ele [o migrante] chega ao judiciário a maioria das decisões são no sentido de concessão do direito. O problema é vencer esse obstáculo de não saber que tem direito”. 

Por isso, reflete, esse momento de pandemia, embora triste e delicado, mostra a importância da nova legislação, já que a lei anterior não abarcava a compreensão da universalidade dos direitos fundamentais aos imigrantes e seria ainda mais impeditiva em relação a este acesso. 

Impacto na renda e nas remessas

Com a diminuição de empregos e impossibilidade de trabalhos informais nas ruas, muitos imigrantes veem-se impactados na questão laboral, impactando no empobrecimento e no impedimento de enviar ajuda financeira a familiares, prática que é comum entre a população migrante.  A saída para essas dificuldades, no momento, conforme aponta a professora Rosana Baeninger, tem sido buscar ajuda em instituições.

Assim, ela reforça a importância de que as municipalidades possuam um sistema de atendimento aos imigrantes e refugiados. “Diante da pandemia, o que seria necessário é que o próprio governo federal, estadual e municipalidades atentassem para que precisam olhar para a questão dos imigrantes e refugiados nos seus municípios. Embora as explicações da migração interna, da migração internacional e das consequências da pandemia nas migrações internacionais tenham a ver com o cenário global, o cenário local é que vai ter que assumir políticas para essas populações”, afirma.

No caso de Campinas, a professora frisa que existe um serviço referência nesse sentido. “Campinas é uma referência no interior e o serviço está vinculado aos direitos humanos, dando uma característica muito diferenciada em não propor uma política restritiva de considerar os imigrantes como um problema”. Na cidade, diz Rosana, há uma equipe de técnicos que lida com a imigração há décadas e essa experiência faz com que possa se tornar uma política efetiva. É importante, segundo a pesquisadora, que possa haver uma gestão metropolitana das migrações internacionais na Região Metropolitana de Campinas, já que pela ausência dela muitos imigrantes acabam tendo que buscar o atendimento em Campinas.

A pesquisadora, ainda, pontua que há países que têm seu Produto Interno Bruto (PIB) composto em grande parte pelas remessas financeiras daqueles que emigraram, como Bangladesh, Haiti, Honduras e Guatemala, e que já estão sofrendo grande impacto - a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou uma diminuição das remessas em 20% no início da pandemia. 

Reconfiguração das migrações

Embora seja difícil prever o rumo das reconfigurações no panorama das migrações internacionais, já que a pandemia ainda está em curso, os professores refletem sobre possíveis cenários. Para Rosana e Luís Renato, além de um aumento de migrações internas, decorrente do fechamento de fronteiras, há uma tendência de que as migrações altamente qualificadas sejam reduzidas, já que reuniões e contatos virtuais podem tomar lugar da presença física. 

“Desconsiderando esse grupo privilegiado, o que vai acontecer? Neste momento de fronteiras fechadas há uma interrupção nos movimentos migratórios internacionais, mas suponho que justamente pelos países de origem também enfrentarem a crise sanitária e econômica, os movimentos migratórios do Sul Global tenderão a aumentar e até ter um boom por terem sido represadas por um momento”, avalia Rosana. 

A pesquisadora analisa que tanto nos países de origem como nos países de destino das migrações, a questão laboral está colocada numa imensa complexidade. “Não vai ter emprego no país de origem não vai ter emprego no país de destino. Existe toda uma discussão se a era da migração acaba com a pandemia e eu vejo que haverá uma outra face da era migração. Talvez diminua a forte relação migração pelo trabalho e se apresente muito mais como uma migração para a reprodução da vida”. 

Confirme o professor Luís Renato, outro problema decorrente é que, com a diminuição da migração de segmentos privilegiados da sociedade, pode acontecer uma diminuição das pressões por melhorias nas lei de migração. “O que a gente pode ver no futuro sim é um endurecimento de políticas.  Políticas migratórias vão ser só para as pessoas pobres. Aquele que está em uma camada de destaque não vai migrar porque vai estar numa célula no seu país de origem protegida, enquanto aqueles periféricos, que em tese iriam migrar, não vão ter o apoio no país de destino de alguém que pressione o congresso para fazer uma lei mais vantajosa, uma política pública melhor para recepção desses migrantes”, explica. 

Pobreza e migração

A pobreza, como explica o professor Shailen Nandy, da Universidade de Cardiff, é um dos fatores que impulsiona as migrações, incidindo sobre o desejo e a necessidade de migrar. “A crescente desigualdade econômica, política e social está alimentando a instabilidade em muitos países, e é natural que as pessoas queiram fugir para um lugar seguro, onde possam viver e trabalhar em paz”, pontua.

audiodescrição:  fotografia colorida do professor Shailen Nandy
"“A pandemia mostrou que ignorar outros fatores, como acesso a serviços básicos e padrão geral de vida, é problemático", diz professor Shailen Nandy

Shailen, cujos estudos focam-se na abordagem consensual da pobreza, elucida que esse enfoque leva em conta não só a renda, trazendo um olhar mais amplo para a pobreza que abrange, por exemplo, o acesso a serviços de saúde e à alimentação. A importância da metodologia, nesse momento de pandemia, torna-se particularmente evidente. “A pandemia mostrou que ignorar outros fatores, como acesso a serviços básicos e padrão geral de vida, é problemático; o que os planejadores precisam são medidas socialmente realistas da pobreza”, diz.

Abordando movimentos populacionais na Europa, o professor evidencia que paradoxalmente, o Reino Unido vem recebendo menos refugiados que países de renda baixa, como Uganda, Tanzânia e Bangladesh, e média, como Turquia, Líbano, Irã e Paquistão.  “Ironicamente, países ricos como o Reino Unido recebem muito menos refugiados do que outros países. Isso é particularmente problemático, pois muitas vezes é o resultado de políticas que eles empregam que realmente contribuem para o fluxo de refugiados (não devemos esquecer as guerras no Iraque, Afeganistão , Líbia, etc)”, observa.

A demonização de migrantes e refugiados por políticos e na imprensa britânica, conforme o professor, é frequente, e os discursos comumente associam essa população às causas de problemas como a saturação de serviços básicos. “Pesquisas mostram, no entanto, que os migrantes são contribuintes líquidos para as sociedades, pois tendem a ser mais jovens, são mais propensos a trabalhar e pagar impostos e menos dependentes dos serviços públicos”. Assim, Shailen avalia que a pandemia do Covid-19 também mostra aos britânicos o quão dependente dos trabalhadores migrantes, que trabalham na linha de frente seja enquanto trabalhadores da área da saúde ou de outros serviços, como transporte público.

Traçando uma ligação com o Brasil, onde ele também identifica a hostilidade e a agressão a imigrantes venezuelanos e haitianos, o professor lamenta que isso ocorra em um país fundado pela migração, forçada e voluntária. “É triste ver o uso sistemático das mídias sociais por políticos e seus apoiadores para demonizar e outras pessoas vulneráveis ​​que fogem da guerra, opressão e desastre ambiental. Ela gera divisão e acentua diferenças, quando o que é necessário é uma celebração de nossas semelhanças como pessoas e nosso desejo de uma vida melhor e mais segura”, pondera.

Parceria entre Cardiff e Unicamp

Em 2018, a Unicamp e a Universidade de Cardiff assinaram uma parceria estratégica, prevendo aproximação em diversas áreas do conhecimento. Através de uma das frentes de cooperação, no começo de 2020 teve início uma pesquisa com o objetivo de avaliar a pobreza no Brasil, baseando-se na abordagem consensual. Resultados preliminares podem ser encontrados no livro "Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19”.

A aplicação da pesquisa, que conta com apoio do Ministério Público do Trabaho (MPT), teve como piloto a região metropolitana de Campinas. Apesar de ainda estar em andamento, o estudo indica quatro principais vetores de reprodução da pobreza multidimensional: renda e classe, racismo, violência e gênero. 

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audiodescrição: fotografia colorida de uma paisagem com árvores e nelas estão penduradas cartazes com fotos de pessoas

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004