Um grande acúmulo de conhecimentos, saberes e técnicas permitem que a população pobre tenha capacidade não só de construir suas próprias casas, mas parcelas significativas de cidades. Helena Rizzatti Fonseca analisou, em tese defendida no Instituto de Geociências da Unicamp, como a população questiona e resiste às desigualdades estruturais impostas pela urbanização corporativa em detrimento de interesses sociais. A tese "Urbanização Corporativa Vista pelo Avesso: Periferização, Interseccionalidade e Lugar – Uma Análise a partir das Ocupações de Terras Urbanas", que foi orientada pela docente do IG Adriana Maria Bernardes da Silva, aborda o processo de urbanização corporativa brasileiro a partir da periferização, que se constitui em diferentes tipos de periferias, como favelas, conjuntos habitacionais, cortiços, ocupações, mocambos, muitas vezes localizadas em áreas centrais das cidades.
Segundo Helena Rizzatti, que concluiu sua graduação e seu mestrado em Geografia pela Unicamp, “essa característica da urbanização brasileira reproduz e aprofunda as desigualdades estruturais da formação socioespacial do país, que se dá de maneira interseccionalizada nas desigualdades de raça, classe e gênero. Devido a isso, nomeamos o processo de urbanização como corporativo e interseccionalizado”. De acordo com a agora docente, enfatizou-se na tese as ocupações organizadas de terras urbanas que, na medida do possível, resistem a essa urbanização corporativa excludente. O cotidiano nas comunidades Cidade Locomotiva (Ribeirão Preto/SP) e Menino Chorão (Campinas/SP), duas ocupações urbanas estudadas na pesquisa, demonstra que o processo de construção da população pobre constitui-se em tecnologias da sobrevivência.
Também foi possível compreender de que maneira o cotidiano desses lugares leva a um constante tensionamento das relações sociais de poder, possibilitando sua alteração ainda que de forma efêmera. “Para essa análise foi desenvolvida uma proposta de representação de alguns eventos geográficos que fazem parte do cotidiano desses lugares. Nesses eventos, foi possível notar algumas alterações e questionamentos, principalmente, nas desigualdades de gênero tensionando-se a construção social do gênero”, destaca Helena. A tese aponta ainda que relações pessoais e afetivas são destruídas por meio das remoções efetivadas pelo Estado - as reintegrações de posse de terrenos e lotes urbanos que não cumprem a função social da propriedade e da cidade. “Enquanto não for constituído um processo de urbanização voltado para atender à população como um todo, a efetivação de remoções são uma cruel arma utilizada pelos Estados em prol dos interesses do mercado imobiliário e que aprofunda as enormes desigualdades socioespaciais brasileiras”, afirma a geógrafa.
O estudo parte sobretudo dos conceitos de espaço geográfico, formação socioespacial e urbanização corporativa elaborados pelo geógrafo brasileiro Milton Santos e mobilizados pela socióloga brasileira Ana Clara Torres Ribeiro. Durante a pesquisa foram realizadas revisões bibliográficas com ênfase nos estudos da urbanização brasileira, das questões de gênero e de raça e da interseccionalidade no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, principalmente, mas também na Inglaterra e França. Além de trabalhos de campo na Cidade Locomotiva (Ribeirão Preto/SP) e Menino Chorão (Campinas/SP), Helena realizou atividades e oficinas nessas comunidades e em escolas que atendem à população Residentes nas áreas estudadas. A pesquisadora também fez visitas técnicas junto à prefeitura de Ribeirão Preto e participou de reuniões de conselhos populares e em espaços do poder público abertos à participação popular.
Para realizar sua pesquisa, Helena recebeu bolsa do CNPq em três dos quatro anos de desenvolvimento de sua tese. Foi selecionada para participar do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior financiado pela CAPES. Com isso, cursou um semestre no Instituto de Geografía da Universidad Nacional Autónoma de México, na Cidade do México.
Defesa on line
Com a suspensão das atividades presenciais na Unicamp, as defesas passaram a ocorrer de modo virtual no IG. A de Helena ocorreu nessa modalidade, que considerou a experiência com prós e contras. De acordo com a doutora, a defesa virtual permitiu que as professoras convidadas que participaram da banca aceitassem o convite. No modo presencial, havia a possibilidade de não aceitarem por residirem em diferentes locais do Brasil. Outro ponto positivo foi o fato de sua orientadora, que está realizando pós-doutoramento em Montreal (no Canadá), ter participado do processo devido às tecnologias de transmissão virtual. Segundo Helena, o número de pessoas que acompanharam o rito acadêmico foi consideravelmente mais amplo, se comparado com a forma presencial de defesa. A agora doutora lamenta que, além do modo virtual de defesa exigir uma boa internet, ocorre perda de qualidade ao reduzir o intercâmbio de conhecimento, característico desse momento do trabalho. "A defesa de doutoramento é muito longa. No meu caso durou mais de cinco horas", informou.
Para ampliar o alcance, a Secretaria de Pós-Graduação do IG avalia a possibilidade de transmissão ao vivo pelo canal no YouTube.